Folha de S. Paulo


Carta anônima levou Polícia Federal a esquema da Operação Zelotes

Uma carta anônima de duas páginas deu origem à Operação Zelotes, que investiga suposto pagamento de propina a membros do Carf (órgão que julga recursos de autuações da Receita).

Segundo os documentos que integram a investigação, aos quais a Folha teve acesso, a carta, entregue em um envelope pardo na coordenação-geral de Polícia Fazendária, no edifício-sede da PF, em Brasília, cita os nomes de conselheiros e empresas relacionados ao que seria "um impressionante esquema de tráfico de influência e corrupção em Brasília, responsável pelo desvio de bilhões de reais nos últimos anos".

Intitulada "Dinheiro público sendo desviado", ela diz que o então conselheiro José Ricardo da Silva era sócio de "dezenas de empresas que servem para movimentar e lavar o dinheiro que recebe das empresas". Estas tentariam "conseguir julgamentos favoráveis e reversão de decisões já tomadas, além de intermediar contatos e decisões em diversos ministérios".

As empresas usadas por Silva seriam a SGR Consultoria Empresarial e a J.R. Silva Advogados e Associados.

Editoria de arte/Folhapress

O denunciante disse que um funcionário de José era responsável por fazer "saques em espécie e entregar malas de dinheiro do esquema em Brasília". Em São Paulo, quatro outras empresas seriam "aliciadores/intermediárias de clientes".

A carta cita outros três conselheiros como suspeitos: Valmar Fonseca de Menezes, Jorge Celso Freire da Silva e Eivanice Canário da Silva. Dos quatro citados, apenas Eivanice continuava no cargo até esta quarta-feira (08).

Por fim, a denúncia citou Cimento Penha, JBS, Caoa, Gerdau, MMC, RBS e Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantres de Veículos Automotores) como tendo "negociado com o esquema".

Em fevereiro de 2014, a polícia começou a investigar a carta e confirmou algumas pistas, incluindo o fato de que a SGR não tinha nenhum funcionário registrado no Caged e recebeu R$ 58 milhões em transferências de várias empresas e pessoas.

Dos supostos beneficiados citados na carta, a PF encontrou processos no Carf em quase todos os casos –as exceções foram o grupo Caoa e a Anfavea. No processo que envolvia a cobrança de R$ 1 bilhão do grupo Gerdau, votaram a favor da empresa dois conselheiros citados na carta, José Ricardo e Valmar.

Com base nessas checagens, a PF concluiu que "é possível e até bem provável que esteja ocorrendo um grande esquema de corrupção dentro do Carf".

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já considerou ilegais, por virem de interceptações telefônicas motivadas por denúncia anônima, provas de outra operação da PF que investigava suposto esquema de desvio de recursos públicos (Castelo de Areia).

No caso da Zelotes, não há ainda contestação judicial sobre a carta anônima.

OUTRO LADO

Em nota à Folha, a assessoria do Ministério da Fazenda informou que não mantém os contatos de "conselheiros, ex-conselheiros e advogados". Procurados no Carf e em outros telefones residenciais e comerciais, eles não foram localizados.

Segundo o ministério, a respeito da Zelotes, "procedimentos investigativos já estão em andamento na Corregedoria-Geral do Ministério da Fazenda".

"Durante o curso do processo, será garantido o contraditório e a ampla defesa às empresas e, somente após a conclusão, será possível concluir sobre possíveis consequências e penalidades às empresas", informou o órgão.

O grupo RBS informou ter "a convicção de que, no curso das investigações, ficará demonstrada a correção dos procedimentos da empresa. Tão logo seja contatada pelas autoridades competentes, o que ainda não ocorreu, a empresa terá a oportunidade de colaborar para a plena elucidação dos fatos".

A Gerdau informou que "até o momento, não foi contatada por nenhuma autoridade pública a respeito da Operação Zelotes, da Polícia Federal, e que vem tomando conhecimento do tema pelo noticiário de imprensa". "Todos os processos administrativos de interesse da Gerdau se acham ainda em trâmite no CARF, pendentes de julgamento final de mérito." Segudo a empresa, "nenhuma importância foi paga, a qualquer título, a qualquer pessoa física ou jurídica por conta de sua atuação em nome da Gerdau junto ao Carf".

O grupo Caoa informou que "não tem conhecimento oficial da operação e não tem relacionamento comercial com nenhuma das pessoas e empresas envolvidas. No caso relativo à Caoa já julgado no Carf, a empresa perdeu por seis votos a zero, ou seja, nenhum conselheiro votou a favor da Caoa".

A JBS negou qualquer vínculo comercial ou relacionamento com as pessoas e empresas citadas na carta anônima, afirmou que "abomina" práticas ilícitas e "repudia qualquer tentativa" de envolver o nome da companhia na investigação.

A empresa informou que atua no Carf por meio de corpo técnico próprio.

A Anfavea informou que "desconhece o assunto". Procuradas, Cimentos Penha e MMC não foram localizadas.


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