Folha de S. Paulo


Veteranos contam suas estratégias para aumentar o faturamento na crise

Para quem gerencia um negócio há anos, tempos de economia desaquecida fazem parte da história de sobrevivência da empresa.

A reportagem da Folha ouviu cinco empreendedores experientes sobre as estratégias que adotaram para superar as dificuldades macroeconômicas do país.

Vale quase tudo para continuar faturando: renegociar com fornecedores, mudar o foco do negócio, atender um novo perfil de cliente, manter a equipe treinada e motivada e até realizar investimento pesado para inovar e ampliar o leque de serviços oferecidos.

O que não dá, afirmam todos, é ficar parado esperando a situação melhorar.

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Empresa de vídeo on-line opta por clientes menores

Especializada em soluções de vídeo on-line, a Samba Tech sempre mirou grandes clientes. Mas, há pouco mais de um ano, começou a apostar em marketing de conteúdo para atrair empresas de pequeno e médio porte.

A ideia era não apenas aumentar o leque de clientes, mas também fechar mais rapidamente os contratos, evitando a burocracia das empresas de grande porte.

"Há clientes menores, como as produtoras, que dependem do vídeo para sobreviver, porque é o centro do negócio. Outras empresas precisam do vídeo para treinamentos a distância, por exemplo. Há um mercado amplo", afirma o fundador da Samba Tech, Gustavo Caetano, 33.

Segundo ele, o investimento médio do grande cliente supera R$ 200 mil por ano. Esse valor cai para R$ 12 mil entre empresas de menor porte, que representam atualmente 12% do faturamento.

Marina Turner, 25, coordenadora de apoio a empreendedores da Endeavor, diz que expandir a clientela é uma forma de garantir um crescimento natural. "O empreendedor pode usar a estrutura e processos internos já existentes. Dessa forma, a empresa maximiza sua eficiência."

A Samba Tech trocou ainda fornecedores estrangeiros, por conta da alta do dólar. "Encontramos soluções nacionais similares, o que nos gerou uma economia de cerca de 40%", conta Caetano. Em 2015, a empresa fundada há 11 anos deve crescer 45%.

Alexandre Rezende/Folhapress
Gustavo Caetano, da Sambatech, no escritório da empresa em Belo Horizonte
Gustavo Caetano, da Sambatech, no escritório da empresa em Belo Horizonte

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Transportadora investe R$ 4 milhões para expandir

As previsões pouco otimistas para o ano de 2015 não adiaram os planos de expansão da transportadora Tquim, criada em 1980.

A empresa gastou R$ 4 milhões em um centro de distribuição com 11,5 mil metros quadrados em São Bernardo do Campo (SP), próximo do Rodoanel e dos portos da Baixada Santista.

A proposta é ampliar os serviços de transporte de produtos químicos para armazenagem desses materiais.

"O investimento foi consequência natural de nosso negócio de transporte e distribuição", diz Walter Almeida, 60, diretor superintendente.

A decisão de inaugurar o novo centro foi tomada há dois anos. "É um projeto de longa maturação, já sabíamos que a situação econômica atual adiaria a expectativa de retorno", diz.

Para Eduardo Alves Cunha, professor da Business School São Paulo, a economia enfraquecida não deve ser empecilho para investir, mas exige maior rigor na análise do seu custo e benefício.

"Inovar por meio de serviços de maior valor agregado é uma boa estratégia. Nesse caso em particular, ir além do transporte e passar a atuar também com gestão de atividades logísticas é algo que, em vez de gerar somente custos, dá valor à empresa e pode melhorar a rentabilidade", diz Cunha.

Segundo Walter Almeida, de janeiro a agosto deste ano, a Tquim cresceu 13% em comparação ao mesmo período de 2014.

Raquel Cunha/Folhapress
Walter Almeida, da Tquim
Walter Almeida, da Tquim

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Rede de pizzarias renegocia preços com fornecedores

No início do ano, prevendo os problemas que enfrentaria por conta da economia desaquecida, Elídio Biazini, 56, convocou fornecedores de matéria-prima, embalagens e até operadoras de cartão da Dídio Pizza para renegociar todos os preços.

O objetivo era diminuir o valor pago pelos produtos ou, pelo menos, mantê-los no mesmo patamar de 2014. Em troca, a rede de 24 pizzarias se comprometeu a consumir, ao longo de todo ano, uma quantidade mínima previamente negociada.

"Com a medida, conseguimos economizar 8% nas compras, melhorar a rentabilidade do negócio e não aumentar os preços das pizzas para o consumidor final", afirma.

Para Claudia Bittencourt, 63, diretora da consultoria de negócios Grupo Bittencourt, o empresário acertou ao investir no modelo "ganha-ganha". Ele obteve preços congelados e os fornecedores, vendas garantidas.

"No atual cenário, as empresas devem focar ainda mais em melhorar os processos e a produtividade para não ter de abrir mão das margens de lucro", diz.

Além da renegociação de preços, Biazini investiu ainda em ampliar os canais de venda -agora há uma plataforma on-line para os pedidos dos clientes- e intensificar as ações de marketing locais para cada uma das lojas.

Este ano, a rede, fundada em 1994, cresceu 9% em faturamento. A previsão é encerrar 2015 com receita de R$ 31,7 milhões.

Adriano Vizoni/Folhapress
Elídio Biazini, da franquia Didio Pizza
Elídio Biazini, da franquia Didio Pizza

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Franquia de venda de sapatos leva o produto em casa

O ano passado foi de realinhamento estratégico para a Quinta Valentina. O fundador da marca de sapatos, Renato Kuyumjian, 30, decidiu fechar a única loja física que tinha, em Goiânia (GO), aberta em 2010, para formatar o crescimento da empresa pelo modelo de franquias.

A ideia surgiu quando, no começo de 2014, ele percebeu que a conversão maior de vendas acontecia quando suas funcionárias iam à casa das clientes. "Percebi que 30% do faturamento vinha da venda fora da loja", diz Kuyumjian.

A expectativa de um ano de desaquecimento foi o empurrão que faltava. "Em tempo de economia difícil, por que continuar com o ponto de venda, que consumia quase R$ 40 mil todos os meses?"

Kuyumjian vendeu as primeiras franquias em novembro, em um modelo no qual o franqueado mantém o escritório em sua própria casa. Desde então, soma 120 unidades abertas em 24 Estados e espera faturar R$ 10 milhões em 2015.

"Há uma tendência no mercado de levar comodidade ao consumidor", afirma Maurício Morgado, 52, professor do Centro de Excelência em Varejo da FGV-EAESP.

O formato padronizado de franquia, segundo Morgado, também ajuda a manter a equipe motivada e capacitada em técnicas de venda.

"Por trabalhar com franqueados, o empresário cria vínculos e garante uma unidade ao negócio."

Divulgação
Renato Kuyumjian, da Quinta Valentina
Renato Kuyumjian, da Quinta Valentina

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Empreendedor coloca equipe no centro da atenção

Eurivan Lima, 47, abriu no começo do ano passado uma loja da rede de sapatos Outer Shoes no shopping Rio Design Barra, no Rio.

Enquanto as outras franquias cresceram 5% este ano, o desempenho da unidade de Lima está 11% superior ao do mesmo período de 2014.

O empreendedor atribui o resultado à atenção extra com a atração e fidelização dos clientes. "Ainda que haja uma queda nas vendas em geral, continua existindo uma demanda, e cabe a nós sermos a melhor escolha para os consumidores", diz.

Para isso, o empresário investe no treinamento constante dos nove funcionários. Mensalmente, ele e sua sócia promovem reuniões para reforçar os conceitos da marca e os princípios da loja.

A gerente, por sua vez, se reúne com cada membro da equipe semanalmente para avaliar o trabalho.

Ainda existem premiações constantes de vendas para motivar os empregados.

Neste ano, a meta de Lima é aumentar o faturamento em pelo menos 11% na comparação com 2014, chegando a R$ 1,4 milhão.

Para Ricardo Yogui, 50, professor de modelo de negócios do Ibmec-RJ, o cenário atual de vendas mais fracas deixa o consumidor mais exigente com o serviço.

"O cliente espera uma experiência personalizada no seu processo de compra. Sobreviverão os negócios que criam essa relação diferenciada com os compradores."

Divulgação
Eurivan Lima, da Outer Shoes
Eurivan Lima, da Outer Shoes

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LIÇÕES DOS VETERANOS

>> Ampliar a cartela de clientes pode garantir crescimento sem necessidade de grandes investimentos

>> Investimento bem planejado pode aumentar o valor da empresa e trazer maior rentabilidade

>> Renegociar condições com fornecedores de produtos e serviços pode ser saída para reduzir impacto da inflação no preço final e evitar perda de margem de lucro

>> Comodidade de levar o produto até a casa do consumidor pode ajudar a fechar vendas

>> Uma boa experiência de compra pode ser diferencial para crescer, já que, com a queda nas vendas, o consumidor fica mais exigente


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