Folha de S. Paulo


Economista critica liberais e desenvolvimentistas em livro

O economista brasileiro se forma distante dos problemas do país e é ignorante em relação aos pensadores que teorizaram sobre a realidade nacional. Há uma lobotomia acadêmica. A universidade foi reduzida a mera formadora de mão de obra e a instrumento de colonialismo mental, cultural e científico.

O diagnóstico está em "O Colapso do Figurino Francês", de Nildo Ouriques, professor de economia e de relações internacionais e presidente do Instituto de Estudos Latino-americanos na Universidade Federal de Santa Catarina.

Coautor de "Crítica à Razão Acadêmica (Insular, 2011), o Ouriques avalia os meandros do ensino universitário e das ideias discutidas pela elite.

Faz duros ataques a tucanos, petistas e desenvolvimentistas. Seu alvo principal é a intelectualidade paulista.

Para ele, a crise mundial, a partir de 2008, evidencia o desastre das ideias neoliberais, mas elas continuam sendo ensinadas. Professores universitários, mesmo gozando de liberdade acadêmica, "de bom grado se dedicam à 'servidão voluntária' de órgãos nacionais e estrangeiros de financiamento de pesquisa interessada".

No livro, o figurino francês, que está em colapso, quer "perpetuar no Brasil o desconhecimento da importante contribuição do pensamento crítico latino-americano no desenvolvimento das nossas ciências sociais".
Nomes como Ruy Mauro Marini, André Gunder Frank, Álvaro Vieira Pinto, Alberto Guerreiro Ramos são sistematicamente ignorados do debate –alguns tiveram até suas teses falsificadas, diz. A questão nacional, explorada por esses autores, fica no ostracismo.

Hoje, o que vigora na academia é o "figurino gringo", importado dos EUA, berço da enrascada econômica que arrastou o mundo para a maior hecatombe em décadas. "Publicar em inglês, pensar em inglês, escrever em inglês, eis o novo lema!", afirma.

Na sua visão, a ditadura militar foi o principal instrumento para a derrota do pensamento crítico no Brasil, sufocando o "compromisso político com as classes subalternas" e submetendo programas de pesquisa a centros metropolitanos. Houve, segundo ele, um exitoso processo de esterilização das ciências sociais no Brasil.

Esse "apagão mental" continuou, perpassando governos do PSDB e do PT. Traçando identidades entre os dois grupos (que ele define como partidos siameses), Ouriques opina que "a 'esquerda petista' no governo não passa de continuísmo do tucanato paulista com pitadas de caridade católica".

Nesse quadro, as bases para um desenvolvimentismo também estão bloqueadas em razão do virtual desaparecimento de uma burguesia industrial produtora de máquinas e de equipamentos:

"O fim das ilusões semeadas pela 'alternativa petista' criada na década de 1980 e o impacto da crise inaugurada em 2007/2008 abalam fortemente o minguado neodesenvolvimentismo", escreve.

De acordo com o economista, "qualquer agremiação no poder mantém intactos os interesses da elite paulista". Mas, advoga, o momento é de mudança e será "preciso sair do cativeiro paulista".

Ele destaca a importância da volta do movimento de massas no país e considera que "a teoria marxista da dependência voltou a circular com renovada força". Ouriques defende um projeto nacional, popular e socialista.

No livro, há poucas pistas para o desenho dessa ideia. A ênfase está na crítica estridente à cultura econômica dominante.

Sendo uma coletânea de textos, o conjunto do trabalho por vezes se torna repetitivo e circular. Uma revisão e um acabamento mais cuidadosos, junto com um esforço didático, melhorariam muito a obra. Muitas afirmações carecem de aprofundamento.

Por exemplo, quando o autor define a desindustrialização como um "grito da fração industrial destinada a arrancar do Estado compensações e benefícios diante de sua incapacidade de competir com os capitais internacionais".

Mesmo com falhas e omissões, o livro traz irreverência e audácia ao modorrento debate sobre economia.

O COLAPSO DO FIGURINO FRANCÊs
AUTOR Nildo Ouriques
EDITORA Insular
QUANTO R$ 40 (208 págs.)
AVALIAÇÃO Bom


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