Folha de S. Paulo


Jorge Paulo Lemann: um campeão da magreza ganha apetite pela comida

Jorge Paulo Lemann, o homem mais rico do Brasil e fundador do grupo de capital privado 3G, talvez seja o menos brasileiro dos bilionários do país –em consequência tanto do medo quanto da ambição.

Certa manhã de terça-feira, em 1999, homens armados tentaram sequestrar seus três filhos mais novos no caminho destes para a escola.

Em choque, Lemann, 75, transferiu sua família para a Suíça, o país natal de seu pai, onde Lemann vive desde então com sua mulher, Susanna.

Mas o desejo de controlar uma fatia das marcas mais conhecidas dos Estados Unidos é outro motivo que afastou o financista da América Latina.

Nos últimos 10 anos, Lemann e os outros fundadores brasileiros da 3G, Marcel Telles e Carlos Sicupira, comandaram algumas das maiores transações no segmento de bens de consumo.

Depois de ajudar a criar a maior fabricante mundial de cerveja, a AB InBev, em 2008, eles fecharam o capital da Burger King em 2010.

Três anos mais tarde, formaram uma parceria com Warren Buffett para adquirir a Heinz, em uma transação de US$ 27 bilhões (R$ 88 bilhões) que provou ser apenas o prelúdio para o meganegócio de US$ 46 bilhões (R$ 150 bilhões) anunciado esta semana.

A fusão combinará a venerável fabricante de ketchup norte-americana à Kraft, cujas contribuições ao paladar norte-americano incluem os sucos em pó Kool-Aid e as salsichas para cachorro quente Oscar Mayer.

E isso ilustra até que ponto as fortunas da 3G se dissociaram do Brasil, um país à beira da recessão.

Além de suas ambições mundiais, o antigo campeão de tênis formado em Harvard é conhecido por sua brutal eficiência.

Na 3G, é frequente dizer que "custos são como unhas: precisam ser cortados constantemente", de acordo com a jornalista brasileira Cristiane Correa, cujo livro, "Sonho Grande", narra a ascensão de Lemann e seus parceiros de negócios.

A parcimônia exercitada pelo trio –demissão de funcionários, eliminação de fotocópias coloridas e o uso de lacunas legais para reduzir a carga de impostos a pagar– enraivece tanto os trabalhadores quanto os clientes de suas empresas.

Mas delicia os investidores. A margem de lucro do Burger King triplicou de 2010 para cá.

O grupo agora promete cortar as unhas também da Kraft, uma companhia cujos produtos dificilmente teriam lugar na dieta enxuta de Lemann.

Abstêmio, ele come frutas secas em lugar de salgadinhos e não é conhecido por grandes extravagâncias, excetuado o apetite por viagens exóticas.

Ele e a mulher certa vez fizeram uma viagem de férias no deserto de Gobi, na China e Mongólia, em companhia de Fernando Henrique Cardoso, antigo presidente do Brasil e bom amigo de Lemann.

Se Lemann está salivando é por conta dos potenciais ganhos de eficiência que combinar as duas empresas propiciaria.

Sua abordagem disciplinada ecoa a de seu pai, dono de uma fábrica de laticínios que emigrou para o Rio de Janeiro no começo do século 20.

A despeito da existência confortável da família em uma cidade conhecida por seu modo relaxado de ser, Lemann père sempre exaltou os valores protestantes da frugalidade e do trabalho árduo, até o acidente de bonde que lhe custou a vida quando o filho mal havia chegado à adolescência.

"Minha mãe então se tornou presença constante... era muito ambiciosa e queria muito que eu fosse um sucesso", disse Lemann, explicando como a mãe o persuadiu a não abandonar os estudos em Harvard depois que ele recebeu uma reprimenda por estourar fogos de artifício.

Inicialmente Lemann levava o esporte mais a sério do que seu estudo de economia, foi cinco vezes campeão nacional de tênis no Brasil, e chegou a jogar em Wimbledon. (Há especulações de que Roger Federer, no momento o segundo colocado no ranking mundial do tênis masculino profissional, seja grande investidor no 3G.)

Foi outro esporte –a caça submarina– que o conduziu a Sicupira, a quem Lemann contratou para trabalhar na pequena corretora Garantia, na qual ele havia adquirido participação em 1971.

Telles havia sido contratado um ano antes. Nas décadas seguintes, os "três mosqueteiros", como vieram a ser conhecidos, transformaram a empresa em um banco de investimento com US$ 1 bilhão em capital, e se tornaram pioneiros da filosofia de gestão que viria a caracterizá-los.

Além do fanatismo por cortes de custos, o trio introduziu uma cultura de propriedade coletiva inédita até então no Brasil, e aboliu pompas hierárquicas como secretárias pessoais, divisórias e vagas reservadas de estacionamento.

Apesar de manterem os salários baixos, eles atraíram grandes talentos com ofertas de ações e bonificações generosas, inspirados pelo Goldman Sachs.

Da mesma maneira que os artistas e músicos brasileiros se apropriaram de estilos de criação díspares de todo o mundo durante o movimento tropicalista dos anos 60, Lemann "tropicalizou" os modelos internacionais de gestão a fim de criar um modelo singularmente brasileiro.

O Credit Suisse, que adquiriu o Garantia em 1998, desde então vem propagando as mesmas práticas em todas as suas operações latino-americanas.

Foi depois que o trio fundou a 3G, em 2004 em Nova York, que eles embarcaram a sério nas fusões e aquisições.

A Brahma, adquirida quando eles ainda estavam no Garantia, foi fundida a outra fabricante de cerveja para criar o grupo Ambev.

Este por sua vez absorveu a Interbrew (da Bélgica), em 2004, e a Anheuser-Busch (dos Estados Unidos) em 2008, para criar a AB InBev.

A participação de Lemann na companhia responde por boa proporção de sua fortuna estimada em US$ 25 bilhões (R$ 81,42 bilhões); os dividendos da empresa ao que se sabe ajudaram a bancar o 3G.

O apoio de Buffett, a quem Lemann conheceu quando integrava o conselho da produtora de produtos de higiene masculina Gillette, permitiu que a 3G expandisse ainda mais as suas ambições.

Embora seja provável que futuras transações o afastem ainda mais do Brasil, o que se diz é que Lemann jamais esquece o surfe nas águas de Copacabana –as ondas que ajudaram a tropicalizar sua mentalidade suíça e que, segundo ele, lhe ensinaram mais sobre os riscos do caminho do que Harvard jamais fez.

"Na vida é preciso correr riscos, e a única maneira de fazê-lo é praticar", ele disse. "Pratiquei nas ondas, no tênis e depois nos negócios".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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