Folha de S. Paulo


Todo consumidor gosta de enganar em pesquisas, diz presidente da Talent

As pesquisas de mercado continuam relevantes para informar as marcas e as agências. Mas é preciso saber como conduzi-las para extrair respostas sinceras.

"O consumidor gosta de enganar pesquisas", diz José Eustachio, 57, presidente da agência Talent. "Ele costuma dar as respostas que acredita que o entrevistador gostaria de ouvir, que são politicamente mais aceitáveis e que o promovam. Não é sincero."

Para Eustachio, que participou nesta segunda-feira (17) do Arena do Marketing, evento realizado pela Folha em parceria com a ESPM, o consumidor tende a mentir mais em pesquisas quantitativas "do tipo xizinho, com 5.000 pessoas, feitas em pé na avenida Paulista".

Mas, mesmo nas qualitativas, falta sinceridade e, para driblar isso, diz ele, é preciso saber fazer as perguntas certas e ter repertório para interpretar as respostas.

Contar com profissionais de sociologia e psicologia também pode ajudar a iluminar as respostas.

Para o professor Ismael Rocha, diretor acadêmico da ESPM-SP, que dividiu com Eustachio o palco do Arena, pesquisa "não é um corrimão", que te guia até a resposta. "Ela te abre um cenário. Daí a necessidade de repertório para os profissionais que leem as pesquisas", disse Rocha.

E esse repertório, na visão de Eustachio, constrói-se com curiosidade e cultura: "É preciso ler e ler de tudo. Não apenas livros de marketing. Não existe consumidor, mas pessoas. E você aprende muito sobre pessoas lendo livros".

Adriano Vizoni/Folhapress
José Eustachio, presidente da agência Talent, participa do Arena do Marketing, na ESPM
José Eustachio, presidente da agência Talent, participa do Arena do Marketing, na ESPM

EMOCIONAL

Com tantas marcas competindo pela atenção do consumidor, destacam-se aquelas que conseguem se relacionar com seu lado emocional. "As pessoas compram com a emoção. Não com a razão. Isso explica por que alguém que só anda na cidade compra um carrão para andar no mato."

Por isso, diz ele, a comunicação tem que seduzir. "Tem que ser uma verdade, mas apresentada de forma que encante. Não pode ser chato. As pessoas toleram qualquer coisa, menos os chatos."

Para Eustachio, o ser humano está o tempo todo em busca de compensações e suas escolhas como consumidor atendem a esse anseio.

"As pessoas compram para se sentir importantes, modernas, ricas ou até mais bonitas. É da natureza humana sempre buscar o prazer e fugir do desconforto", diz.

"Não é por acaso que há fila em restaurante e não para tomar vacina."

NENHUMA BRASTEMP

Durante o bate-papo, Eustachio contou os bastidores de um dos bordões mais famosos da agência, que entrou para o repertório popular: "Não é, assim, nenhuma Brastemp".

A frase surgiu após pesquisas com consumidores.

No início dos anos 1990, a fabricante de eletrodomésticos estava sofrendo concorrência de preço.

A marca procurou a Talent para fazer uma campanha que mostrasse que seus produtos eram diferentes.

A agência foi então a campo e entrevistou um grupo de consumidores que havia comprado Brastemp e outro que comprara produtos de concorrentes.

"Descobrimos que a marca era percebida como sendo de qualidade pelos dois grupos. Mas quem tinha comprado falava orgulhoso: comprei uma Brastemp. Quem havia comprado outra marca quase que pedia desculpas por não ter comprado Brastemp. Uma dizia: 'Foi meu marido que comprou, nem me perguntou'."

Desse insight, contou o executivo, surgiu a ideia de fazer uma campanha humorada falando do "consumidor envergonhado".

Agência que se destaca pelo relacionamento de longo prazo com clientes, a Talent assina campanhas que ficam bastante tempo no ar, como "o mundo é dos NETs" e "Passa lá no Posto Ipiranga".

"Trabalhamos com poucos clientes -16, quando agências do mesmo porte têm cerca de 30- para podermos dedicar tempo para cada um deles", diz Eustachio.

O Arena é realizado mensalmente no estúdio de rádio da ESPM em SP, com transmissão ao vivo pela internet.


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