Folha de S. Paulo


'Sem indústria, país perde inovação', diz órgão de competitividade dos EUA

Para Deborah Wince-Smith, presidente do Conselho de Competitividade dos Estados Unidos –entidade privada que reúne grandes empresas, universidades e laboratórios americanos–, ter uma indústria em crescimento é central para estimular a inovação de um país.

"Se você perde sua capacidade industrial, você perde a próxima geração de inovação. As duas coisas estão diretamente ligadas." Segundo ela, o Brasil ainda investe menos do que deveria em inovação e as grandes empresas do país têm de trabalhar juntas.

INOVAÇÃO
Desnvolvimento aposta em análise dados

Folha - O Conselho de Competitividade dos EUA trabalha com o Brasil desde 2003. Há resultados?

Deborah Wince-Smith - O que fizemos é muito poderoso e único. Montamos um novo padrão de colaboração entre países com a criação do Laboratório de Aprendizagem em Inovação. Já fizemos 15 deles. Convidamos universidades americanas para coordenar encontros com brasileiros, nos quais debatíamos temas críticos para a inovação como propriedade intelectual e pesquisa. Os brasileiros fizeram então laboratórios sobre os mesmos temas. Muitos dos participantes passaram a trabalhar juntos.

Por que não há uma agenda mais ambiciosa de trabalho entre os governos de Estados Unidos e Brasil?

Parte disso é histórica e política. O Conselho de Competitividade é totalmente privado, mas o que percebo é que houve altos e baixos.

Há 15 anos, houve muitos problemas com tarifas altas para importação e regras difíceis. Algo que, aliás, ainda acontece e deve ser discutido, porque o Brasil está perdendo grandes oportunidades de investimento por causa de questões regulatórias. Houve ainda diferenças entre os dois países sobre temas de segurança nacional, como o relacionamento com o Irã.

O interesse dos americanos diminuiu diante do baixo crescimento do Brasil?

Executivos e potenciais investidores estão desapontados. Esperavam por medidas que não foram tomadas. Mas ainda há muito interesse. Boa parte das grandes corporações americanas já está no Brasil e quer expandir. O fato de haver um ambiente hostil ao investimento é um problema. Há sempre o "custo Brasil". Mas é um mercado importante e sofisticado. Os brasileiros foram uns dos primeiros usuários de tecnologias avançadas e o país tem companhias competitivas.

Os empresários brasileiros acompanham com preocupação as negociações comerciais dos Estados Unidos com Ásia e Europa. Eles devem se preocupar?

Editoria de Arte/Folhapress

Acredito que sim. Você verá esses países entrando em acordo em questões regulatórias e será mais fácil [vender e comprar].

Acho que o Brasil tem de começar a olhar para fora da mesma maneira que olha suas questões internas. Nos próximos dez anos, precisamos ter o acordo de comércio das Américas. Precisamos do acordo de investimentos entre Brasil e Estados Unidos. É preciso uma decisão política, porque a decisão econômica faz todo sentido. As maiores economias das Américas têm de se aliar. Acredite, o resto do mundo ficará feliz se os dois países insistirem em não trabalhar juntos.

O Brasil deveria reduzir a importância dada ao Mercosul?

O Mercosul foi um esforço de criar uma área de comércio. Não sou especialista, mas meu entendimento é que não foi tão bem-sucedido. O que seria transformador é se Brasil e Estados Unidos se colocassem como líderes. Espero que o próximo presidente americano ou brasileiro [se dediquem a isso]. Talvez a presidente Dilma possa ainda pensar em algo grande.

As exportações brasileiras estão caindo desde o ano passado. O que o Brasil pode fazer para reverter esse quadro?

Há cerca de dez anos, as empresas americanas começaram a pensar que não precisariam produzir. Faríamos design e pesquisa, e a fabricação ficaria com a China. Dizemos que essa é uma política perigosa. Se você perde sua capacidade industrial, você perde a próxima geração de inovação. As duas coisas estão muito ligadas.

Temos priorizado promover o entendimento de que a indústria manufatureira tem de ser olhada em toda a cadeia de valor: pesquisa, fornecedores e produção. Até porque produzir está se tornando totalmente diferente.

Um dos nossos membros, a Rockwell Automation, possui fábricas em que tudo é gerenciado pela infraestrutura digital. Isso é revolucionário e ameaçador para países como a China, onde o modelo econômico é baseado em milhares de funcionários em fábricas de larga escala. É importante para o Brasil e para o empreendedorismo do país terem essa visão.

Empresários brasileiros reclamam da falta de apoio do governo para inovação. O que eles podem fazer que não dependa do Estado?

Uma é participar da MEI [Mobilização Empresarial pela Inovação, que reúne líderes de cem grandes empresas brasileiras para debater iniciativas de apoio à inovação]. Nos Estados Unidos, não temos o melhor ambiente regulatório e temos um dos piores sistemas tributários, mas a indústria segue. As empresas têm de colaborar, e não tentar fazer as coisas sozinhas.

Estudo da CNI (Confederação Nacional da Indústria) mostrou que metade das empresas brasileiras investe até 3% de seu orçamento em inovação. Investe-se pouco no país?

O governo e o setor privado brasileiro investem menos do que deveriam em inovação. O interessante é que o país já fez isso no setor agrícola, que tem alta tecnologia, com a Embrapa.


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