Folha de S. Paulo


Adesão do Brasil a banco asiático é questionada por especialistas

O anúncio de que o Brasil será membro-fundador do novo banco asiático de investimento liderado pela China causou surpresa e certa estranheza entre especialistas. A questão principal é se o país tem fôlego político e financeiro para integrar mais uma instituição multilateral, enquanto vive um dos piores momentos de instabilidade política e desaquecimento econômico dos últimos anos.

A decisão foi anunciada num comunicado curto emitido pelo Palácio do Planalto na noite de sexta (27), quatro dias antes de vencer o prazo para a entrada de membros-fundadores. Segundo a nota, o Brasil foi convidado pela China para participar, mas não está claro como o convite foi feito, já que ele não passou pela embaixada brasileira em Pequim. Os chanceleres do Brasil e da China conversaram sobre o assunto por telefone no sábado, depois do anúncio do Planalto.

Lançado em Pequim em outubro, o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB, na sigla em inglês), tem como objetivo financiar projetos de infraestrutura, principalmente na região. A expectativa é que o banco entre em operação em 2016, com um capital inicial de US$ 50 bilhões (R$ 157,5 bilhões), podendo chegar a US$ 100 bilhões (R$ 315 bilhões).

O anúncio do Planalto não indica qual será o investimento inicial do Brasil, até porque os termos do acordo de fundação do banco ainda estão sendo negociados. Segundo diplomatas que acompanham o assunto, a tendência é que a participação brasileira seja "simbólica". Mesmo assim, embarcar no projeto deixou muita gente intrigada.

"Fiquei surpreso, porque o Brasil já tem muito com que se preocupar, incluindo o seu comprometimento com o Banco dos Brics e todos os desafios domésticos, como a economia" disse Matt Ferchen, especialista em relações China-América Latina da Universidade Tsinghua, em Pequim. "Acho que o motivo foi mostrar apoio à China, se foi por pressão ou desejo espontâneo eu não sei".

Para Ferchen, a sensação é de que o Brasil já tem um desafio grande o suficiente no Brics para querer se lançar em novos projetos. Criado em julho em Fortaleza, o Banco de Desenvolvimento dos Brics contará com capital inicial de US$ 50 bilhões, dividido igualmente entre os membros (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Mas a entrada do Brasil no banco –incluindo o aporte de US$ 10 bilhões– ainda não foi ratificada pelo Senado.

Margaret Meyers, diretora para relações China-América Latina do centro de estudos Inter-American Dialogue, também ficou surpresa com a decisão do Brasil de entrar no banco asiático. "Diante das dificuldades econômicas que o Brasil vive, acho que não será politicamente fácil vender a ideia de aderir a um novo banco de desenvolvimento, especialmente sendo fora da América Latina", diz ela.

Para a China, o AIIB é a maior vitória diplomática em muito tempo. Lançado inicialmente por 21 países, o banco provocou uma corrida de interessados, incluindo as maiores economias da Europa, apesar da oposição ativa dos Estados Unidos. Segundo o jornal "China Daily", 46 países se apresentaram como membros-fundadores antes do prazo final, na última terça (31).

Nos cálculos do Brasil ao entrar no AIIB há a dimensão econômica –o interesse de estar presente no mercado que mais cresce no mundo–, e outra política –uma reação à resistência dos EUA em aprovar a reforma das instituições multilaterais, como o FMI (Fundo Monetário Internacional). Um fato pouco conhecido é que o Brasil foi vetado por EUA e Japão quando pediu para ser membro do Banco Asiático de Desenvolvimento, há alguns anos.

A entrada do Brasil no AIIB é "uma clara demonstração da visão estratégica do governo", diz Zhao Changhui, do China Eximbank, o banco de exportação-importação da China. Para ele, a decisão tornará o país parte da tomada de decisões da cena asiática, o que vai melhorar o entendimento brasileiro de uma região-chave para a economia mundial.

"Além disso, o AIIB vai assimilar profissionais de todo o mundo, portanto jovens brasileiros talentosos poderão trabalhar no banco e ajudar na formação de quadros internacionais do país", disse Zhao.

Stephen Kaplan, da Universidade George Washington, entende que o interesse econômico em ganhar terreno na Ásia justifica o interesse brasileiro em ser membro do AIIB.

"Acho que há muitas oportunidades para o Brasil na Ásia e claramente esta será uma importante instituição", diz ele.


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