Folha de S. Paulo


Para paraguaios, contrabando compensa desigualdade econômica

"Para dançar um tango, são necessárias duas pessoas", diz o analista político paraguaio Francisco Capli à Folha em Assunção.

Crítico ao governo do empresário Horacio Cartes, Capli ainda assim chama a atenção para o fato de o contrabando ter se tornado uma das principais atividades econômicas do país pela simples razão de que existe demanda do outro lado da fronteira.

"O contrabando foi uma maneira de o Paraguai se inserir no continente, desde a época da ditadura [de Alfredo] Stroessner (1954-1989). Até então éramos apenas uma economia combalida pelos efeitos da Guerra do Paraguai (1864-1870). Além disso, há nacionalismo por trás da defesa do contrabando", diz, citando a assimetria econômica com os países vizinhos.

A Guerra do Paraguai, contra Brasil, Argentina e Uruguai, fez com que o país perdesse território, arrasou a economia e dizimou parte da população. Em reportagem de 2012, a revista "The Economist", sob o título "A terrível história do Paraguai", defendia que a guerra continuava viva no imaginário local.

"Historicamente nossos vizinhos nos querem resignados e nos levam coisas. Enchê-los de contrabando é uma maneira de nos afirmarmos", diz o comerciante Helio (ele não quis dizer o sobrenome), que vende produtos Apple no centro de Assunção.

"Minha família está toda no contrabando. Acabar com o contrabando no Paraguai é tirar a fonte de renda de boa parte da população", completa. Em sua loja, vende-se o iPhone 6 por US$ 650 –mesmo preço dos EUA.

No último dia 12, quando a Folha publicou a reportagem multimídia "Crime sem Castigo", que cita o contrabando vindo ao Brasil do Paraguai, internautas paraguaios comentaram o link reproduzido no jornal "ABC Color" com indignação, evocando o contrabando como parte de um orgulho nacional.

"Vamos entupir o Brasil de contrabando para compensar o que nos fizeram na história", dizia um. "Por que não mostramos o que o Brasil nos rouba na hidrelétrica de Itaipu?", perguntava outro.

OPOSIÇÃO

Assista

Também há os que chamam a atenção para o prejuízo paraguaio na disseminação do contrabando, sobretudo o de cigarros.

Em fevereiro, senadores da aliança de esquerda Frente Guasú apresentaram um projeto de lei para conter o consumo, o contrabando e a evasão fiscal subindo o imposto ao produtor de atuais 13% para 50% (no Brasil, é de 77%).

Quem lidera o movimento é a ex-ministra da Saúde e senadora Esperanza Martinez. Na apresentação do projeto, Martinez alertou que a evasão de divisas debilita o sistema de saúde paraguaio.

Segundo ela, o Paraguai registra hoje duas mortes por dia relacionadas ao consumo de tabaco. O Estado, alega, não tem recursos para tratar os doentes, pois o dinheiro para manter hospitais viria de impostos não arrecadados.

Os deputados pedem ainda campanhas educativas sobre o efeito do fumo, como há em outros países da região.

Editoria de Arte/Folhapress

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