Folha de S. Paulo


Empresas ajudam clientes a evitar internet em 'desintoxicação digital'

Danilo Verpa/Folhapress
SAO PAULO - SP - 14.10.2013 - Pessoas utilizam telefone celular na avenida Paulista. Moda nos EUA, o
Mulher segura smartphone

Do começo da manhã ao fim da noite, Darren Fergus verificava ininterruptamente o seu e-mail e contas de mídia social. A despeito das queixas do filho, o empreendedor acreditava que seu relacionamento com o iPhone fosse saudável.

Então, ele fez uma parada para desintoxicação digital —celulares e tablets eram proibidos e foram substituídos por caminhadas no campo, culinária e empinar pipas— e só assim percebeu o quanto havia se tornado dependente da tecnologia. "Não ter celular era estranho. Não saber o que estava acontecendo. Estar fora de comunicação".

Mas ele se sentiu energizado. Quando voltou para casa, trancou o celular na gaveta durante todo o final de semana.

Essa viagem empresarial ao mundo não digital foi organizada por Martin Talks, empreendedor digital que oferece programas desse tipo por meio de sua companhia, a Digital Detoxing, para trabalhadores e famílias em busca de ajuda sobre como enfrentar a sobrecarga tecnológica.

Ele conta que os pais procuram, especialmente, dicas para os filhos adolescentes. "Não quero que as pessoas voltem a escrever com penas e a lavrar a terra com um arado. Só quero que tenham um relacionamento saudável com a tecnologia."

A sobrecarga tecnológica, ele diz, distrai as pessoas de seu trabalho. "Os trabalhadores não se concentram. Não se envolvem. A sobrecarga esgota nossa energia. Estamos sempre ligados, não conseguimos nos acomodar. Nossos cérebros estão sempre ocupados".

A ironia de um especialista em marketing digital aconselhando as pessoas sobre como darem uma pausa na tecnologia não passa em branco por Talks: "O marketing digital não precisa ser tóxico, mas muitas vezes é", ele admite.

Um dos mais conhecidos expoentes da desintoxicação digital é Randi Zuckerberg, irmã do fundador do Facebook e antiga vice-presidente de mídia da companhia de redes sociais. Ela sugeriu que os piores viciados deveriam desligar seus aparelhos por alguns dias.

Caso o façam, podem vir a sofrer de "nomofobia", termo que descreve a ansiedade causada pela ausência de um smartphone. Em "Reclaiming Conversation", o novo livro de Sherry Turkle, a psicóloga e diretora da Iniciativa de Tecnologia e Self do Instituto de

Tecnologia de Massachusetts (MIT) afirma que os smartphones estão matando a conversa. Ela recomenda uma "cura pela fala", na qual conversas face a face substituem "as conexões falhas de nosso mundo digital".

Nicholas Carr, autor de "The Shallows", diz que devido à nossa conexão constante com "a mídia eletrônica, estamos sempre em modo multitarefas. Múltiplas tarefas constantes já foram associadas a um pensamento mais raso, concentração mais fraca, criatividade reduzida e estresse ampliado".

As empresas que organizam férias perceberam a tendência algum tempo atrás e começaram a vender pacotes de desintoxicação digital.

As autoridades que administram a New Forest, no sul da Inglaterra, promoveram uma creche digital na qual as pessoas podiam guardar seus bens eletrônicos mais queridos em um depósito seguro. A produtora de refrigerantes Innocent promoveu um festival recentemente com o lema "desplugue e recarregue".

Os espectadores do festival não estavam autorizados a usar celulares, e o local não contava com rede Wi-Fi. Entre os eventos do festival havia uma rave matinal e palestras dos artesãos ativistas do Craftivist Collective.

A organizadora de eventos Caroline Jones está planejando um evento chamado Restival, daqui a um mês no Marrocos, e o local não contará com rede Wi-Fi, para impedir que os espectadores se "conectem e se vangloriem". Ela disse que recebeu 3.500 consultas sobre o Restival, ainda que o evento só comporte 100 pessoas. Jones planeja oferecer parte desse programa a empresas.

Nos Estados Unidos, o Camp Grounded oferece pausas para os empreendedores e profissionais fatigados, com proibição ao uso de tecnologia e os participantes instruídos a não se apresentarem pelos seus cargos, na esperança de que as pessoas criem relacionamentos mais profundos do que o de designar alguém como "favorito" no Twitter.

A desintoxicação digital, diz Talks, funciona ao levar as pessoas a se concentrarem no problema. Mas é um tratamento de choque, não uma cura. O curso dele ensina os participantes a inserir pausas tecnológicas em seus dias normais de trabalho. As dicas incluem desligar o celular por uma hora para garantir concentração plena no trabalho, restringir as trocas de e-mails com pessoas que trabalham perto, e ficar em pé para receber telefonemas ou conversar com os colegas.

Lucy Pearson foi executiva de publicidade e cofundou o Unplugged Weekend depois de encontrar uma alma gêmea em um retiro no Saara. Depois de organizar retiros "desconectados" de final de semana, a dupla agora trabalha com empresas de tecnologia a fim de ajudar os funcionários destas a usar seus aparelhos "com intenção".

Os especialistas em desintoxicação digital servem ao mesmo propósito que um personal trainer, ela diz: toda pessoa sabe o que é bom para ela, mas todas precisam de ajuda para colocar isso em prática.

Linda Stone, antiga executiva de tecnologia que hoje estuda os efeitos da tecnologia sobre mentes, corpos e emoções, cunhou a expressão "atenção parcial contínua", para descrever o estado no qual uma pessoa dedica atenção superficial a diversos fluxos separados de informações.

Ela não aprecia a expressão "desconectar", porque acredita que o mais importante seja planejar "ao que e como desejamos nos conectar". No entanto, ela diz, para algumas pessoas um compromisso de desligar aparelhos, participar de um grupo e compartilhar de uma experiência estruturada por outros pode ajudar.

Orianna Fielding, fundadora da Digital Detox Company, visita locais de trabalho para avaliar a sobrecarga tecnológica. Não faz sentido dar conselhos aos trabalhadores se eles não funcionarem na prática no escritório. ]

Ela diz que costuma encontrar trabalhadores estressados e sofrendo de excesso de estímulos. "É fácil se desconectar no alto de uma colina na Toscana, mas as pessoas precisam fazê-lo no contexto do trabalho."

É mais fácil aprender a se desengajar da tecnologia para as gerações mais velhas, ela diz. "As pessoas que nasceram na era digital nunca viveram sem tecnologia. Morrem de medo de não contar com ela". Mas depois que o medo da desconexão se dissipa, Fielding diz que os vê imensamente aliviados.

Como na maioria das mudanças culturais em organizações, a mensagem de que pausas digitais são importantes precisa vir de cima, diz Fielding.

Isso ajudaria a fomentar uma compreensão de que os trabalhadores não deveriam se sentir compelidos a jogar pingue-pongue de e-mails com seus chefes nas horas de lazer.

Ela recomenda, por exemplo, a programação de respostas automáticas informando que a pessoa está indisponível e desconectada por determinado período. Também faz demonstrações de apps de administração de tempo que desligam computadores e filtram e-mails.

A descoberta crucial, para a maioria das pessoas, diz ela, vem sendo a de que quando religam seus aparelhos, "tudo continua igual".
Em outras palavras, "eles não perderam coisa alguma".

emma.jacobs@ft.com

Twitter: @emmavj


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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