Folha de S. Paulo


17 pontos para entender o desabamento das Bolsas na China

Wu Wei/Xinhua
(150709) -- BEIJING, julio 9, 2015 (Xinhua) -- Un hombre camina frente a una escultura de un toro en un distrito de negocios en Beijing, capital de China, el 9 de julio de 2015. Las bolsas chinas cerraron el jueves al alza con el Indice Compuesto de la Bolsa de Shanghai, el de referencia, ascendiendo un 5.76 por ciento respecto al día anterior de transacciones para situarse en 3,709.33 enteros, mientras que el Indice Compuesto de la Bolsa de Shenzhen subió un 4.25 por ciento, quedándose en 11,510.34 enteros. (Xinhua/Wu Wei) (rtg)
Um homem caminha em um distrito de negócios, em Pequim, na China

Após uma queda de 11,5% na semana passada, a Bolsa de Xangai desabou 8,5%, na segunda-feira (24), apelidada de "segunda-feira negra", gerando pânico pelos mercados.

Na terça, o novo tombo foi de 7,6% antes que o governo reduzisse a taxa de juros e o compulsório —proporção de reservas que os bancos são obrigados a reter—, injetando dinheiro na economia. Nesta quarta, a Bolsa de Xangai teve quedas mais tênues, com recuo de 1,27%.

Leia abaixo 17 perguntas e respostas sobre o mercado acionário chinês:

1- O que está acontecendo com as Bolsas na China?

Desde julho, o mercado de ações chinês, que vinha subindo fortemente, passou a registrar quedas bruscas. O índice da principal Bolsa da China, a de Xangai, já caiu mais de 40% desde o pico, em junho deste ano. Só nesta semana, a queda ultrapassa 15%

Variação da Bolsa de Xangai em 2015 - Em pontos

2- O que levou à queda nessa semana?

Não se sabe exatamente, mas a queda de 11,5% na Bolsa de Xangai na semana anterior já gerava fortes expectativas sobre a tomada de ações por parte do Banco Central chinês quando foi divulgada na sexta a pesquisa Índice de Gerentes de Compras (PMI, na sigla em inglês) preliminar do Caixin/Markit.

Ela apontava que a atividade no setor industrial chinês recuou em agosto para 47,1 pontos afetado pela fraqueza na demanda doméstica e por exportações.

Foi o sexto mês consecutivo em que o indicador ficou abaixo dos 50 pontos, que separa crescimento da atividade e contração. A divulgação do índice elevou as preocupações sobre a atividade chinesa.

Investidores esperavam que o governo, que vinha impedindo vendas e estimulando compras de ações, tomasse no final de semana alguma nova medida para segurar o preço dos papéis, o que não ocorreu. No início da semana houve uma corrida de investidores para vender e o aumento de oferta derrubou os preços.

Como consequência também houve nova baixa nos preços de minérios e metais —a China é o maior mercado global para esses produtos.

PMI preliminar sobre atividade industrial - Pontuações abaixo de 50 indicam contração

3- O preço das ações pode cair mais?

Sim, é possível. Analistas acreditam que haja uma bolha no mercado de ações chinês, ou seja, os preços estão muito acima do que seria esperado. Os índices de ações chineses começaram a subir em julho de 2014 e a alta se acelerou a partir de março deste ano. No intervalo de um ano, a Bolsa de Xangai teve ganhos de 155%, e a de Shenzhen, de 192% antes do início das quedas.

4- Como os preços dos papéis chineses subiram tanto?

A China passou antes por um período de supervalorização dos imóveis. Quando esses preços começaram a cair, investidores migraram massivamente para o mercado de ações, e a grande procura elevou o valor dos papeis. A rentabilidade atraiu mais compradores, muitos deles "alavancados" (contraíram dívidas para poder investir na Bolsa).

O governo e as autoridades regulatórias permitiram uma explosão nos empréstimos feitos por investidores para comprar ações, e as autoridades encorajaram muitas empresas a fazer lançamentos iniciais de ações, o que inflou o mercado.

5- A crise na Bolsa chinesa afeta a economia daquele país?

O impacto na economia real deve ser negativo, mas limitado. Acionistas podem perder poder de consumo, mas há cerca de 80 a 90 milhões de pequenos acionistas, pouco mais de 0,5% da população, e o consumo responde por 36% do PIB [nos Estados Unidos é o dobro].

A segunda consequência é sobre fontes de financiamento na economia chinesa. O governo tentava fortalecer a cultura acionária para que a Bolsa se tornasse uma fonte segura de financiamento para empresas, o que ficará prejudicado com os recentes tombos.

Mo Yu/Xinhua
(141015) -- CANGZHOU, octubre 15, 2014 (Xinhua) -- Un consumidor selecciona frutas en un supermercado, en Cangzhou, de la provincia de Hebei, en el norte de China, el 14 de octubre de 2014. El crecimiento de la inflación al consumidor en China ralentizó un 1.6 por ciento en comparación de la espectativa de mercado en septiembre, la más baja desde enero de 2010, según un informe publicado en la página oficial de la Oficina Nacional de Estadística. (Xinhua/Mo Yu) (rhj) (rt)
Cliente escolhe frutas em supermercado na China

6- Por que a economia da China cresce mais devagar?

Porque o país esgotou o período de crescimento acelerado baseado na urbanização, no investimento público em infraestrutura e na exportação e está tendo que implantar reformas para se adaptar a uma nova realidade de crescimento da classe média e do consumo interno

O país enfrenta alta de custos domésticos (salários que saem do nível miserável), agravada pela alta relativa da moeda local, em especial quando comparada ao euro e ao iene.

A expectativa oficial é de alta de 7% para 2015. Ainda é um índice alto, principalmente quando comparado com o Brasil, onde economistas esperam contração de 2,06% neste ano, mas representa uma queda de patamar —a alta de 7,4% em 2014 já havia sido a menor desde 1989.

O dragão chinês continua a rugir, mas agora como um tigre, com crescimento trimestral ao redor de 7% e dúvidas de analistas sobre se o patamar será mantido até o final do ano.

PIB trimestral chinês - Em (%)

7 - Quanto pode se reduzir o crescimento econômico da China?

Alguns economistas estimam que o crescimento chinês pode cair para 3% ao ano. Para outros —a maioria—, ela deve se estabilizar com crescimento entre 6% e 6,5% ao ano.

Ainda assim, deve haver impacto nos preços das commodities, porque o crescimento será baseado no setor de serviços, que não consome recursos naturais como os que o Brasil exporta e responde por 48% do PIB, enquanto indústria e construção juntos são cerca de 43%

8- Mas o governo chinês não controla a economia?

O governo chinês tem forte influência sobre a economia, mas há cada vez mais sinais de que sua capacidade para conter sobressaltos é limitada.

Recentemente, a resposta, vista por muitos como inadequada, do governo chinês à explosão na cidade portuária de Tianjin que matou mais de 100 pessoas serviu como elemento adicional aos questionamentos sobre seu poder de ação.

Na avaliação da analista Anne Stephenson-Yang, da consultoria JCapital, "uma dimensão mal compreendida sobre a China é que o governo central na realidade tem ferramentas bastante limitadas de governança, sendo as duas principais o emprego de capital na economia e, na sociedade, o uso de força repressora".

Ela espera várias reduções na taxa de reserva e de juros, mas no momento imediato, um afastamento do mercado acionário.

Kenneth Rogoff, professor de economia da universidade de Harvard e estudioso de crises no decorrer dos séculos, a crise ainda piora antes de melhorar, mas "se você tivesse que apostar, você ainda apostaria que eles [China] vão conseguir sair dessa".

9- Como a crise da China afeta o Brasil?

A China é grande compradora de commodities (minério, ferro, soja, por exemplo). Com o temor de que sua economia se desacelere mais rapidamente que o esperado, tanto a demanda quanto o preço desses produtos cai.

O Brasil depende muito da exportação de commodities e, principalmente agora, como está em crise, tem dificuldades de responder com medidas de política macroeconômica (queda de juros, gasto de governo, por exemplo).

Segundo o ministro Armando Monteiro Neto (Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) o país já perdeu US$ 12 bilhões neste ano em receitas de exportação com a queda dos preços das commodities. De acordo com o governo, os prejuízos tendem a se acentuar se as turbulências na China se agravarem.

Por outro lado, a China vem desacelerando há vários meses e boa parte do impacto no mercado de commodities já vinha sendo sentido, independentemente do sobressalto atual nas Bolsas.

Cotação do minério de ferro - Em US$

10- Os sobressaltos na China podem aprofundar a crise econômica brasileira?

Apesar das perdas nas exportações de commodities, a economia brasileira é relativamente fechada, o que minimiza o impacto dessa queda sobre o PIB. O possível adiamento da taxa de juros americana também pode amortecer o impacto da crise, porque adiará também a retirada do Brasil de investimentos estrangeiros.

Governo e analistas, porém, consideram que ainda é cedo para calcular o tamanho da crise chinesa e de seu impacto.

11- Por que a China desvalorizou sua moeda em meados de agosto?

Ainda não há clareza. Um dos efeitos de desvalorizar a moeda é tornar seus produtos mais baratos em dólar e, assim, elevar exportações e ganhar mercado internacional.

Outro motivo pode ser a tentativa de migrar para um regime de câmbio mais flexível e sujeito às taxas do mercado, que permita ao yuan ser integrado à cesta dos Direitos Especiais de Saque (SDR, na sigla em inglês), a "moeda" internacional do FMI, composta atualmente do dólar americano, do euro, da libra esterlina e do iene. O FMI decidirá sobre a inclusão do yuan na cesta em novembro.

Um terceiro motivo pode ter sido a tentativa de se defender da possível alta dos juros nos EUA, o que apreciaria o dólar —e, por consequência, o yuan.

12- O yuan ainda sofrerá novas desvalorizações?

Em 11 de agosto, o governo chinês desvalorizou em 2% a taxa de referência —uma diretriz diária para a variação da moeda—, o que significou uma desvalorização de 1,81% do yuan.

Foi a maior depreciação da moeda desde o fim do câmbio fixo, em 2005. Para ter uma ideia, a maior desvalorização diária imposta pelo Banco Central do país naquele ano havia sido, até então, de 0,16%. Os dois dias seguintes também tiveram novas baixas.

Apesar de o governo chinês classificar a desvalorização como pontual, há suspeita por parte do mercado de que o yuan esteja sobrevalorizado.

Dessa forma, a economia do país se beneficiaria de mais desvalorizações, o que tornaria seus produtos mais baratos para o resto do mundo e, consequentemente, a aumentaria as exportações em meio a um comércio mundial que cresce muito pouco desde 2008.

AFP
Workers assemble electric cars in a factory in Zouping, east China's Shandong province on September 16, 2014.China's outbound investment more than doubled in August to 12.62 billion USD, data showed, far outstripping foreign direct investment (FDI) into the country, which fell to a four-year low. CHINA OUT AFP PHOTO ORG XMIT: WH5767
Fábrica de carros elétricos em Zouping, leste da China

13- Qual o impacto da desvalorização?

No curto prazo, pode provocar também mais fugas de capital da China (ninguém quer ficar com um dinheiro que perde valor) e "secar" o dinheiro no país, enxugando crédito e provocando mais pânicos como o que vem atingido a Bolsa

14- O governo chinês pode evitar esse impacto no crédito?

Em resposta ao desabamento dos preços das ações, o governo chinês anunciou o corte de 0,25 ponto percentual nas taxas de juros, além de 0,5 ponto percentual no compulsório. Dessa forma, o montante que os bancos são obrigados a reter caiu para 18%, o que impulsiona o crédito.

Segundo o jornal americano "Wall Street Journal", que adiantou na segunda o movimento do governo chinês, essa queda potencialmente disponibiliza 678 bilhões de yuans (US$ 106,2 bilhões) para os bancos emprestarem.

As mudanças ocorreram depois do fechamento do pregão chinês, por isso não influenciaram a Bolsa de Xangai, que fechou em queda de 7,63% nesta terça. As Bolsas europeias responderam, no entanto, com fortes altas.

15- Como a desvalorização do yuan afeta o mundo?

Com o yuan relativamente mais fraco, a China perde capacidade de importar e isso derruba mais o preço das commodities, o que afeta moedas e exportações de países que vendem muito para o país asiático (como o Brasil).

Esse dominó de desvalorizações de moedas continuaria a derrubar preços importantes no comércio mundial, elevando riscos ou temores de inflação baixa demais nos Estados Unidos e Europa, o que pode afetar a rentabilidade das empresas de lá.

16- Como EUA e Europa podem evitar danos?

Analistas acreditam que os EUA serão obrigados a adiar a alta de juros, prevista para o próximo mês, para evitar mais fuga do mercado de ações americano —o que afeta as empresas.

A Europa já anunciou que continuará com sua política de estímulos e juros baixos.

17- É possível comparar a crise da Bolsa chinesa à crise global desencadeada pela quebra do banco Lehman Brothers, em 2008?

Analistas acreditam que não. Na crise de 2008-2009, uma enorme parcela da economia global tinha se endividado em excesso, a partir das bolhas imobiliária e de crédito, e houve uma crise de todo o setor financeiro. Embora a crise chinesa afete a economia de outros países, não há, por enquanto, contaminação no sistema financeiro.


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