Folha de S. Paulo


Repórter passa 24h no melhor aeroporto do Brasil para ver mudanças

São 7h15 e 11 carrinhos de bagagem deixados por passageiros atravancam o acesso ao embarque do Aeroporto Internacional de Brasília.

Sinvaldo Lima, 29, se esquiva de duas malas e anda rápido em direção a um deles. Em seu treinamento, aprendeu que a meta é não deixar 15 carrinhos estacionados e ele sabe o porquê:

"Se eu não tirar, o aeroporto para", diz o brasiliense, um dos 12 mil trabalhadores ligados à operação que, em menos de três anos de concessão, levou o aeroporto da capital federal ao segundo lugar em movimento de passageiros no país e o melhor avaliado entre os grandes.

INFRAESTRUTURA
Plano de investimento interrompe marasmo

A nota de qualidade atribuída pelos usuários subiu 20% após a unidade sair da gestão da estatal Infraero para a administração do grupo Argentino CA (Corporación América), que opera 54 aeroportos no mundo. O tempo de espera no check-in caiu de 21 minutos para 9. No pico, opera-se um avião por minuto.

A Folha passou 24 horas dentro na unidade, na segunda semana de julho, para entender a transformação.

Administrar aeroportos requer o cumprimento de milhares de exigências, como manter uma sala para negociador de sequestro, com sofá retrátil, e um busto de Santos Dumont no saguão.

O cumprimento delas não pode ser desculpa para não receber bem os usuários —de um grupo de 50 torcedores do Vasco apoiando o time à empresária Bruna Borges, 27, que, com um cartaz de agradecimento, passou a semana indo ao saguão receber convidados de seu casamento.

Também não pode evitar que a missionária Isaura Lopes, 81, chegue toda noite carregando uma malinha azul e por lá faça suas orações, repouse num carrinho duas Bíblias —abertas nos livros de Daniel e Isaias— e deite-se para dormir.

"Nem fiscal mexe nela", conta Evandro Araújo, 28, responsável pela limpeza da área na madrugada.

Cordialidade e rapidez têm que ser precedidas pela segurança. Hankken Cardoso, 22, fiscal de pista que até 2013 nunca tinha entrado em uma, teve que decorar mais de 200 páginas de normas de uso do pátio de aviões. "Tem que ter um pouco de querosene na veia para trabalhar aqui", disse o jovem que, até o ano passado, tinha outro desafio.

Hankken era um dos 4 mil trabalhadores com a tarefa de erguer dois galpões de 21 metros de altura (o equivalente a um prédio de sete andares) e 65 mil m2 de área (nove campos de futebol) para abrigar novos terminais de passageiros. Tudo em 18 meses.

O terminal anterior operava com 50% mais passageiros do que a capacidade oficial, o que resultava em fila, banheiro sujo e briga até por garrafas d'água.

Com a experiência em obras nos seus aeroportos, a CA apresentou projeto muito diferente do previsto, idealizando construção mais estreita e alongada para deixar os aviões mais próximos, trazendo ao país o conceito usado para aeroportos de conexão.

O governo desconfiava que a empresa não cumpriria o cronograma, o que faria com que a obra não estivesse pronta para a Copa do Mundo de 2014, como previsto. Tensas reuniões marcaram a análise do projeto até sua aprovação.

GOTEIRA

Em março de 2014, a menos de dois meses da inauguração prevista, o secretário-executivo da Secretaria de Aviação Civil, Guilherme Ramalho, durante uma vistoria em dia de chuva, encontrou goteiras no terminal, o que o levou a perguntar se os novos administradores do aeroporto "tinham certeza" que a obra ficaria pronta a tempo.

"Garanti que tínhamos. Mas eu mesmo não acreditava. Só engenheiros acreditavam", conta Denis Franca, Diretor Jurídico da Inframérica, empresa criada no país para gerenciar o aeroporto. "A gente nem dormia".
A obra ficou pronta antes do previsto com uma qualidade que fez o então ministro da Aviação Civil, Moreira Franco, dizer na inauguração que "nem parece o Brasil", o que lhe garantiu uma reprimenda da presidente Dilma.

Mas a bronca não era o maior problema. Enquanto Dilma discursava, nova operação de guerra começava para um desafio ainda maior que a obra: fazer a unidade funcionar sem paralisá-la.

O aeroporto passou de 11 para 29 pontes de embarque. Mas os passageiros estavam com bilhetes marcados nos portões antigos. Todos os funcionários foram para o saguão orientar os usuários, inclusive o então presidente da empresa, Alysson Paulinelli.

"Mas só perdeu o avião quem parava para fazer fotos", brinca Carlos Diaz, superintendente de operações.

Diaz, um argentino que já trabalhou em aeroportos de cinco países, conta que só foi possível fazer e operar o novo aeroporto pela experiência e uma característica trazidas pela nova companhia: "É preciso que 'se puso la camiseta'", conta ele pedindo ajuda para traduzir a frase para a expressão brasileira "vestir a camisa".

Ao ser questionado sobre as maiores defasagens dos aeroportos brasileiros em relação ao seus pares no exterior, Diaz silencia, pensa e usa a cautela: "Se falar, posso machucar alguém".

PROCURA

Para Josmário Alves, 34, é mais fácil dizer. Seu primeiro emprego foi na Infraero, a ex-controladora do aeroporto de Brasília, e que atualmente tem 49% das ações da empresa que comanda as operações na capital federal. Ele relembra que, até 2012, uma empresa aérea tinha que pedir para operar um voo no aeroporto e esperar 10 dias pela autorização.

"Agora, a gente é que tem que ir atrás deles propondo novos voos", conta Josmário, hoje gerente de operações.

O novo aeroporto abriu a possibilidade de conectar Brasília a 44 cidades do país e oito no exterior, sendo o maior conector doméstico do país. Mas a capital do Brasil tem dificuldade para se ligar a ele. Elizabete Aragão, 33, trabalha na cafeteria da unidade até 23h. Quando perde o ônibus das 23h15, o último passa meia-noite. E só.

"Tenho que chegar à rodoviária até 1h da manhã. Se não chego, o último ônibus para casa vai embora. Já tive que dormir na rua", conta.

No aeroporto imaginado pelo novo presidente da empresa, o argentino José Luiz Menghini, o problema de Elizabete tende a ser menor.

A ideia é transformá-lo numa nova cidade na capital federal, com um complexo de serviços que vai da hotelaria ao shopping. É a forma de viabiliza-lo diante do pesado encargo assumido: pagar R$ 200 milhões/ano de aluguel e fazer obras de mais de R$ 3 bilhões em 25 anos.

"Cidades se formaram ao redor do porto até o século 15 e das estações de ferrovia no século 19. No século 21 será ao redor do aeroporto e estamos nos preparando para 'esso'", disse Menghini.

Com sotaque portenho, o Brasil entra nessa nova era.

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