Folha de S. Paulo


Trump está certo na economia

Então Jeb Bush está finalmente correndo atrás de Donald Trump. Nas últimas semanas, o homem que deveria estar na posição de liderança fez uma série de ataques ao homem que está. É estranho dizer, no entanto, que Bush não focou no que é realmente cruel e absurdo -cruelmente absurdo?- sobre a plataforma de Trump, seu racismo implícito e sua insistência de que ele, de alguma forma, iria prender os 11 milhões de imigrantes sem documentos e removê-los do nosso solo.

Em vez disso, Bush escolheu atacar Trump como um falso conservador, uma proposição que é supostamente demonstrada pelos seus desvios em relação à atual ortodoxia econômica republicana: sua vontade de aumentar impostos para os ricos, suas palavras positivas sobre o programa de saúde universal. E isso nos diz muito sobre o triste estado do Partido Republicano. As questões que a campanha de Bush está usando para atacar seu adversário inesperado são precisamente as questões sobre as quais Trump está certo, e o establishment republicano se provou completamente errado.

Para ver o que quero dizer, considere o que estava em jogo na última eleição presidencial, e como as coisas se desenrolaram depois que Mitt Romney perdeu.

Durante a campanha, Romney acusou o presidente Obama de favorecer a redistribuição de renda dos ricos para os pobres, e a verdade é que a reeleição de Obama representou um movimento significativo nessa direção. Os impostos sobre o 1% mais rico cresceram substancialmente em 2013, tanto porque alguns dos cortes de impostos de Bush caducaram quanto porque novos impostos associados ao Obamacare começaram a valer. E o próprio Obamacare, que fornece muita ajuda a famílias de baixa renda, entrou em pleno vigor no início de 2014.

Os conservadores foram muito claros sobre o que aconteceria como resultado. Aumentar os impostos para os "geradores de emprego", insistiam, destruiria os incentivos. E eles estavam absolutamente certos de que o Affordable Care Act seria um "matador de empregos".

Então o que realmente aconteceu? Como no mês passado, a taxa de desemprego dos Estados Unidos, que era 7,8% quando Obama assumiu, caiu para 5,1%. Oficialmente, Romney prometeu, durante a campanha, que iria baixar o desemprego para 6% até o fim de 2016. Também oficialmente, a taxa atual de desemprego é mais baixa do que jamais foi sob o comando de Ronald Reagan. E a razão principal pela qual o desemprego caiu tanto é o crescimento de empregos no setor privado, que adicionou mais de 7 milhões de trabalhadores desde o final de 2012.

Não estou dizendo que tudo está ótimo na economia americana, porque não está. Há boas razões para acreditar que estamos ainda a uma distância substancial do pleno emprego e, enquanto o número de vagas cresceu muito, o mesmo não aconteceu com os salários. A economia, no entanto, teve desempenho muito melhor do que teria sido possível se a ortodoxia conservadora fosse, de alguma forma, verdadeira. E, agora, Trump está sendo acusado de heresia por não aceitar esta ortodoxia falida.

Então, estou dizendo que Trump é melhor e mais sério do que se acredita? De modo algum - ele é exatamente o egocêntrico ignorante que parece ser. Quando se trata dos rivais é que as aparências podem enganar. Alguns deles parecem razoáveis e cuidadosos, mas na realidade não são.

Bush, em particular, pode posar como um tipo razoável e cuidadoso -repórteres crédulos o descrevem mesmo como um especialista em políticas públicas- mas sua real plataforma econômica, que está no mágico corte de impostos para dobrar a taxa de crescimento do país, é puramente um vudú "supply-side" (diminuição de impostos para incentivar investimento).

E aqui está o que é interessante: ao que tudo indica, os ataques de Bush a Trump não foram bem sucedidos, pois a base republicana não compartilha os delírios econômicos do estabilishment republicano.
A questão é que nós não sabíamos realmente disso até Trump chegar. A influência dos doadores de grandes quantias significava que ninguém poderia flertar seriamente com uma nomeação no partido republicano sem prometer fidelidade à doutrina do "supply-side", e isso permitiu ao establishment imaginar que os eleitores comuns partilhassem seu credo antipopulista. Na verdade, a tentativa infeliz de Bush de derrubar o adversário sugere que sua equipe política ainda não entendeu nada e pensa que apontar as heresias de Donald será suficiente para condenar sua campanha.

Mas Trump, que é autofinanciado, não precisa de genuflexório para as grandes quantias, e acontece que a base não se importa com suas heresias. É uma revelação real, que pode ter um impacto duradouro sobre a nossa política.

De novo, não estou defendendo Trump. Há muitos outros políticos que também se recusam a comprar o disparate econômico da direita, mas que o fazem sem propor vasculhar o campo em busca de imigrantes para deportar, ou rasgar nossos acordos econômicos internacionais e iniciar uma guerra comercial. A questão, porém, é que nenhum desses políticos razoáveis está buscando a nomeação presidencial republicana.

Tradução de Maria Paula Autran


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