Folha de S. Paulo


Enquanto escola pública encolhe, particular cresce

Ao trocar sua filha de escola, a autônoma Denise Galiano Gomes, 31, reforçou um movimento cada vez mais evidente no país: a migração de estudantes de escolas públicas para as particulares.

Segundo dados do Ministério da Educação, os colégios particulares tiveram aumento de 21% nas matrículas nos últimos cinco anos. As públicas encolheram 10%.

EDUCAÇÃO
Demanda por qualidade atrai investimentos

Em números absolutos, a rede particular ganhou 1,5 milhão de alunos, e a pública perdeu 4,7 milhões (os dados são influenciados também por fatores como a queda na taxa de fecundidade).

No caso da família de Denise, que vive na Vila Carrão, zona leste de São Paulo, a migração ocorreu ano passado. "Faz tempo que queríamos mudar, mas foi quando nossas condições financeiras permitiram", disse.

O presidente do sindicato das escolas particulares de São Paulo, Benjamin Ribeiro da Silva, atribui o crescimento da rede privada à melhoria da situação econômica das famílias ocorrida no país a partir da década passada -especialmente para as classes mais pobres.

"Tanto que o crescimento de matrículas aparece mais em regiões periféricas. São os famosos novos 40 milhões na classe média", afirmou.

Pesquisa do Datafolha feita neste ano mostra que quase a metade das escolas particulares de ensino médio na capital paulista cobram mensalidades de até R$ 1.000. Só 5% passam dos R$ 2.000.

A família de Denise desembolsa R$ 1.200 mensais para que Maria Eduarda, 15, curse o ensino médio no colégio Mary Ward, no Tatuapé. Já houve atraso no pagamento, mas o problema foi sanado.

QUALIDADE

Os indicadores das escolas particulares como um todo são sedutores. A média delas no Enem, por exemplo, é 25% maior do que a das escolas estaduais em matemática. O número de alunos por turma é menor, e a de horas letivas por dia, maior.

Além disso, outro fator destacado por especialistas é que as escolas particulares podem demitir professores que faltam muito ou têm baixo desempenho, diferentemente das instituições oficiais.

Foi justamente pela expectativa de um curso melhor que a jovem Maria Eduarda foi para a rede particular. Ela quer cursar medicina assim que se formar no colégio. Após dois anos na escola, se diz satisfeita. "É bem mais puxado, tem mais matéria e explicações", afirmou.

A escola atual é a 290ª melhor do Estado no Enem, entre as 2.435 avaliadas. Coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara afirma ser natural que as famílias tentem colocar os filhos em escolas particulares assim que tenham condições.

Mas em muitos casos, diz ele, a troca é enganosa, porque uma escola com mensalidade baixa pode ter uma qualidade semelhante ou até pior do que uma pública. Cerca de 10% das escolas particulares no país têm média equivalente ou inferior a das públicas no Enem.

POLÍTICA PÚBLICA

Pesquisador sobre políticas educacionais na USP de Ribeirão Preto, José Marcelino Rezende Pinto vê a migração como fator negativo para o sistema educacional.

"Ela retira da escola pública as crianças com mais capital cultural e renda. Vão ficando só aqueles sem voz para repercutir a demanda por uma escola de qualidade", afirmou o pesquisador.

Apesar da queda no número de alunos, o sistema público do país ainda concentra 83% das matrículas. "Como apontam as pesquisas do mundo todo, em função do 'efeito dos pares', é fundamental uma escola bem misturada", completou.

No caso da família da Denise, porém, a ideia é não arriscar. Os outros dois filhos, hoje no sistema público, também devem ir para a rede particular assim que chegarem próximos ao ensino médio.


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