Folha de S. Paulo


Gaúchos exportam trigo contaminado

Sem mercado no Brasil, milhares de toneladas de trigo de má qualidade, que pode provocar náuseas, estão sendo exportadas para países da África e da Ásia.

A maior parte da safra do Rio Grande do Sul foi afetada por um fungo que se beneficia do excesso de umidade.

Desde 2011, o Brasil tem normas que estabelecem limites para a presença nos alimentos de micotoxinas, substâncias produzidas por fungos. Se esse limite é ultrapassado, o trigo não é indicado nem ao consumo de animais.

Na Europa e na América do Norte, esse tipo de controle já era comum. A saída encontrada por produtores, então, foi exportar parte da safra a baixos preços para locais como Nigéria, Vietnã, Filipinas e Indonésia, segundo a Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul.

Segundo estimativa da entidade, da produção de 1,7 milhão de toneladas no Estado neste ano, 1 milhão foi afetado e deve ir para esses destinos, sendo que 700 mil já foram negociados. Os produtores não costumavam exportar para esses países.

Editoria de Arte/Folhapress

O presidente da federação, Carlos Sperotto, diz que cada país define as regras para o consumo humano. "As condições de sanidade, de venda do produto, competem a quem compra", afirma.

Sperotto evita falar sobre os riscos à saúde, limitando-se a dizer que os produtores tiveram de buscar mercados de poder aquisitivo baixo. Uma saca de 60 quilos, que teria um preço de cerca de R$ 30, foi vendida a R$ 17.

O Brasil não é autossuficiente em trigo e depende de importações de países como a Argentina para atender ao mercado interno.

SEM TECNOLOGIA

O professor Carlos Augusto Mallmann, responsável pelo Laboratório de Análises Micotoxicológicas da Universidade Federal de Santa Maria (RS), diz que a substância, também chamada de "vomitoxina", é muito controlada pela indústria do setor. Até 2018, o rigor das normas no Brasil irá aumentar.

"Ela afeta o sistema nervoso e diz para o organismo: não coma." Mas muitos países não "atentam" a esse problema, diz Mallmann.

Segundo ele, não há uma tecnologia simples para eliminar a micotoxina do trigo.

Diante da quebra da safra e da má qualidade, os gaúchos pediram ajuda ao governo federal. Com a má qualidade, porém, eles não conseguem nem inserir a produção em um programa federal de leilão, diz o presidente de uma cooperativa de trigo do noroeste gaúcho, Ivo Batista.

"É o primeiro ano que isso ocorreu em grande escala na nossa região", diz Batista.

Ele diz que 80% da colheita de baixa qualidade da cooperativa, que reúne 4.000 produtores, já foi exportada, sobretudo para a África.

A reportagem procurou, desde sexta-feira (19), as embaixadas dos países que receberam a carga, mas não localizou nenhum representante para comentar o assunto. O Ministério da Agricultura informa que faz a análise da qualidade do trigo que é importado pelo Brasil, e não do que é exportado.


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