Folha de S. Paulo


Brasil não deve contar com os EUA para crescer, diz assessor de Obama

A chave do sucesso econômico do Brasil não está fora, no mercado global, nem no mercado americano, mas sim na arrumação da própria casa, sustenta Jason Furman, presidente do Conselho de Assessores Econômicos da Casa Branca e homem-chave do presidente Barack Obama.

A três semanas da visita oficial da presidente Dilma a Washington, no dia 30, o economista nova-iorquino de 44 anos, com doutorado em Harvard, diz que os EUA estão dispostos a abrir mais o seu mercado para as exportações do país. Mas avisa: "O crescimento no Brasil vai depender principalmente das escolhas que o Brasil fizer".

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Yuri Gripas - 8.abr.15/Reuters
Jason Furman, presidente do Conselho de Assessores Econômicos da Casa Branca e homem-chave do presidente Barack Obama
Jason Furman, presidente do Conselho de Assessores Econômicos da Casa Branca

Folha - Dilma vai a Washington com o objetivo de melhorar as relações tensas com a administração Obama após o escândalo de espionagem dos EUA. O que ela pode esperar na frente econômica?

Jason Furman - Os EUA estão esperando muito a visita de Dilma. Vemos a parceria entre os EUA e o Brasil como muito importante para nossos países. O Brasil é um país muito importante na América Latina, uma das principais economias do mundo, assim, no plano econômico, as discussões serão importantes.

Segundo o "Wall Street Journal", um acordo para evitar a dupla tributação dos investimentos estrangeiros e um pacto para reduzir a burocracia no comércio bilateral estão sendo discutidos. O que mais?

Não quero antecipar, mas nosso objetivo é discutir formas de expandir o comércio e investimento entre os países, tomando medidas tangíveis.

Expandir o comércio como? Vocês têm exportado mais para o Brasil do que o inverso.

Em geral, comércio é mutuamente benéfico. Comércio beneficia pessoas que trabalham em indústrias exportadoras a conseguir melhores empregos e beneficia também o consumidor, que tem acesso a uma variedade de produtos a preços mais baixos. Portanto, ambos os países se beneficiam de exportações, assim como das importações.

Então há mais espaço para o Brasil exportar mais para os EUA?

Definitivamente, sim.

O sr. declarou que o crescimento dos Estados Unidos hoje não vai ser suficiente para "tirar o resto do mundo da sua frenesi". Se não os EUA, e certamente não o Brasil, quem pode fazer? Índia, China?

Países no mundo precisam, como primeira condição para crescer, tomar passos nos seus próprios países. O crescimento no Brasil vai depender principalmente das escolhas que o Brasil fizer.
Gostaríamos de ajudar sendo um mercado para as suas exportações. Se a China acelerar, vai ser um mercado para as suas exportações, mas ninguém deve contar com demanda externa. As reformas estruturais internas é que são a chave para todas as economias.

O que significa que o Brasil não deve contar muito com as exportações para os EUA...

Adoraríamos que isso fosse o lado positivo para o Brasil economicamente. Mas comércio ainda representa uma minoria na economia brasileira. E é por isso que, embora o comércio possa ajudar, a chave do sucesso econômico são realmente os passos internos.

Com a economia brasileira crescendo apenas 0,2% (2014), há muito o que fazer internamente? Estamos no caminho errado na política econômica?

Eu certamente não estou numa posição para prescrever qual o melhor remédio, a não ser dizer que gostaríamos de ajudar o Brasil sendo um mercado para as suas exportações mas somente até onde isso pode ir.

Obama está colocando todas as suas apostas na Ásia e na Europa, ao negociar dois mega-acordos comerciais com europeus e asiáticos. Mas vocês estão deixando fora desses acordos os países emergentes dos Brics: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Não vão isolar parte dos países do Sul? Não há o risco de desviar o comércio (mundial)?

Estamos tentado criar modelos para podermos expandir e gerar mais comércio. O TPP (sigla em inglês para Parceria Trans-Pacífico, o mais ambicioso acordo comercial sendo negociado hoje e uma prioridade do presidente Obama) tem parceiros nos dois lados do Pacífico. Países latino-americanos são parte desse acordo. Outros países expressaram a vontade de participar. Estaremos abertos a isso somente depois que concluirmos o acordo com o atual grupo.

Nós não vemos esse acordo como excludente, mas sim como um processo para expandir o comércio. E não estamos apenas fazendo acordos regionais. Estamos negociando acordos multilaterais por meio da OMC (Organização Mundial do Comércio) em áreas como serviços e produtos ambientais.

Isso significa que vocês poderiam eventualmente incluir a China no TTP ou mesmo o Brasil?

Estamos focados no grupo de países que atualmente fazem parte do TTP. Mas a ideia é que [o acordo] tenha uma arquitetura aberta. Vamos estabelecer uma série de padrões. Os países que aceitarem esses padrões podem se candidatar a entrar para o acordo.

O Brasil defende a Rodada Doha (negociações multilaterais para abertura do comércio mundial, lançadas em 2001, mas que estão paralisadas). Por que os Estados Unidos estão abandonando o caminho multilateral das negociações na OMC?

Como disse, estamos negociando vigorosamente no plano multilateral, mas apostando em certas áreas em que temos a possibilidade de mais progresso. Produtos ambientais são um exemplo. As tecnologias [ambientais] de cada país podem ser comercializadas, vendidas mais facilmente se concluirmos este acordo (de liberalização do comércio para produtos ambientais).

Há uma inquietação no Brasil com a possibilidade de aumento na taxa de juros nos EUA, como já indicou o Fed (banco central americano), de que isso vai desviar para os EUA os investimentos que estavam indo para países emergentes. Brasileiros têm uma boa razão para se preocupar?

Primeiro, o Fed vai tomar suas decisões de forma independente. Na posição em que estou, não comento política monetária. Mas o que observo é que, dois anos atrás, quando houve reação de mercado ao aumento dos juros americanos, o efeito inicial nas economias emergentes foi geral, mas depois [investidores] começaram a diferenciar [países emergentes].

Alguns países continuaram recebendo fluxo de capital, e outros viram o capital sair. Acho que muito do impacto dessas mudanças depende menos das condições globais e mais do regime das políticas dos países. Se você tem um regime de políticas que cria certezas para investidores, boas oportunidades de investimentos e faz as pessoas ficarem otimistas quanto ao futuro da economia, você pode esperar a receber capital.

O FMI baixou as previsões de crescimento da Europa, o Brasil não está crescendo, a China não avança como antes. Isso pode impactar os EUA?

Isso certamente está tendo um efeito nos EUA. As exportações foram o maior diminuidor de crescimento dos EUA no primeiro trimestre do ano. Parte foram eventos idiossincráticos, como fechamento de portos em razão de conflitos trabalhistas, por exemplo, mas certamente a desaceleração da demanda global fez diminuir nossas exportações e teve um impacto na economia americana.

Devemos esperar um crescimento mais lento americano?

Certamente vamos ver uma recuperação [da economia americana] a partir do primeiro trimestre. Mas muito vai depender dos consumidores. Os consumidores americanos têm se beneficiado do preço mais baixo da gasolina. Hoje isso tem se manifestado mais com mais poupança do que mais gasto. Vamos ver como essa situação vai se desenvolver.

Brasil e EUA têm agendas parecidas de combate à desigualdade, mas, enquanto vocês tentam recuperar a classe média, o Brasil tenta criar uma maior, tirando pessoas da pobreza. O senhor tem algum conselho para dar para que o Brasil não repita o modelo desigual americano?

Bom, o Brasil é mais desigual que os Estados Unidos, mas a desigualdade no Brasil está caindo, enquanto a nossa desigualdade está continuando a crescer.
Vocês são muito mais especialistas sobre o que se deve fazer. Mas o mesmo tipo de ideias de ter uma forte macroeconomia, ter mais concorrência, investir mais em crianças e famílias, esses são remédios que funcionam para todos os países.


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