Folha de S. Paulo


Efeitos de uma forte desaceleração chinesa no Brasil são superestimados

Apontada como a locomotiva do crescimento brasileiro nos últimos anos, a China abalou os mercados em todo o mundo na semana passada, levantando dúvidas sobre o estado de sua economia.

Com uma recessão interna, notícias de uma desaceleração mais profunda no principal parceiro comercial do Brasil abalam ainda mais a já combalida economia do país.

Mas, segundo especialistas, a dependência do Brasil em relação à China não é tão grande como parece.

PARCEIRO DE COMÉRCIO - Em US$ bilhões

A relação mais evidente entre os países é no comércio. A China absorve 20% das exportações brasileiras e, portanto, tem peso relevante no balanço de pagamentos.

O impacto das importações chinesas no nível de atividade econômica, no entanto, é mais limitado, pois todas as exportações do país representam apenas 11% do PIB.

"É claro que o efeito não é desprezível, porque a China ajudou a economia global em 2008 e 2009 a se recuperar. Mas temos a impressão de que o impacto direto no Brasil é avassalador. Não é bem assim", afirma Fabiana D'Atri, diretora de Economia do Conselho Empresarial Brasil-China e economista do Bradesco.

Mesmo entre as exportações, é preciso separar os produtos que estão sendo afetados pela nova realidade na China e os que são —e ainda serão— beneficiados pelo novo modelo de crescimento.

Os dois principais itens da pauta exportadora —soja e minério de ferro— vivem realidades opostas: enquanto as vendas do grão ao país crescem em quantidade, os embarques de minério caem.

É um espelho do que acontece na economia chinesa. "O consumo vai bem, mas as exportações estão ruins e os investimentos do setor privado vão mal", afirma Hsia Hua Sheng, professor da Fundação Getulio Vargas.

A retração nos investimentos afeta o setor imobiliário e a indústria de aço na China, reduzindo a demanda e os preços do minério de ferro.

"Nesse mercado, o efeito da desaceleração é relevante, mas ele já vem acontecendo há pelo menos dois anos. A frustração em relação ao que está por vir tem um impacto marginal perto do que já aconteceu", diz D'Atri.

Outros itens relevantes da pauta, como papel e celulose e açúcar, continuarão sendo estimulados pelo aumento na renda dos chineses. O petróleo também não foi afetado pela desaceleração —os embarques à China mais que dobraram até julho, em volume.

Os preços de quase todas as commodities, no entanto, aceleraram o movimento de queda com o nervosismo dos mercados provocado pela China. Mas elas também enfrentam um quadro de excesso de oferta global. Excluindo o minério, o excesso não pode ser atribuído à China.

Além disso, a expectativa de aumento dos juros nos EUA provoca mudanças na alocação de recursos financeiros, com a saída de investidores das commodities.

PROMESSAS

Se o impacto da desaceleração chinesa na balança não é nebuloso, a análise não é tão clara para os efeitos dela nos investimentos chineses fora de seu território.

Há uma grande expectativa em relação aos recursos que os chineses podem direcionar a projetos de infraestrutura. Em maio, durante visita do primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, ao Brasil, foram assinados 35 acordos bilaterais que preveem investimentos de US$ 53 bilhões.

Investimento estrangeiro direto da China no Brasil* - Em US$ milhões

Agora, há o temor de que problemas de liquidez possam comprometer os planos.

"Essas incertezas talvez adiem a promessa de que a China seria um grande parceiro do ponto de vista de investimentos", diz Marcos Troyjo, diretor do centro de estudos sobre mercados emergentes na Universidade Columbia (EUA) e colunista da Folha.

"Dependendo da situação, pode valer aquela lógica: quando a farinha é pouca, o meu pirão primeiro." Para ele, dúvidas sobre o crescimento chinês podem aumentar o pessimismo dos agentes econômicos no Brasil.

Até agora, porém, a China não tem posição de destaque no fluxo de investimento estrangeiro direto no país. Incluindo Hong Kong, sua participação nos ingressos totais foi de 2,3% em 2014, segundo dados do Banco Central. Economistas lembram, porém, que parte dos recursos chineses vem de paraísos fiscais.

Para Sheng, da FGV, a China tem um projeto de infraestrutura global, que não será afetado por turbulências de curto prazo. "A infraestrutura da China continua em expansão e ela está ligada também com o exterior", diz o economista, citando o projeto da ferrovia Bioceânica.

"O Brasil e outros países da América Latina estão dentro dos planos da China, tanto que eles não tiraram o pé." Na semana passada, a chinesa CTG comprou duas usinas da Triunfo por R$ 1,75 bilhão.

Para o presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Luiz Augusto de Castro Neves, o Brasil deve se adequar ao novo perfil da economia chinesa, com maior peso de serviços.

Neves, embaixador na China de 2004 a 2008, vê oportunidades de instalação de empresas brasileiras no país e de exportações de alimentos com maior valor agregado.


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