Folha de S. Paulo


Dilma mudou muito, e empresário tem que segurar ansiedade, diz Ometto

Para Rubens Ometto, presidente do conselho de administração da Cosan, um dos maiores grupos do país, a presidente Dilma Rousseff "mudou muito" e o empresariado precisa "segurar sua ansiedade".

O empresário, que no primeiro mandato de Dilma fez duras críticas à gestão da presidente, está agora mais otimista. "O governo está indo na direção certa", disse em entrevista à Folha em Nova York, onde participou de encontro com a presidente e do seminário de infraestrutura promovido pelo governo.

Ometto elogiou o lançamento da nova fase de concessões, mas disse que o grupo não tem interesse em aderir ao programa neste momento. "Em dois ou três anos, vou deixar a ALL Rumo bem organizada, operando direitinho. Meu grande medo é querer fazer um monte de coisa e não fazer nada."

Regis Filho/Valor
Rubens Ometto, presidente do conselho de administração da Cosan
Rubens Ometto, presidente do conselho de administração da Cosan

Segundo ele, apesar de estar bem posicionado, o grupo está sentindo o mau momento da economia, com queda no consumo de gás e etanol -a Cosan é dona da distribuidora Comgás e sócia da Shell na Raízen.

Ometto acredita que seus negócios "devem sofrer um pouquinho" até o primeiro semestre do ano que vem, mas que o ajuste é necessário. "O difícil é entrar no negócio de areia movediça, que você não sabe a profundidade. Estamos abaixando, para ter energia para pular."

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Folha - Como o sr. avalia a iniciativa da presidente de se aproximar dos EUA?

Rubens Ometto - É importante que o Brasil se alinhe a países como os EUA, não só a países mais pobres. É uma mudança de direcionamento dela muito grande. A presidente mudou muito. Na política econômica, no trabalho com Joaquim Levy, de se aproximar dos países mais ricos.

O que os EUA fizeram [espionar a presidente] não deveriam ter feito. Foi importante a reação dela, de manifestar a posição do Brasil. Mas quem fica chateado é namorado, o homem de negócios tem de ser racional, depois tem de conviver.

É impossível imaginar um país importante como o Brasil não conviver com um país como os EUA.

Mas o sr. acredita que a viagem pode trazer resultados práticos?

Acho que pode resultar em muita coisa prática, mas a gente precisa segurar um pouquinho a ansiedade. Nada é feito assim da noite para o dia.

Os EUA podem ajudar o Brasil em tecnologia, em energia. E o Brasil pode ajudar em matéria ambiental, de energia renovável, em alimentos. Não dá para imaginar o mundo se alimentando sem o Brasil.

O Brasil cada vez mais precisa de infraestrutura para escoar toda essa safra. E, nesse caso, a Cosan vai ajudar muito com os nossos investimentos na ALL, para diminuir o custo da logística do agronegócio brasileiro. Estamos reorganizando tudo, é paradigma que será quebrado, de o Brasil produzir barato no campo e perder todo o dinheiro na logística.

O governo Dilma já havia lançado um programa de concessões e não conseguiu executar. O sr. acredita que, desta vez, será mais bem-sucedido?

O nosso projeto vamos entregar. Às vezes somos convidados para participar de outros, mas iremos numa segunda etapa.

O programa tem algumas coisas que são sonhos e outras não. Aquele negócio da ligação com o Peru [torce o nariz]. O lado bom é o apetite enorme do chinês em colocar dinheiro em infraestrutura num país como Brasil. Agora, se é viável ou não...

Se não for viável, ao longo do tempo, você vai organizando e aproveitando para outras coisas. Sou um otimista por natureza.

Dilma sonha, é um sonho. Acho bacana sonhar. Eu sempre fui um sonhador. Você sonha e depois vai degrauzinho por degrauzinho e chegá lá.

A Cosan então não tem interesse em disputar projetos do programa de concessões?

Não temos interesse agora. Tenho de entregar a ALL na eficiência e na rentabilidade que a gente propôs. Não adianta querer abraçar o mundo.

Entre dois e três anos, vou deixar a ALL Rumo, que vai ser o novo nome da empresa, bem organizada, operando direitinho. Aí estaremos preparados para outros passos. Meu grande medo é querer fazer um monte de coisa e não fazer nada.

O foco agora é cuidar do que já temos, que não é pouca coisa. É a espinha dorsal do escoamento da safra brasileira. Terminando isso, estaremos prontos para investir e ajudar onde for possível.

O sr. acredita que o governo conseguirá atrair os investimentos estrangeiros necessários?

Acho que sim. O mundo todo precisa desse escoamento. Não fazem isso porque são bonzinhos, mas porque precisam da gente.

O clima político no Brasil, com as denúncias da Lava Jato, interfere na tentativa de atrair o investidor?

Sim, mas o mercado financeiro tem memória curta. O Brasil é muito mais forte que qualquer crise política e financeira.

Veja a história: os políticos vão, voltam, mudam, e o Brasil está lá firme, crescendo e se desenvolvendo.

E China e EUA têm de pensar no longo prazo. Hoje há excesso de dinheiro no mundo. Eles não têm também onde colocar dinheiro. Há taxa de juros negativa na Ásia. Então, o Brasil é uma ótima oportunidade para quem pensa em longo prazo.

E caso surja um estrangeiro querendo um parceiro local?

Não fecho as portas para nada. Já temos sócios estrangeiros na ALL. Sabemos que eles sempre querem ter um parceiro brasileiro, especialmente quando há com uma crise política e econômica como essa. Somos brasileiros, fazemos a diferença porque sabemos como proceder, lutamos pelo nossos direitos, politica e economicamente.

Eu, como brasileiro e cidadão, luto para defender minhas empresas no Executivo e no Legislativo. Estou no meu direito. Claro que você não pode fazer certas coisas que aconteceram por aí, mas eles [estrangeiros] precisam de alguém que more no Brasil, é diferente.

Você pega a nossa parceira com a Shell na Raízen. É um negócio que teve sucesso. A Shell tem talento e a gente é brasileiro. Na hora que você mistura esses dois genes A Shell comprou a BP e antes entrou em Libra [campo do pré-sal]. É um parceiro que está mostrando disposição de investir, não apenas discurso.

A Petrobras anunciou um corte profundo no plano de investimentos. Pode afeta os negócios do grupo?

Afeta um pouco, mas tinha que ser feito. O projeto inicial do pré-sal teve alguns erros. Essa vontade gigantesca da Petrobras de participar de tudo e controlar tudo é um erro.

É uma excelente companhia, com técnicos de primeira linha. Infelizmente teve esses problemas da Lava jato e congelamento de preço [da gasolina] e se enfraqueceu. É uma companhia fantástica, mas não consegue abraçar o mundo.

E nós, como brasileiros, queremos é que o óleo saia da terra. A Petrobras não tem dinheiro para fazer o que tem de ser feito, não tem recursos físicos. É preciso dar oportunidade a outras empresas que tenham interesse.

Tem que estimular essa lei que o [senador José] Serra está querendo fazer e permitir que não seja obrigatoriedade da Petrobras fazer tudo. Acho que outros grupos substituirão essa eventual redução de investimentos.

O grupo tem interesse em algum dos ativos que a Petrobras colocou à venda?

Estamos sempre conversando. Mas nada específico fortemente determinado. Temos muita coisa. A ALL é um investimento enorme, exige muito dinheiro e tem que crescer.

Qual o impacto da crise nos negócios do grupo?

Os nossos negócios não sofrem tanto com a recessão quanto outros. Mas em matéria de gás já percebemos que o consumo está reduzindo para a indústria e para as residências. Está diminuindo também o consumo de gasolina, diesel e etanol. Mas estamos bem posicionados.

Vamos sofrer um pouquinho neste segundo semestre e talvez no primeiro do ano que vem. Mas pelo menos estamos pisando em bases sólidas. O trabalho que a presidente Dilma e o ministro Joaquim Levy estão fazendo de trazer à tona todo o negócio que estava embaixo do tapete é muito importante. Você hoje poderá saber exatamente quais são os números, como pode crescer e fazer um planejamento sólido.

É bom às vezes ter seis meses ou um ano sem poder crescer tanto, para então voltar a crescer. O difícil é entrar no negócio de areia movediça, em que você não sabe a profundidade. Por isso, tem que fazer o ajuste. Para pular, precisa abaixar um pouquinho. Estamos abaixando para ter energia para pular.

O clima político está dificultando o ajuste?

A política é a política. Não sou tão pessimista. Acho que o Brasil está mostrando que as instituições funcionam independentemente de quem seja. Um monte de coisa está sendo trazido à tona.

No passado, você não sabia o que acontecia. Hoje, está sabendo.

Agora, política é política. Há interesses que são jogados de um lado e do outro e tem de saber amarrar. Mas acho que está melhorando.

Na última semana, o clima esquentou bastante, com as denúncias da Lava Jato.

É bom. Duro é casamento quando não tem briga. Quando há briga, há relacionamento honesto. Estamos nesse caminho. Não esperava outra coisa. O empresário brasileiro está começando a enxergar que tem de andar na linha.

O resultado do ajuste ainda é imprevisível. Traz incertezas?

Faz parte da vida. Pegar um voo e colocar no piloto automático, todo mundo quer isso. Mas a vida não é assim.

Em vez de Levy conseguir 100, se conseguir 75, é melhor do que quem não fazia nada.

Claro que não está conseguindo aprovar tudo que quer. A economia está em recessão, a arrecadação diminuiu, o que você vai fazer? É a vida. Ele vai ter outras ideias.

O grupo está tendo de tomar medidas para passar pelo período de recessão, como demissões?

Não. Claro que você tem sempre uma evolução com o uso de tecnologia e informática. Há sempre um aprimoramento, mas não tem nada assim como está ocorrendo na indústria automobilística, que não vende nada. A gente vende, açúcar e álcool são commodities, não tem problema de venda.

O transporte da ALL, pelo contrário, tem demanda reprimida e vai crescer à medida que a gente coloque mais vagões e locomotivas em funcionamento. A distribuição de combustíveis e de gás continua. Obviamente tem que fazer algumas coisas para melhorar a eficácia do projeto.

Há algo, além das medidas já anunciadas pelo governo, que o sr. acredita que deveria ser feito para melhorar o ambiente de negócios?

Acho que o governo está na direção certa. A gente tem que segurar a nossa ansiedade. Sou capitalista, estou gostando de ver o direcionamento que ela esta fazendo no segundo mandato. A melhor maneira de você melhorar a eficiência e diminuir a inflação é por meio da concorrência.

A única maneira de acabar com a corrupção é tirar o governo como empresário. O governo tem que fomentar, controlar, ter as agências controladoras, tem de regular, mas tem de sair do "business". Quanto mais o governo for nessa direção, e esse governo está começando a entender isso, muito mais eficiente ele vai ser.


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