Folha de S. Paulo


Cinemas de rua usam atendimento diferenciado para enfrentar as redes

A valorização do aspecto histórico e um cuidado quase artesanal no atendimento e na programação. Esses são os segredos de sobrevivência e faturamento dos cada vez mais raros cinemas de rua, em um mercado dominado pelos complexos multiplex dos shoppings centers.

Das 282 salas existentes em São Paulo, apenas 19 não estão dentro de centros de compras. E apenas uma, a Cinesala, em Pinheiros, não é controlada por uma rede e não tem uma empresa ou órgão público como mantenedor.

Em vez disso, tem hoje quatro sócios, entre eles, o ex-jogador de futebol Raí, 52.

Moacyr Lopes Junior/Folhapress
Raí, Adhemar, Paulo Velasco e Rodrigo Makray (dir.) no Cinesala, em Pinheiros
Raí, Adhemar, Paulo Velasco e Rodrigo Makray (dir.) no Cinesala, em Pinheiros

A reforma da sala, inaugurada em 1962, nasceu de um projeto de Raí e de seu sócio Paulo Velasco, 36, para fazer curadoria de espaços históricos da capital.

"Como gostamos de cinema, pensamos nesse espaço, que precisava de uma revitalização", conta Velasco.

A dupla convidou Rodrigo Makray, 36, para participar do projeto. Na sequência, Adhemar Oliveira, 59, um veterano do mercado de exibição, veio trazer a expertise necessária para o negócio.

"Queremos ser uma antirrede", explica Raí. "Nosso trabalho é artesanal, com cuidados que vão da preservação da arquitetura original à programação", diz.

Em dez meses de operação, a Cinesala atingiu a expectativa de faturamento dos sócios e superou a de atração do público. "A população do bairro nos abraçou. Muitas pessoas vêm aqui só para tomar café e aproveitar o espaço", conta Velasco.

"As pessoas querem cada vez mais ocupar as ruas. Eu moro em Perdizes e não há por lá um cinema na rua. Eu adoraria frequentar um espaço assim no meu bairro, chegar a pé", diz Raí.

Apesar de destacarem o caráter cultural e o lado passional que o trabalho com cinema proporciona, a expectativa é que o Cinesala seja, sim, um negócio lucrativo.

"Cobramos um preço justo por ingresso e produtos alimentícios, mas não abrimos mão de gerir o empreendimento para que ele lucre", diz Velasco. A entrada inteira custa R$ 20, contra R$ 30 do cinema de um shopping no mesmo bairro.

EQUILÍBRIO

Marta Fagundes, 55, entende bem o equilíbrio entre paixão e retorno financeiro em um cinema.

Há 40 anos, ela gerencia o Cine Drive-in, em Brasília, que é raro por dois motivos: além de ser um cinema de rua, é o único drive-in do país ainda em operação.

Renato Costa/Folhapress
Dentro dos carros, público vê sessão do Cine Drive-in, em Brasília, o único que restou
Dentro dos carros, público vê sessão do Cine Drive-in, em Brasília, o único que restou

"Os outros drive-ins não são para se assistir a filmes", diz, entre risos.

O cinema de Marta tem uma origem curiosa. Um dos seus idealizadores, em 1972,foi João Figueiredo Filho, cujo pai foi o último presidente da ditadura, entre 1979 e 1985.

"Meu pai, Jair Fagundes, era coronel do Exército, e o general Figueiredo [morto em 1999] perguntou se ele conhecia alguém para gerenciar o cinema", conta Marta.

A então estudante de nutrição de 18 anos relutou, mas cumpriu a ordem. Uma década e meia mais tarde, já apaixonada pelo drive-in, vendeu o próprio carro para evitar que o cinema fechasse.

"A pior época foi entre 1998 e 2000. Competir com os cinemas de shopping é complicado, mas a gente oferece uma experiência, uma alma que essas salas não têm", diz a empresária.

Esse diferencial é o que orienta o Cine Marabá, localizado na avenida Ipiranga, centro de São Paulo. O comando é da rede Playarte, que administra outras nove salas, todas em shoppings. Mas o cuidado com o local é de filho único.

A reforma foi um projeto pessoal de Elda Coltro, presidente do grupo. O cinema, que tem 2.600 m², reabriu em 2009 totalmente restaurado, mas preservando a arquitetura tombada de 1945.

"Aqui, o serviço é mais atencioso. Não que a gente não seja nos shoppings, mas lá o ritmo é mais frenético. A gente sabe que, na maior parte das vezes, quem vem ao Marabá não quer só ver um filme, quer participar de uma história", diz o gerente de operações da rede, Carlos Senhorini, 64.


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