Folha de S. Paulo


Grécia pode ter de vender ilhas e ruínas para cumprir acordo

Entre todos os aspectos do acordo de resgate que os gregos acharam humilhantes, nada atingiu tanto o orgulho nacional quanto a promessa de seu governo de vender "ativos gregos valiosos" até atingir a quantia de ¬ 50 bilhões. O acordo de sete páginas não fez qualquer menção sobre a natureza dos bens gregos a serem vendidos. Mas enquanto buscavam opções, funcionários em Atenas não viam nenhuma maneira de evitar o leilão de ilhas, reservas naturais ou mesmo ruínas antigas.

"É uma afronta", disse Georgios Daremas, estrategista e conselheiro do Ministério do Trabalho grego. "É basicamente dizer 'vendam a memória de seus antepassados, vendam a sua história apenas para que possamos obter algo comercial com isso'", afirmou à revista "Time". "Essa é uma ideia para humilhar os gregos."

A idéia de trancar ativos gregos em um fundo especial foi da Alemanha, principal nação credora envolvida nas negociações.

A fim de garantir o reembolso dos empréstimos à Grécia, o Ministério das Finanças alemão sugeriu até mesmo mover os títulos de ativos gregos para um "fundo externo", em Luxemburgo, de modo que Atenas não pudesse impedir a sua venda. Sobre este ponto, o primeiro-ministro grego Alexis Tsipras conseguiu vencer os alemães, em uma das poucas concessões que ele obteve durante as negociações.

"O acordo é duro, mas evitamos o envio dos bens do Estado ao exterior", disse Tsipras na tentativa de dar uma interpretação positiva sobre o resgate, com o qual a Grécia tomará mais de ¬ 80 bilhões em empréstimos adicionais, a fim de evitar a falência ao longo dos próximos três anos.

Editoria de Arte/Folhapress

Os pagamentos gregos dos dois resgates anteriores também deviam, em parte, vir da venda de bens do Estado. Nos termos do pacote de 2010, a Grécia concordou em privatizar cerca de ¬ 50 bilhões em bens e infraestrutura como forma de levantar dinheiro para seus credores. Mas apenas ¬ 3,2 bilhões vieram dessas vendas até agora. Assim, a Alemanha e outros credores têm boas razões para duvidar do compromisso grego com a privatização.

Conforme o acordo firmado, a Grécia terá de deixar seus ativos em um fundo especialmente criado e prepará-los para venda "sob a supervisão das instituições europeias relevantes". Perguntado sobre que tipos de ativos estariam incluídos no fundo, o presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, respondeu que "especialistas" seriam trazidos para resolver esta questão. "Eu não vou dar exemplos, pois não é minha especialidade", disse ele a repórteres em Bruxelas nesta segunda-feira (13).

A maioria dos exemplos teria de vir de terrenos e imóveis do governo, diz Daremas, o funcionário do governo em Atenas. "Isso pode incluir edifícios, possíveis áreas de terra e até mesmo ilhas", diz ele. Para proteger o valor natural, histórico e arqueológico de tais bens imóveis, a Grécia teria de aprovar leis e capacitar os órgãos de supervisão para se certificar de que 'o novo proprietário não abuse ou cause dano à propriedade'", afirma Daremas.

Já que em muitos casos ilhas e terrenos gregos abrigam ruínas de civilizações antigas, algumas delas também poderiam ter de ser vendidas.

Há, é claro, limites para a privatização de artefatos antigos. Os tesouros da antiguidade grega, como a Acrópole em Atenas, nunca seriam vendidos, diz Daremas. "Isso é impossível. O seu valor é imensurável. "

A ideia de vender a Acrópole surgiu no começo da crise da dívida grega. Em 2010, dois legisladores conservadores alemães causaram furor na Grécia ao sugerirem que ruínas antigas não devem estar fora dos limites para a privatização. "Aqueles em situação de insolvência têm de vender tudo o que têm para pagar os seus credores", disse na época Josef Schlarmann, membro do partido político da chanceler Angela Merkel. Desde a publicação dessas observações, o jornal Bild, tabloide mais popular da Alemanha, continua a irritar gregos perguntando por que a Acrópole não poderia ser vendida para pagar dívidas com a Alemanha.

"Isso é humor negro", diz Natalia Kosmidou, uma guia turística na Acrópole em Atenas. "Os alemães devem ter tomado muita cerveja". Embora os últimos cinco anos de turbulência econômica tenham forçado a Grécia a contar com doadores privados e fundações estrangeiras para ajudar a pagar pela manutenção da Acrópole, Kosmidou diz que "o Estado grego sempre possuirá estes monumentos, mesmo que se torne o pobre mais miserável, mesmo sem um tostão."

A Grécia tem se mostrado disposta a pelo menos discutir a venda de suas ilhas, já que muitas delas são desabitadas. Porém, precisará esperar uma recuperação no mercado imobiliário grego. "É muito importante esperar a mudança no clima econômico para vender a um preço justo", diz Daremas. A promessa grega de vender ativos estatais veio sem limite de tempo. Mas, em sua fome de garantias para o novo pacote de empréstimos à Grécia, os credores na Alemanha não gostarão de esperar muito mais tempo.


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