A Zara, uma das maiores empresas do setor têxtil do mundo, foi autuada pela fiscalização do Ministério Trabalho e Emprego (MTE) em São Paulo sob o argumento de descumprir um compromisso assinado em 2011 para aperfeiçoar as condições de trabalho, segurança e saúde em sua cadeia de fornecedores e terceiros.
O termo de ajustamento de conduta (TAC) foi feito após fiscais constatarem que uma fornecedora da Zara havia subcontratado uma oficina que utilizou imigrantes bolivianos e peruanos submetidos a condições degradantes de trabalho para fabricar roupas para a marca.
Duas multas foram entregues à rede no final de abril, no valor de R$ 840 mil. A Zara informou que já recorreu no início do mês das autuações.
A maior delas foi aplicada por discriminação: os fiscais entenderam que a rede excluiu, de sua cadeia, oficinas que empregavam estrangeiros em vez de integrá-las ao processo produtivo. O MTE também encaminhou pedido ao Ministério Público do Trabalho para executar na Justiça a cobrança de R$ 25 milhões por descumprimento do acordo (TAC). O órgão não se pronunciou ainda e analisa o caso, segundo apurou a Folha.
"A ação de execução do MPT deve confirmar o valor [de R$ 25 milhões]. Foi calculado considerando 7.071 trabalhadores prejudicados em 67 empresas da cadeia da Zara, fiscalizadas no país", diz Renato Bignami, coordenador do Programa de Erradicação do Trabalho Escravo do MTE em São Paulo.
Para chegar à conclusão de não cumprimento do TAC, uma auditoria com 40 fiscais do órgão e da Receita Federal de São Paulo e Santa Catarina, para onde a rede mudou parte de sua produção, foi realizada entre agosto e abril deste ano.
O pedido para verificar se a empresa cumpria o acordo partiu do MPT e da CPI do Trabalho Escravo, realizada no ano passado pela Assembleia Legislativa de São Paulo.
"A Zara tirou sua produção de São Paulo e levou parte para Santa Catarina, depois de a fiscalização apertar o cerco no Estado. A empresa pode ter doado R$ 7 milhões para construir o centro do imigrante paulista, mas não cumpriu a obrigação de melhorar a cadeia", diz o superintendente do Ministério do Trabalho em SP, Luiz Antonio de Medeiros.
O CIC (Centro de Integração da Cidadania do Imigrante (CIC do Imigrante) é ligado à Secretaria de Justiça do Estado de São e foi construído com doação da Zara e de outras empresas que assinaram TACs, após serem fiscalizadas pelo Ministério do Trabalho.
Medeiros diz que pedirá ao governo estudar mudanças na lei que permitam a suspensão de atividades de empresas que descumpram TACs e reincidam no desrespeito às obrigações trabalhistas. "O que aconteceu é muito muito grave porque a Zara achou que, com a questão de dinheiro, resolveria o problema da precarização", diz. " Precisa ter uma punição muito rigorosa para esse caso, porque é uma reincidência."
IRREGULARIDADES
Os fiscais citam 433 irregularidades em 83 inspeções realizadas nas 67 empresas em relatório encaminhado ao MPT. Informam ter encontrado evidências de aumento de acidentes de trabalho, não cumprimento de direitos como depósito do FGTS, atraso de salários, fraudes na marcação de ponto de jornadas de trabalho, entre outras.
"Os acidentes passaram de 73 em 2012 para 84 no ano passado. Só em SP foram ajuizadas 322 ações em três anos por trabalhadores dessa cadeia", diz Sergio Aoki, um dos fiscais que coordenaram a auditoria.
"Se a empresa tivesse cumprido o TAC, detectado esses problemas nas auditorias externas que se comprometeu a fazer e nos planos de ação para corrigi-las, os números não seriam esses."
Sob a condição de anonimato, uma trabalhadora de uma oficina de SP conversou com a reportagem. "Vim ao Brasil para ajudar minha família. A oficina fechou, os donos me devem R$ 17 mil. Eram mais de 13 horas por dia de jornada de trabalho porque, por peça, a gente recebia muito pouco, R$ 0,85 a R$ 1. Tinha de trabalhar muito para juntar algum dinheiro."
Segundo o relatório da fiscalização, na oficina e no alojamento em que essa costureira e seus colegas trabalharam, foram encontradas péssimas condições de trabalho, comida estragada e baratas. "Tinha barata até na geladeira", diz Aoki.
Essa oficina visitada várias vezes pelos auditores foi alvo de uma operação no final de 2014, quando os fiscais verificaram a fabricação de peças para a Lojas Renner. Na ocasião, a empresa não firmou TAC e informou que as irregularidades foram responsabilidade de uma confecção que prestava serviço para a marca.
"Durante a ação, encontramos documentos que mostraram que a Zara usou essa mesma oficina em 2013 para fabricar 8.450 camisas e calças. Mas não relatou irregularidades em suas auditorias", diz Bignami.
David Fernández/Efe | ||
Homem caminha em frente a uma loja da franquia Zara; empresa foi autuada pelo Ministério do Trabalho |
OUTRO LADO
O diretor de responsabilidade social corporativa do grupo Inditex (dono da marca Zara), Felix Poza, informou que a empresa recorreu dos autos de infração por os considerar "infundados" e "sem comprovação" de descumprimento do TAC.
"É importante esclarecer que esses supostos descumprimentos se referem ao período de junho de 2012 a fevereiro de 2015 sem que nunca a Superintendência tenha comunicado a existência de qualquer irregularidade à Zara Brasil", informou o executivo.
A maior parte das infrações administrativas tem três anos e foi identificada e corrigida pelas auditorias da Inditex, segundo explica.
Essas auditorias são realizadas por empresas como SGS, Intertek e Apcer, especializadas em inspecionar condições sociais, técnicas e de ambiente em cadeias de fornecimento. Afirma ainda que as vistorias são feitas de forma surpresa e ao menos de seis em seis meses.
"A realidade é que, durante o período ao qual se referem os autos, a Inditex atuou conforme estabelecido ao realizar 2.800 auditorias no país, entre 453 empresas que, obviamente, não trabalham exclusivamente para o grupo, dado que a produção da Inditex responde por menos de 15% do total. O restante da capacidade produtiva está dedicada a produzir bens para outras marcas brasileiras", afirma.
Segundo Poza, umas das inconsistências encontradas é que, "das 67 empresas (citadas pelos fiscais), cinco delas jamais foram fornecedoras da Zara".
Sobre a exclusão de estrangeiros de sua cadeia produtiva, ele afirma que "a Zara não tem capacidade de nenhum tipo para intervir no recrutamento dos trabalhadores por parte das empresas com as quais mantém relações comerciais, onde a Zara é mais um cliente entre muitos outros, como se pode notar na lista de fornecedores".
Ainda segundo o executivo, a decisão de incorporar um novo fornecedor considera como referência a qualidade de sua produção e especialização.
"Não há nenhuma decisão estratégica de mudar as zonas de produção, mas, se em uma área diferente existem bons fabricantes que criam peças com os padrões necessários, ela é incorporada. Prova de que não existe deslocamento é que a maioria da produção segue sendo a área de São Paulo."
Sobre a suposta precarização em sua cadeia, a empresa afirma que conseguiu "eliminar qualquer possibilidade de precarização em sua cadeia de fornecimento".
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RAIO-X
ZARA
Proprietária
Inditex, empresa fundada pelo espanhol Amancio Ortega, o 4º na lista da "Forbes", com fortuna estimada em US$ 69,2 bilhões
Marcas da Inditex
Zara, Pull&Bear, Massimo Dutti, Bershka, Stradivarius, Oysho, Zara Home e Uterqüe
Lojas no Brasil
63 (53 da Zara e 9 da Zara Home)
Fornecedores no Brasil
210