Folha de S. Paulo


Redes de bancos suíços para atrair brasileiro vão de gerente a socialite

De gravatas Hermès para diretores de pequenas agências do banco a comissões generosas para socialites, amigos e advogados que circulem entre milionários brasileiros, banqueiros suíços ou estrangeiros operando na Suíça usam mimos e artifícios para arrebanhar clientes abastados interessados em tirar parte da fortuna do Brasil.

Nessa guerra de sedução dos bancos, cada vez mais acirrada pela competição de lugares como Londres, Hong Kong ou Cingapura, vale quase tudo, segundo descreveram à Folha dois banqueiros em Genebra (um suíço, outro brasileiro) sob condição de não terem o nome revelado.

REUTERS/Pierre Albouy
A sede do HSBC em Genebra, banco está no centro do escândalo 'Swissleaks'
A sede do HSBC em Genebra, banco está no centro do escândalo 'Swissleaks'

Do primeiro contato no Brasil à abertura de uma conta na Suíça, há uma cadeia de pessoas que seguem códigos não escritos e uma organização impecavelmente suíça. Nesse processo, o dinheiro pinga aos poucos. E todo mundo ganha.

Com os bancos suíços perdendo milionários na Europa com a caçada aos que fogem do fisco em países que tentam aumentar a arrecadação em tempos de crise, como a Alemanha e a França, os banqueiros suíços se voltam para países emergentes.

Um estudo da Associação de Banqueiros Suíços (ABS) e do Boston Consulting Group publicado em outubro passado revela que, em 2013, fortunas emergentes da América Latina, Ásia, Oriente Médio e África ultrapassaram as fortunas da Europa e América do Norte nas contas desses bancos: são 55% dos ativos.

SOB MEDIDA

Três tipos de bancos disputam a clientela no Brasil.

O primeiro são os grandes bancos comerciais estrangeiros, como o britânico HSBC, o espanhol Santander e o americano Citibank, cujo forte não é gestão de fortunas e sim operações tão diversas quanto o varejo e empréstimos a países.

Embora menos especializados, sua vantagem é a extensão de sua rede, que usam para atrair ao exterior milionários que vivam longe dos maiores centros urbanos do Brasil, como grandes fazendeiros de Mato Grosso do Sul.

Por isso não surpreende os banqueiros em Genebra o fato de o Brasil ser o quinto país em número de nomes no "Swissleaks" –a lista de 106 mil clientes do HSBC da Suíça entre 2006 e 2007, de 203 nacionalidades, que expôs práticas de evasão.

Os documentos, vazados pelo ex-técnico de informática do banco Hervée Falciani e difundidos pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos, revelaram um extenso esquema de fraude fiscal e lavagem de dinheiro.

Um banqueiro suíço afirma que um banco como o HSBC conquista clientes em cidades menores por ter agências lá. Já um banco tradicional porém menor, como o Pictet, especializado em gestão de fortunas, não ressoa com o público amplo.

Entra em cena, então, o diretor de agência. É ele quem vai ser o primeiro contato para que o cliente com menor cultura financeira abra uma conta no exterior.

"Em muitos casos assim, é o brasileiro que chega no gerente e diz que quer abrir uma conta fora. O cara da agência vai receber em troca umas gravatas Hermès ou uma comissão", afirma o banqueiro.

"Isso não é oficial. Difícil que um banco assuma dar bônus a quem consiga levar a fortuna do cliente para fora."

A partir do gerente, entra em ação um contato brasileiro do banco. Se o montante for grande, suíços ou brasileiros radicados na Suíça são despachados de fora. São eles que fecharão o negócio.

No segundo bloco, estão os grandes bancos comerciais suíços multinacionais, como o UBS e o Crédit Suisse. Não têm rede de agências no Brasil, mas têm outras ligações com o país pelas quais estendem seus contatos. Em 2006, por exemplo, o UBS comprou o BTG Pactual e virou UBS Pactual até ser comprado pelo BTG Investments.

ESPECIALIDADE

A terceira categoria é a grande especialidade suíça: os chamados bancos privados, que só lidam com fortunas, como o citado Pictet e o Mirabaud. Nesses, só abre conta quem é apresentado por alguém que já seja conhecido pelo banco.

O valor mínimo para iniciar um relacionamento com o banco é de US$ 500 mil (R$ 1,44 milhão, pela cotação de sexta, 27 ). "Mas se a filha de um bilionário vier com US$ 5.000, a gente abre", ironizou um dos banqueiros.

Entra em ação um time sofisticado: pessoas ricas ou bem relacionadas, como advogados, que circulem no jetset para apresentar seus amigos milionários.

Muitos ganham comissões generosas. O que o cliente não sabe é que essa comissão sai da fortuna dele, camuflada no pagamento de serviços ou aplicações do dinheiro.

Finalmente, em torno dessas três categorias, operam os banqueiros independentes, ex-funcionários dos grandes bancos que abriram o próprio negócio. Sua especialidade é guiar o milionário na selva do mundo financeiro –onde, como e em que banco colocar sua fortuna para investimentos.

O tratamento é à la carte, com alguns banqueiros assumindo quase o papel de babá. Um deles exemplifica com um hipotético cliente com US$ 25 milhões na conta.

Nesses casos, para o banco, diz, pagar US$ 50 mil para a escola dos filhos do cliente na Suíça não é nada.

BANCOS SUIÇOS

283 bancos
atuam na Suíça

US$ 6,1 tri
é o total de ativos administrados por eles

51,3%
desse total é de ativos estrangeiros

2,3%
é a fatia dos 11 'private banks' no mercado suíço

46,4%
é a fatia dos grandes bancos locais, Credit Suisse e UBS

1 em cada 10
trabalhadores suíços está em um banco, ou

105,7 mil
pessoas


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