Folha de S. Paulo


Projetos cancelados da Petrobras deixam rastro de demissões e dívidas

Os empresários de Três Lagoas (MS) não atendem mais ligações identificadas como "confidenciais". Temem que sejam bancos ou alguém querendo cobrar uma dívida.

Eles forneciam produtos e serviços à obra da UFN3, fábrica de fertilizantes da Petrobras que estava sendo construída no município. Os trabalhos foram interrompidos em dezembro e continuarão parados, como anunciou a estatal no dia 28.

José Linhares Jr./Folhapress
Obra abandonada de hotel em Bacabeira (MA), que receberia refinaria da Petrobras
Obra abandonada de hotel em Bacabeira (MA), que receberia refinaria da Petrobras

O consórcio construtor deve, segundo a associação comercial local, R$ 37 milhões a esses empresários, que dizem ter demitido mil funcionários e contraído dívidas para honrar compromissos.

Histórias de gente que apostou no progresso prometido por uma obra da Petrobras e se frustrou ecoam em Bacabeira (MA) e São Gonçalo do Amarante (CE). Os municípios receberiam, respectivamente, as refinarias Premium I e Premium II, cujos projetos foram abandonados.

"Minha vida toda está lá dentro", diz José Maria Castilho Filho, dono de uma empresa de locação de equipamentos que forneceu geradores, compressores e motores para a obra da UFN3. Ele afirma que o consórcio lhe deve cerca de R$ 800 mil e que as 200 máquinas que locou, avaliadas em R$ 750 mil, estão retidas no canteiro da estatal.

"Estamos que nem camisa na boca da vaca. Se puxar, rasga; se deixar lá, ela come", afirma ele, que demitiu 26 dos 30 funcionários –os últimos quatro escaparam porque faltou dinheiro para a rescisão.

Quem também enfrentou dificuldade para receber as rescisões foram os 6.000 operários demitidos pelo consórcio em 2014. Outros 139, segundo o sindicato, estão no limbo: não foram dispensados porque têm estabilidade (dirigentes sindicais, gestantes e pessoas afastadas por doença), mas estão sem atividade desde dezembro.

É o caso do auxiliar de mecânica Claudenilson Lopes Ribeiro, 21. Ele não pode ser demitido até o próximo dia 18 devido a um acidente em fevereiro passado, quando sua mão ficou presa entre uma viga e um dormente ao operar um macaco hidráulico.

"Estou sem receber há dois meses e não posso nem correr atrás de outro emprego porque minha carteira não está assinada [com a rescisão]", diz o operário, que saiu de Pinheiro (MA) para Três Lagoas atraído pela obra da fábrica de fertilizantes.

A mulher, Camila, 18, sustenta a quitinete do casal com os R$ 900 que ganha como doméstica. Água, luz e as prestações dos móveis e do celular estão atrasadas.

No Maranhão de Claudenilson e Camila, o município de Bacabeira tenta assimilar o vazio deixado pela suspensão da refinaria Premium I.

A obra de um hotel com 150 apartamentos que, segundo a prefeitura, teria metade de suas unidades alugadas pela Petrobras foi abandonada.

Dois grandes restaurantes foram erguidos após o anúncio da refinaria. A dona de um deles, Francisca Enes, calcula em R$ 50 mil seu prejuízo.

Com problemas similares, o prefeito de São Gonçalo do Amarante, Cláudio Pinho (Pros), tenta convencer investidores e o governo estadual a construir uma refinaria no município, que seria beneficiado pela Premium II.

"Se a Petrobras quiser, pode entrar de sócia com o terreno que foi doado a eles pelo governo", diz.

Questionado sobre as perdas provocadas pelo cancelamento da obra, o prefeito resume a frustração de seus conterrâneos: "Não posso mensurar o que não existiu".

OUTRO LADO

O Consórcio UFN3, responsável pela obra suspensa da fábrica de fertilizantes em Três Lagoas (MS), exige na Justiça a retomada do contrato rescindido pela Petrobras.

Liderado pela petroleira chinesa Sinopec, o consórcio inclui a Galvão Engenharia, que afirmou, por meio de assessoria, reivindicar com ação em juízo o reconhecimento de seus direitos. O caso corre sob segredo judicial.

A Folha apurou que o consórcio pede o ressarcimento de perdas estimadas em mais de R$ 1 bilhão –incluindo serviços adicionais solicitados pela Petrobras, o reequilíbrio financeiro do contrato e danos causados por rescisões trabalhistas e atrasos no pagamento de fornecedores.

Questionada sobre os equipamentos retidos no canteiro de obras, a Petrobras não respondeu até a conclusão desta edição. A Folha não conseguiu fazer contato com a Sinopec nem com o consórcio Siemar, responsável pela construção da refinaria Premium I, em Bacabeira (MA).


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