Folha de S. Paulo


análise

'Playboy' acaba de aprender que o velho sexismo não dá mais lucro

A decisão da "Playboy" de deixar de publicar fotos de mulheres nuas pouco tem a ver com uma vitória feminista e com os avanços da mulher, e muito a ver com um modelo de negócios que deixou de ser eficiente —pôsteres de mulheres nuas na era do Girls Gone Wild, Milfs e Two Girls One Cup parecem tão desgastados e empoeirados quanto o velho roupão de Hugh Hefner.

O velho sexismo já não dá dinheiro, mas o novo sexismo vai continuar ativo.

Já faz 50 anos que Gloria Steinem se infiltrou em uma das unidades do Playboy Club operadas por Hefner, vestindo um leotard de cetim e um rabinho postiço de coelha, para expor um mundo no qual as mulheres recebiam "deméritos" por usarem saltos com menos de 7,5 centímetros, eram chamadas às mesas com gritos de "vem cá, coelhinha" e tinham de se submeter a um exame ginecológico para um emprego como garçonete.

A decisão é uma ilusão sedutora de progresso —a mais famosa revista de mulheres nuas do planeta deixando os nus de lado para se concentrar "nas reportagens"—, mas ainda assim não passa de uma ilusão. Quando seu site foi relançado sem fotos de mulheres nuas, este ano, a revista explicou que era porque sua marca transcende a nudez, e "Playboy" é "um árbitro cultural de beleza, gosto, opinião, humor e estilo".

O anúncio sobre a revista, porém, continha uma dose maior de franqueza. Scott Flanders, o presidente-executivo da "Playboy", disse ao "New York Times" que "agora todos estão a um clique de distância de todos os atos sexuais imagináveis, e de graça".

Além disso, a nudez jamais foi o problema das feministas com relação a "Playboy", porque não há nada de sexista nas imagens de mulheres nuas em si. A ideia de que os homens têm direito a essas mulheres, no entanto —uma ideia que domina o cenário da cultura pop quer os proponentes tenham credenciais pornográficas, quer não— é o problema.

Afinal, não faz verdadeira diferença que a mulher esteja vestida ou nua se todas as representações dela são sexualizadas. Quando Steinem obteve emprego no Playboy Club, os trajes sumários que as mulheres eram forçadas a usar pareciam peixe pequeno se comparados ao salário medíocre e ao tratamento humilhante e discriminatório que recebiam, uma situação que talvez fosse mais grave nos clubes da "Playboy" mas que continuava a ser o padrão para as mulheres nos anos 60, pouco importando onde trabalhassem.

E, embora chamar as mulheres de "coelhinhas" e exibir seus corpos nus implicasse em objetificá-las, me preocupo mais com a maneira pela qual Hefner tratava suas namoradas na vida real, como parte da fantasia que buscou criar por meio de sua revista e marca.

Julie Burton, presidente do Women's Media Center, aponta, porém, que a objetificação é significativa, da mesma forma que o trecho do anúncio no qual a "Playboy" afirma que continuará a exibir imagens de mulheres em trajes e poses provocantes. "A 'Playboy' não está sozinha nisso —existe uma avalanche de imagens sexualizadas na mídia e publicidade. Mas essas imagens têm impacto negativo", diz Burton.

"O foco constante em imagens sexualizadas da mulher transmite a mensagem de que devemos avaliar a mulher pela aparência e não pelo que ela é: um ser humano que participa de quase todas as histórias", ela acrescentou.

Mas Sara Benincasa, humorista e autora do romance "DC Trip", que teve textos publicados pela "Playboy" sobre temas como padrões de beleza, o caso GamerGate, e apupos masculinos às mulheres nas ruas, diz que, embora compreenda o ceticismo quanto à revista, "acho que um novo dia raiou, lá".

"Jamais imaginei que eu me definiria como fã da marca Playboy", ela me disse. "Você sabe qual é o maior ato feminista? Pagar bem a uma mulher por seu bom trabalho; promover o pensamento inteligente, o pensamento crítico, e o apoio aos direitos da mulher".

Assim, talvez seja possível julgar a revista pela —ainda provocante— capa.

Sim, o abandono das fotos nuas pela "Playboy" provavelmente não terá grande impacto sobre as pessoas que gostam de olhar mulheres nuas, e nem promoverá o avanço do feminismo. A ação tem a mais a ver com os negócios do que com o progresso e, não importa o que aconteça na "Playboy", o sexismo persistirá —não só na pornografia como na vida. E isso preocupa muito mais do que o fato de que veremos menos pares de seios nus nas bancas de jornais.


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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