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BC força a mão com juros e vai quebrar muita gente, diz Mendonça de Barros

Karime Xavier/Folhapress
O economista José Roberto Mendonça de Barros, que critica a alta dos juros praticada pelo BC
O economista José Roberto Mendonça de Barros, que critica a alta dos juros praticada pelo BC

O economista José Roberto Mendonça de Barros, 71, sócio da MB Associados, considera que o Banco Central exagera no aumento de juros e agrava a recessão.

"Forçar a mão nos juros é destruir a demanda e vai quebrar muita gente", disse à Folha. Na sua opinião, o BC quer "recuperar três anos de leniência com a inflação em três meses" desnecessariamente, porque os preços vão cair no ano que vem.

Um dos maiores especialistas em economia real do país, José Roberto Mendonça de Barros afirma que vários setores estão piorando muito —automotivo, imobiliário, petróleo e gás etc.— e, por isso, não há fonte de crescimento para o PIB. Ele projeta recessão neste ano e no próximo.

Folha - Por que a economia brasileira está em recessão?

José Roberto Mendonça de Barros - A economia brasileira está caindo em degraus, e não desacelerando devagar. Tivemos uma combinação de crise política e ajuste fiscal.

Logo no primeiro mês do mandato a presidente perdeu o poder de determinar a agenda do país para o Congresso. Isso jamais aconteceu e teve um efeito imediato nas expectativas para a economia.

No fim de janeiro, já estava totalmente claro que tínhamos grandes problemas em grandes setores.

Que setores?

Houve uma parada súbita de vendas no setor automotivo e no mercado imobiliário. Além disso, temos a crise na Petrobras e em seus fornecedores. Com esses três setores paralisados, está configurado um grande problema de PIB.

A crise da Petrobras ajudou a paralisar o mercado de crédito e consolidar a virada no mercado de trabalho.

No início do ano, a Petrobras suspendeu contratos com fornecedores, que desativaram obras no país inteiro: as refinarias no Nordeste, o Comperj, a fábrica de fertilizantes em Mato Grosso. Quando desmancha um canteiro de obras desse porte, é a rádio peão ao vivo dizendo que o mercado de trabalho virou de forma definitiva.

O desemprego vai aumentar?

O desemprego vai subir continuamente até o fim do ano e chegar a um patamar de 9%. Como a taxa estava em apenas 5%, será um aumento significativo.

As demissões vão continuar ocorrendo porque nem todas as empresas perceberam rapidamente que o mercado tinha virado.

O comércio ainda estava vendendo bem. Na construção civil, chega a um ponto em que a obra não pode parar. No setor automotivo, os acordos com sindicatos são muito cheios de regras. Por isso, demorou para o ajuste no mercado de trabalho ocorrer.

Existe algum setor da economia que vai bem?

A rigor, só agronegócio, tecnologia da informação e um pouco da área de saúde. É insuficiente para gerar uma recuperação da atividade.

Construção civil, indústria de máquinas, setor automotivo, petróleo, setor elétrico —todos os grandes setores pararam de investir. E, com o desemprego, os consumidores vão reduzir a demanda, o que afeta o comércio.

Poucas vezes na economia vimos tantos setores piorarem tão fortemente ao mesmo tempo. Também não podemos contar com a exportação, porque demora uns dois anos para as vendas reagirem.

Ou seja, hoje não temos fonte de crescimento do PIB.

Há alguma perspectiva de recuperação da economia neste ano ou no próximo?

Estamos estimando queda do PIB de 1,5% a 2% neste ano. Em 2016, um crescimento nulo será o teto. É ilusão achar que o pior já ficou para trás. Esse autoengano circulou pelo governo em Brasília, mas não vejo isso em nenhuma hipótese.

A prisão dos presidentes da Odebrecht e da Andrade Gutierrez na sexta-feira reforça a percepção de que os investimentos podem cair 8% neste ano e 4% no ano que vem. O deserto que teremos que atravessar em 2015 e 2016 será ainda mais quente.

O que o governo pode fazer para estimular a economia?

O papel do governo é prosseguir no ajuste fiscal e complementá-lo com uma política monetária menos esticada e com reformas de longo prazo. A questão central é a Previdência e, por isso, é tão grave acabar com o fator previdenciário.

Além disso, é preciso colocar na rua ações construtivas que permitam uma recuperação de demanda no futuro: investimentos em infraestrutura, aumento de produtividade e uma política comercial que dê suporte à exportação industrial.

Isso é que daria um horizonte para a economia, o que todos nós queremos, mas muito pouco tem sido feito.

Você disse que a política monetária está muito esticada. Na sua opinião, o BC está subindo demais os juros?

O Banco Central foi reconhecidamente leniente com a inflação por três anos consecutivos e de repente encasquetou —e a palavra é essa mesmo— que as estimativas para o IPCA têm que convergir para a meta de 4,5% no fim de 2016.

A mensagem do BC é que não vai parar de aumentar os juros enquanto isso não acontecer. Não acho que isso seja o mais adequado, porque a inflação vai cair em 2016 por causa da recessão e porque o grande impacto do reajuste da energia já terá passado.

Forçar a mão nos juros é destruir a demanda, o que vai quebrar muita gente. E, se isso acontece, a arrecadação diminui e atrapalha o ajuste fiscal. É um meio tiro no pé.

O BC está pagando o preço dos erros passados? O banco pode parar de elevar os juros sem perder credibilidade?

Querem recuperar três anos em três meses. É a mesma coisa de quem está com excesso de peso tentar resolver o problema correndo três horas no sábado. Vai ter um ataque do coração.

Hoje não existe mais essa alternativa de parar de subir os juros, porque o BC caiu numa armadilha depois de tudo que já disse.

Com esses juros altos, o BC está atraindo capital especulativo e afundando o câmbio. Se o dólar ficar abaixo de R$ 3, o único sinal positivo para os empresários também se tornará uma dúvida.


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