Folha de S. Paulo


Brasil precisa repensar definição de energia renovável, diz especialista

Para o fundador e presidente da consultoria Earth Security Group, Alejandro Litovsky, o Brasil não pode contar com a energia hidrelétrica como fonte duradoura para o futuro. Ele acredita que as mudanças climáticas tornarão essa fonte de energia muito instável.

"O Brasil tem três fontes de pressão que vão prejudicar muito a indústria e a economia: falta de água, variação climática e desmatamento. Juntas, vão prejudicar a capacidade de geração de eletricidade do Brasil", disse o argentino, que esteve no Brasil no fim de agosto para participar do Sustainable Brands Rio, evento voltado para projetos sustentáveis no mundo dos negócios.

A energia hidrelétrica representa 68% da matriz elétrica nacional, segundo dados da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) de 2014.

A ESG é uma consultoria sediada em Londres que ajuda empresas, bancos e governos a identificar riscos de sustentabilidade e desenvolver estratégias para driblá-los e identificar oportunidades de mercado.

ABAIXO, LEIA OS PRINCIPAIS TRECHOS DA ENTREVISTA

Ricardo Borges - 28.ago.2015/Folhapress
Alejandro Litovsky, CEO da Earth Security Group, em Londres
Alejandro Litovsky, CEO da Earth Security Group, em Londres

Folha - Quais são as principais vulnerabilidades do Brasil?

Alejandro Litovsky - O Brasil tem três fontes de pressão que acredito que vão prejudicar muito a indústria e a economia: falta de água, variação climática e desmatamento. Sabemos de todos os esses problemas individualmente, mas não sabemos muito sobre a interdependência deles, o impacto conjunto que podem ter. Juntos, vão prejudicar a capacidade de geração de eletricidade do Brasil.

Com o desmatamento, a floresta perde resistência. Ela tem uma função —bombeia umidade para a atmosfera e assim regular o clima. Sem a floresta, que serve como um tampão, a mudança climática será exacerbada. A falta d'água, que já está acontecendo, piorará. A combinação dessas três coisas vai minar a capacidade que o Brasil tem de gerar eletricidade.

Qual pode ser o impacto disso no futuro?

Dada a proporção da hidroeletricidade na matriz energética do Brasil, isso pode fazer com que o país tenha, no futuro, que se voltar para o hidrocarbonato - petróleo, por exemplo. Hoje a intensidade de carbono na geração de energia é baixa. Isso é por causa das hidrelétricas.

Hidrelétricas têm represas e reservatórios. Você acumula água e gera eletricidade. Quando tiver uma situação de seca rio abaixo, haverá muita pressão política para as empresas liberarem água.

Isso faz parte do risco político dos investimentos. Há muitos exemplos disso em fronteiras —hoje há um conflito entre o Egito e a Etiópia, por exemplo. Isso já está na mente dos empresários brasileiros.

Outra coisa interessante é o que acontecerá com os setores que dependem muito de eletricidade —varejo, mineração, infraestrutura. Hoje esses setores atuam num país com pouca emissão de carbono. Mas e quando a hidroeletricidade não for mais uma fonte estável? Você, como empresa, será muito mais confrontado com o problema das emissões do que é hoje.

Pragmaticamente, as empresas vão usar energia baseada em carbono, mas aí o que acontece é que os impostos sobre esse tipo de energia vão aumentar, que é o que está acontecendo mundo afora.

É possível dizer quando atingiremos esse ponto crítico?

O que dá para dizer é que o vetor é esse, é nesse caminho em que o Brasil está: clima volátil, volatilidade da disponibilidade de água – porque há secas e inundações, mas em desequilíbrio – e o desmatamento que continua.
A questão não é o ritmo do desmatamento, mas sim o quanto resta da floresta.

Temos uma esponja que tem uma função ecológica e que está sendo erodida. Mesmo se não desmatar tudo, pode chegar a um ponto em que a floresta comece a se autodestruir, por causa dos ciclos de seca, incêndios.

Tudo isso para dizer que há um oportunidade para o Brasil no que diz respeito a energia renovável. O governo não se mexe para disponibilizar um esquema que facilite investimentos nessa área. Mas é a melhor estratégia para garantir fornecimento de energia de longo prazo e de baixa quantidade de carbono. O Brasil tem um potencial solar imenso.

Na sua opinião, é correto que o Brasil considere a energia hidrelétrica como fonte renovável?

O Brasil precisa repensar sua definição de energia renovável. Tem que excluir energia hidrelétrica. O único jeito de fazer uma transformação real é com energia eólica e solar. Acho que vai se falar muito da posição do Brasil no período até a COP-21 [Conferência do Clima da ONU, que vai ser realizada em Paris, em dezembro. O Brasil aceitou a meta de descarbonizar a sua economia —tornando-a baseada em energia limpa— até 2100].

Mas o risco que há nisso tudo é que vocês estão contando com uma indústria gigantesca que não é estável —a hidrelétrica. O que importa agora é responder como o Brasil vai desenvolver sua capacidade solar.


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