Folha de S. Paulo


Em 'Devagar e Simples', Lara Resende esmiúça PIB e gigantismo estatal

Paula Paiva/Valor
O economista André Lara Resende, um dos formuladores dos planos Cruzado e Real e ex-presidente do BNDES
O economista André Lara Resende, um dos formuladores dos planos Cruzado e Real e ex-presidente do BNDES

"Devagar e Simples - Economia, Estado e Vida Contemporânea", do economista André Lara Resende, chega em boa hora no péssimo momento que o Brasil atravessa.

Examinado no contexto atual, de tentativa de recriação da CPMF para financiar o Estado e de queda de 1,9% do PIB no segundo trimestre, os ensaios e os artigos do autor ajudam a colocar as coisas em perspectiva. E a pensar no médio e longo prazos, para a frente e um pouco para trás.

Formado em economia pela PUC-RJ e doutor pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology), Lara Resende tem grande experiência nos setores privado, como banqueiro, e público.

Ao lado de economistas destacados de sua geração, foi um dos arquitetos dos planos Cruzado (1986) e Real (1994). No governo FHC, chegou à presidência do BNDES, de onde saiu no escândalo do grampo das privatizações.

Devagar e simples é uma compilação de 13 artigos escritos em momentos diferentes. Os dois primeiros se encaixam perfeitamente em nosso drama atual de economia em forte recessão. Outros mais à frente, na discussão premente sobre a necessidade de um ajuste fiscal profundo, do tamanho do Estado e de suas funções.

Lara Resende começa com uma arqueologia do PIB. Conta como ao final da Grande Depressão, no início dos anos 1930, o presidente Franklin Roosevelt encarregou Simon Kuznets, depois vencedor do Nobel, de criar indicadores confiáveis para medir o pulso da economia. Foi a origem do sistema de Contas Nacionais, usado até hoje pela maioria dos países e que tem o PIB como principal índice.

O autor fornece a detalhada explicação daquilo em que consiste afinal o PIB, de como sua medição vem sendo aperfeiçoada ao longo dos anos e como se dá com abstrações, de seus defeitos e virtudes.

Símbolo de sucesso ou insucesso, utilizado para comparar países (...) motivo de orgulho ou vergonha nacional, o PIB transformou-se em entidade ubíqua (onipresente.)

Mais à frente, lembrando a trajetória de países desenvolvidos, tenta desmistificar a necessidade de altas taxas de crescimento contínuas. Não são surtos milagrosos, mas a força da estabilidade, associada ao poder das taxas compostas, que leva à alta da renda e ao desenvolvimento.

Fato que nos obriga a olhar para a ciclotimia brasileira. Sob Lula, crescemos 4% em média. Com Dilma, caímos a 2,1%. Agora, mergulhamos em forte recessão.

Mas, mesmo com o crescimento menor de Dilma 1, indicadores mostram que o processo de melhora na distribuição da renda (apoiado em mais de uma década de crescimento razoável) continuou virtuoso até o final de 2013. No período, a renda média cresceu 58%, favorecendo sobretudo os mais pobres.

REALIDADE BRASILEIRA

Em outro artigo, mais para o final do livro, Lara Resende faz três interpretações distintas da realidade brasileira: 1) a dos que se sentem aprisionados pela agenda econômica norte-americana do chamado Consenso de Washington; 2) a dos neodesenvolvimentistas, que acabaram mal no governo Dilma 1 e; 3) a do que chama de reformismo modernizador.

Nesta última, o autor trata de nosso grande drama de fundo desde sempre, e sobretudo agora: a necessidade de uma reforma fiscal com as vertentes tributária, previdenciária e trabalhista.

Mais à frente, complementa o rol de mudanças com indagações sobre a eficiência dos Estados (lembrando que o brasileiro já se apropria de 40% da renda). O gigantismo desvia sua atenção para si mesmo (...) Passa a se preocupar primordialmente consigo mesmo e com a defesa de seus próprios interesses.

Além dos artigos econômicos, o livro surpreende com a aparição de temas existenciais, filosóficos e psicanalíticos, como no ensaio Em busca do heroísmo genuíno.

Com profundidade e erudição, o autor traz o corolário de filósofos e pensadores sobre o sentido da existência com ou sem Deus. Busca que, em nossa modernidade, quase sempre desemboca na filosofia do absurdo de Albert Camus (1913-1960). Lara Resende sugere suportar e aceitar as contradições e contingência humanas. E preservar a capacidade de se deslumbrar e não temer o desconhecido.

DEVAGAR E SIMPLES
AUTOR André Lara Resende
EDITORA Companhia das Letras (216 págs.)
QUANTO R$ 44,90 /eBook R$ 30,90
Avaliação ótimo


Endereço da página: