Folha de S. Paulo


Dólar sobe pelo 5º dia e se mantém no maior valor histórico, apesar de BC

Preocupações com as contas públicas brasileiras e incertezas políticas, além da crise global, voltaram a levar o dólar ao maior valor da história do real nesta quarta-feira (23), apesar de o Banco Central ter atuado no mercado para tentar conter a escalada da moeda americana.

O dólar comercial, utilizado em transações de comércio exterior, fechou em alta de 2,24%, a R$ 4,145 na venda, pouco abaixo da máxima de R$ 4,152 registrada na última hora de negociações. Já o dólar à vista, referência no mercado financeiro, subiu 2,03%, para R$ 4,136.

Ambas as cotações estão no maior valor desde a criação do Plano Real, em 1994. É preciso considerar, no entanto, que o cenário econômico entre aquele ano e 2015 mudou drasticamente. O valor de R$ 4 naquela época, por exemplo, hoje valeria cerca de R$ 12,75, após correção inflacionária.

Dados mostrando desaceração da indústria chinesa em setembro ajudaram o dólar a ganhar força também sobre outras moedas globais nesta sessão. Das 24 principais divisas emergentes do mundo, 17 se desvalorizaram, lideradas pelo real.

No Brasil, a moeda americana chegou a cair no início do dia com a notícia de que o Congresso Nacional manteve na madrugada desta quarta parte dos vetos da presidente Dilma Rousseff a projetos da chamada pauta-bomba, que ao todo poderiam resultar em gastos extras de R$ 128 bilhões até 2019.

O alívio, no entanto, durou pouco. Economistas avaliaram negativamente o fato de os parlamentares não terem conseguido analisar um dos pontos mais polêmicos da pauta —o veto ao projeto que reajusta o salário dos servidores do Judiciário em 59,5%, em média, nos próximos quatro anos—, por falta de quórum.

"Era uma das decisões consideradas mais difíceis, e foi adiada. Isso amplia a crise de confiança entre o governo e o mercado, que está sem rumo e não sabe o que esperar da economia no futuro", disse Fernando Aldabalde, da gestora Áquilla Asset.

Incertezas sobre o quadro fiscal brasileiro têm ampliado o risco de rebaixamento da nota de crédito do país, a exemplo do que ocorreu no início do mês, quando a agência Standard & Poor's cortou o rating do país, retirando seu selo de bom pagador.

O receio é que o Brasil também perca o chamado grau de investimento da Fitch ou da Moody's. Com duas classificações de grau especulativo, grandes fundos estrangeiros têm que remover suas aplicações do país pelo risco maior de calote.

Infográfico: Cotação histórica do dólar

LEILÕES DO BC

O Banco Central realizou no início da tarde um leilão de 20 mil contratos de swap cambial, operação que equivale a uma venda futura de dólares. A intervenção foi anunciada quando o dólar se aproximou de R$ 4,15.

Desde abril, o BC não promovia leilões como este, em que coloca papéis novos no mercado. Mas a autoridade vem realizando operações diárias para estender o prazo de contratos existentes de swap.

O leilão, no entanto, teve baixa procura. Somente 4.400 papéis foram vendidos, por US$ 211,4 milhões. "Com a intervenção de hoje, o BC quis provar que não tem demanda pela moeda, ou seja, o movimento é só especulativo", afirmou Sidnei Nehme, diretor da NGO Corretora de Câmbio.

A autoridade também fez dois leilões de empréstimo de moeda americana com compromisso de recompra no valor total de até US$ 2 bilhões. Foi a quinta intervenção desse tipo desde 31 de agosto.

As atuações do BC chegaram a empurrar o dólar para perto de R$ 4,10 durante a tarde, mas a moeda americana voltou a ter força no final do dia.

"Não adianta o BC atuar no câmbio. Não vai conseguir conter a alta do dólar enquanto o mercado não enxergar melhora no quadro econômico e político. A baixa demanda no leilão de hoje reflete exatamente essa incerteza sobre o futuro", disse Aldabalde, da Áquilla Asset.

O dólar e a economia

CURVA DE JUROS

A possibilidade de rebaixamento da nota de crédito do Brasil tem feito com que os investidores apostem em juros mais elevados nos próximos anos, pela expectativa de que o Brasil terá de pagar taxas maiores para atrair investidores estrangeiros dispostos a bancar o risco de investir num país pouco confiável na avaliação das agências de risco.

As taxas de juros futuros negociadas na BM&FBovespa voltaram a subir nesta sessão. O contrato de DI para janeiro de 2021 apontou taxa de 16,80%, ante 16,14% na sessão anterior. O DI para janeiro de 2016 subiu para 14,795%, ante 14,580%.

Além da curva de juros, outro indicador tem sinalizado maior percepção de risco em relação ao Brasil. O CDS (Credit Default Swaps) brasileiro, espécie de seguro para se proteger de um calote em títulos da dívida do país, fechou a 481 pontos, alta de 3,44%.

Desde o início deste ano, o indicador, o mais usado no mercado financeiro para medir a percepção de risco, mais que dobrou. Em janeiro, estava em torno de 200 pontos.

AÇÕES

O cenário de aversão ao risco também afetou o principal índice da Bolsa brasileira, que fechou em baixa de 2%, para 45.340 pontos. O volume financeiro foi de R$ 7,1 bilhões.

As ações preferenciais da Petrobras (mais negociadas e sem direito a voto), que chegaram a subir no início do dia, inverteram a tendência para queda —a quinta consecutiva. Elas cederam 2,15%, para R$ 6,82 cada uma, no menor valor desde 6 de agosto de 2003, quando valiam R$ 6,81. Já as ordinárias, com direito a voto, perderam 1,08%, a R$ 8,26.

No mesmo sentido, os papéis da mineradora Vale recuaram, na esteira da cautela com a desaceleração da economia da China, que é o principal destino das exportações da companhia. As ações preferenciais perderam 2,80%, para R$ 14,92 cada uma, enquanto as ordinárias mostraram baixa de 2,88%, a R$ 18,90.

No setor bancário, segmento com maior peso dentro do Ibovespa, tiveram desvalorizações o Itaú (-3,97%), o Banco do Brasil (-3,56%) e a ação preferencial do Bradesco (-3,39%). Já os papéis do setor siderúrgico lideraram as perdas do índice, com CSN derretendo 20,5% e a ação preferencial da Usiminas recuando 15,35%.


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