Folha de S. Paulo


Polícia Federal investiga fraude de ao menos R$ 6 bi contra cofres públicos

A Polícia Federal realizou nesta quinta-feira (26) operação contra três quadrilhas suspeitas de operar dentro de um órgão do Ministério da Fazenda e causar um prejuízo de pelo menos R$ 6 bilhões aos cofres públicos.

A operação investiga processos que somam R$ 19 bilhões. Segundo a Polícia Federal, esse é um dos maiores esquemas de sonegação fiscal já descobertos.

Os grupos atuavam no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), órgão da Fazenda que julga, em segunda instância, casos em que o contribuinte já foi autuado.

O Carf é um tribunal administrativo formado por representantes da Fazenda e dos contribuintes (empresas). Quem é julgado no órgão geralmente é uma empresa autuada por escolher determinada estratégia tributária que, segundo a fiscalização, estava em desacordo com a lei.

Formadas por conselheiros, ex-conselheiros e servidores públicos, as quadrilhas buscavam anular ou atenuar pagamentos cobrados pela Receita de empresas que cometeram infrações tributárias, e que eram discutidos no conselho. Para isso, atuavam elas próprias sobre processos ou corrompiam outros conselheiros.

A Polícia Federal não divulgou os nomes das companhias investigadas, mas a Folha apurou que elas são dos ramos bancário, automobilístico, siderúrgico e da construção civil. Uma das ações de busca e apreensão foi no Banco Safra em São Paulo.

O banco não atendeu às ligações da reportagem.

A Folha também apurou que ao menos dois conselheiros são citados: Francisco Maurício Rebelo de Albuquerque Silva e Paulo Roberto Cortez. Ambos representam contribuintes no conselho. Albuquerque Silva é pai de Eduardo da Fonte (PE), líder do PP na Câmara. A reportagem não conseguiu localizá-los.

Também está na lista o ex-conselheiro do Carf Leonardo Manzan, genro do ex-secretário da Receita Otacílio Cartaxo. A Folha não conseguiu localizar Manzan. Segundo o "Jornal Nacional", R$ 800 mil foram encontrados na casa dele, em Brasília.

As investigações começaram em 2013 e alcançam processos de até 2005. Elas indicam que os grupos usavam o acesso privilegiado a informações para identificar "clientes", contatados por meio de "captadores de clientes".

LAVA JATO

A operação focou em 70 processos "suspeitos de terem sofrido manipulação", que somavam R$ 19 bilhões em "créditos tributários" –valores devidos ao Fisco. A PF diz que "já foram, efetivamente, identificados prejuízos de quase R$ 6 bilhões".

O valor equivale a cerca de três vezes o dinheiro desviado da Petrobras por meio do esquema desarticulado pela Operação Lava Jato, se considerada a cifra levantada em janeiro pelo Ministério Público Federal (R$ 2,1 bilhões).

Em ambos os casos, ainda sob investigação, os valores podem ser maiores.

Foram apreendidos documentos e R$ 1,3 milhão em espécie, mas não houve prisões, de acordo com o delegado Marlon Cajado.

Nomeada operação Zelotes (que ou quem simula um comportamento zeloso), ela envolveu 180 policiais e 55 fiscais da Receita. Eles cumprem 41 mandados de busca e apreensão em São Paulo, Ceará e no Distrito Federal.

ATÉ R$ 300 MILHÕES EM PROPINAS

As investigações da Operação Zelotes, feita em conjunto pela Ministério Público Federal e pela Polícia Federal e deflagrada nesta quinta-feira, indicam que grande parte da propina era paga em dinheiro aos participantes do esquema de corrupção que, segundo a PF, envolvia empresas, conselheiros e servidores do Carf.

Há indícios de que uma parcela desses recursos era enviada para contas correntes no exterior.

Os investigadores ainda não conseguiram mapear todo o itinerário do dinheiro, desde a saída das empresas até chegar às mãos do agentes públicos.

Ainda de acordo com a apuração dos procuradores e policiais federais, os conselheiros evitavam manter contato direto com os empresários. Na maioria das vezes, eles usavam um ou mais intermediários para negociar o valor da propina e a forma como deveria ser paga.

"CAPTADORES"

O esquema, segundo a PF, funcionava com "captadores de clientes", como empresas de lobby, consultorias especializadas e escritórios de advocacia. Eles intermediavam a oferta de vantagens ilegais nos processos que corriam no conselho, segundo as investigações.

Se fosse necessário, o grupo, então, abordava outros servidores e conselheiros para defender irregularmente os interesses de seus "clientes" no Carf.

O pagamento era feito pelas empresas aos "captadores". Após ficar com sua fatia, eles repassavam o resto para as quadrilhas, que por sua vez sacavam os valores e distribuíam aos envolvidos.

Segundo o delegado da Polícia Federal Marlon Cajado, que comandou a operação, as empresas pagavam propina de até 10% para "manipular" vereditos em processos de casos que envolvem dívidas tributárias de R$ 1 bilhão a R$ 3 bilhões.

"HERDEIROS"

A investigação aponta indícios de que ex-conselheiros, mesmo após deixarem o colegiado, mantiveram pessoas de sua confiança no Carf. Esses "herdeiros" teriam como função dar continuidade ao esquema de corrupção, repartindo os recursos recebidos ilegalmente com seus antecessores.

Os investigados poderão responder pelos crimes de advocacia administrativa fazendária, tráfico de influência, corrupção passiva, corrupção ativa, associação criminosa, organização criminosa e lavagem de dinheiro.
Após a operação ser deflagrada, o Ministério da Fazenda informou que abrirá processos administrativos contra os servidores e conselheiros suspeitos.

Além disso, anunciou que vai processar as empresas envolvidas.

Questionado pela Folha sobre como a fraude ocorreu por tanto tempo sem ser percebida por seus mecanismos de controle, o Ministério da Fazenda não respondeu até a conclusão desta edição.


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