Folha de S. Paulo


Publicitário de 70 anos vende ações de agência e se torna estagiário no Google

"Vovô está trabalhando no Google! Uau, me leva lá?" Alcançar aos 70 anos de idade o status de cool com o neto de oito talvez seja o grande troféu que Jacques Lewkowicz, vovô Jacó, ou o Lew da agência Lew'Lara/TBWA, levará para casa nesta nova etapa de sua vida.

Um dos maiores criativos do país, com 17 Leões de Cannes e autor de clássicos como a lei de Gérson, aquele que queria ganhar vantagem em tudo nas campanhas do cigarro Vila Rica, e "Eu sou você amanhã", que virou o "efeito Orloff", Lew achou que ia conseguir preencher o tempo da aposentadoria numa temporada de estudos em Nova York. "Mas tive uma crise de abstinência", brinca o publicitário, crachá de estagiário do Google no pescoço.

Davi Ribeiro/Folhapress
O publicitário Jacques Lewkowicz, fundador da LewLara/TBWA, na sede do Google
O publicitário Jacques Lewkowicz, fundador da LewLara/TBWA, na sede do Google

Desde fevereiro, ele é um dos mais velhos funcionários –no mundo– do gigante de buscas. Perde para Vint Cerf, 71, um dos criadores da internet e que ocupa o cargo de "vice-presidente e evangelista-chefe de internet".

A história de Lew no Google começou em 2013, quando o publicitário foi convidado a dar uma palestra na sede da empresa no Brasil, em São Paulo. Gostou da experiência e pediu ao diretor de agências do Google Brasil, Marco Bebiano, para passar três dias conhecendo a empresa e suas ferramentas.

Poucos meses depois, ele iria vender sua participação de mais de duas décadas na sociedade com Luiz Lara. A decisão de deixar o negócio vinha sendo estudada desde 2007, quando a Lew'Lara se associou à americana TBWA (atualmente, a agência é a 15ª maior do país em compra de mídia, com clientes como Friboi, Nissan e Vale).

Com a formalização de sua saída, Lew ganhou o cargo de "chairman" da agência –"Chairman, no fundo, no fundo, quer dizer aposentado", diz Lew, que não se enxerga como um setentão.

"A ficha não caiu sobre a minha idade. A vida toda trabalhando com meninos faz com que a minha idade desça muito. Só sinto que sou um senhor quando estou na academia e fico invisível para as meninas."

Os meninos eram Celso Loducca, Alexandre Gama, Marcelo Reis, Sérgio Valente – que viriam a se transformar em grandes nomes do mercado publicitário.

"Eu podia ficar só curtindo os netos, decorando as casas na praia e no campo e o apartamento em NY. Mas isso é pouco", diz, mostrando fotos de uma temporada de ski com os netos, em Aspen, no Colorado (EUA). A decoração é um resgate dos tempos de estudante, quando cursava arquitetura no Mackenzie.

Em sua estada em Manhattan no ano passado, entre um curso de literatura americana pós-1945 e outro de roteiro na NYU (New York University), deu palestra na TBWA e armou algumas visitas ao escritório do Google, localizado a uma quadra de seu apartamento com vista para o High Line, na 10ª Avenida.

Sentindo que a aposentadoria de Lew não era mesmo para valer, Bebiano, 39, aproveitou uma vinda do publicitário a São Paulo para lhe fazer a proposta. Em um almoço na Trattoria Fasano, ofereceu lhe uma vaga.

Lew nem titubeou e logo aceitou o convite do menino.

"O primeiro objetivo do programa é o Lew conhecer o Google e o Google conhecer o Lew", diz Bebiano, entusiasmado com a parceria.

E o que um publicitário "das antigas" pode trazer de novo para uma empresa ainda adolescente como o Google, 17? "Ele não tem os vícios de um jovem que nasceu no digital e acha tudo normal. Ele vem aberto para o novo e tem uma bagagem e uma profundidade que o jovem não tem", afirma o executivo.

Neste primeiro momento, Lew está passando por uma imersão, participando de palestras, fazendo visitas, conhecendo as pessoas. Acaba de voltar de uma semana em Los Angeles, onde foi conhecer o espaço de produção de vídeos do YouTube.

Mas o estágio de seis meses, que os dois lados demonstram disposição em prorrogar, terá de produzir resultados. A ideia, segundo Bebiano, é unir a criatividade de Lew com as ferramentas tecnológicas do Google para encontrar "novos caminhos para a propaganda no YouTube e apresentá-los ao mercado publicitário".

Criado no Bom Retiro, neto de rabino, Lew diz que não faz parte de seu novo trabalho criar campanhas para o Google ou qualquer cliente, muito menos concorrer a prêmios. "Não tenho mais expectativas de prêmio", diz, para depois emendar: "Mas Leão é um vício. Quem sabe?".

O emprego é levado a sério e ele cumpre rotina das 9h às 17h. "Às vezes peço umas licenças. Amanhã [sexta, dia 20] vou participar de um programa na escola dos netos." Como estagiário, divide baia e não tem secretárias. "Poderia ter aberto uma consultoria, ficado num escritório com uma secretária. Mas não ligo muito para isso, não. Eu pago minhas próprias contas." Nathalia Luna, gerente de projetos do Google e sua "buddy" –todos que entram na empresa são acolhidos por um companheiro ("buddy") que os ajuda a navegar na cultura empresarial–, é quem organiza a programação e a agenda de reuniões.

"É uma agenda carregada, a Nat não pega leve, não."

RH

Depois de décadas dono do próprio nariz, Lew teve de se submeter aos protocolos de recursos humanos da multinacional americana.

Foi preciso encontrar a carteira de trabalho, a qual ele não via a cor desde 1971, produzir um currículo –ele até tentou mandar um texto elogioso escrito por André Laurentino quando entrou para o Hall da Fama do Clube de Criação, em 2006, e fazer o exame admissional.

Ninguém entendeu quando aquele senhor de barba grisalha, dirigindo uma Mercedes CLA 45 AMG, chegou na clínica de exames. "Fiquei com vergonha, tinha umas 50 pessoas ali. Mas fiquei sentadinho esperando minha vez."

Lew não revela o salário, simbólico. Dispensou o seguro-saúde corporativo, mas conseguiu garantir uma vaga para o seu Mercedes. Recebe vale-refeição e tem as despesas de viagem pagas.

Se tem uma coisa a qual ele não se adaptou foi ao bandejão do Google –como um bom publicitário, prefere a Trattoria Fasano, onde a conta de um único almoço supera seu vale-refeição.

Mas nem só de Google vive o novo Lew. Na temporada de estudos em Nova York, escreveu uma adaptação do conto "Reunion", de John Cheever, sobre um pai e um filho que se reencontram, e se desencontram, na Grand Central Station. Seu sonho é ver o roteiro rodado pelo filho, Rodrigo Lewkowicz, diretor de cinema.


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