Folha de S. Paulo


Fies seria mais efetivo se aluno desse contrapartida

O financiamento estudantil público Fies deveria oferecer opções de juros maiores, prazos menores e contrapartida dos alunos, defende o presidente da Anima Educação, Daniel Castanho.

Dona de instituições como UniBH, São Judas e Unimonte, a Anima sofreu um revés com a conjunção entre crise econômica e mudança nas regras do Fies. Um contrato de investimento bilionário com a americana Whitney University System, em que a Anima compraria mais escolas, acabou desfeito no último mês.

Castanho, no entanto, é otimista em relação ao futuro das universidades particulares –as mais preparadas para, segundo ele, se adaptar a um mundo em que a simples transmissão de conteúdo acabou. "Esse negócio vai mudar radicalmente."

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Folha - Quais foram os equívocos no Fies?
Daniel Castanho - Algumas instituições abusaram. Elas falavam ao aluno: 'Venha e, se não conseguir pagar, eu banco seus estudos'. É uma ilusão na qual a própria instituição de ensino seria o avalista. Depois ela pode até não pagar o governo. Alguns alunos também abusaram: são de família que pode pagar, mas pedem Fies pois é melhor que financiamento de carro.

Karime Xavier/Folhapress
Presidente da Anima Educação, Daniel Castanho
Presidente da Anima Educação, Daniel Castanho

Como seria um Fies 2.0?
Os juros não precisariam ser 3,5%. Pode ser 6% ou 7%. O prazo não precisa ser enorme. Poderia haver contrapartida. Se o aluno pagasse 20%, teria taxa menor, se pagasse 50%, menor ainda. A contrapartida poderia ajudar na redução da quantidade de financiamento.

Como fica o financiamento privado?
Em 2010, os bancos estavam pensando alternativas. O Real, por exemplo, percebeu que, quando você está na faculdade, começa sua vida e vai comprar carro e casa num período de dez anos. A fidelidade é grande.

Mas, quando o governo trouxe o Fies a condições imbatíveis, pararam as pesquisas. Acho que agora as condições do Fies vão piorar um pouco. E o aluno que não conseguir universidade pública, nem Prouni, nem Fies vai buscar outro financiamento. Surge a oportunidade de financiamento privado. Vai ser pior que o Fies, mas bom para atender uma demanda da população.

O aluno de faculdade particular de massa já vem despreparado, mas seu desempenho costuma, depois, ser atribuído à instituição que o formou. Como o setor lida com isso?
Escola boa no Brasil é aquela em que entra aluno bom. A escola pública recebe aluno bom, mas é muito morosa. Em educação, esse negócio de simplesmente transmitir conteúdo acabou. Conteúdo hoje está em todo lugar.

Nosso negócio vai mudar radicalmente nos próximos anos. O currículo tem que ser flexível, provocador. A universidade tem que ser o local da experimentação, desenvolver autoconhecimento.

É diferente de 15 anos atrás. Quem está mais preparado para essa mudança? Acredito que a universidade privada. Porque nos especializamos em pegar o aluno nota 2 e entregar 7 ou 8.

Editoria de Arte/Folhapress

Provavelmente você dirá que quem se dará bem no futuro são as que podem investir.
Não é só dinheiro. É também agilidade. Hoje você é reconhecido com os indicadores do MEC. Mas o próprio MEC é dono das universidades públicas. Então ele coloca peso muito grande em mestre, doutor, tempo integral, pesquisa, coisas que não representam necessariamente agregar mais valor para o aluno.

A Anima tem feito isso. Mensuramos como os alunos se saem nas dinâmicas de grupo feitas por empresas de talentos. O plano de carreira ainda hoje em diversas universidades só favorece tempo de casa e titulação. Eram bons indicadores quando a universidade só repassava conteúdo: quanto mais titulação o professor tem, mais conteúdo tem para passar.

Quando chegará esse futuro?
Veja as cotas das universidades públicas: quando se tem 10% ou 20% em "cotas", vem na curva normal. Mas com 50% vindo de escola pública de maneira forçada, alunos que iriam entrar na pública não entram mais. Para onde vão? Para as melhores privadas. Não para as UniEsquinas.

Aí há uma melhora porque vai ter um aluno mais bem preparado nas instituições melhores dentre as de massa, o que vai fazer com que se aproximem das públicas.

Por outro lado vai entrar aluno pior nas públicas. Aí as públicas terão de fazer o que a gente faz: ensinar matemática, regra de três. E elas não estão preparadas para isso. As públicas se deteriorarão mais rápido.

O que houve na quebra do negócio com a Whitney [que venderia instituições à Anima]?
Quando veio a primeira mudança do Fies, as ações caíram. Mas continuou sendo um negócio interessante. Depois, a economia fez nossa previsão de crescimento mudar. Do lado da Whitney, o dólar afetou, porque, quando assinamos o acordo, estava em R$ 2,64.

Os dois lados sofreram e isso facilitou o distrato. Se continuasse bom para um lado e ruim para o outro, seria difícil. Quem sabe lá na frente.


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