Folha de S. Paulo


Melhor incentivo para aumentar patentes é o bolso, diz pesquisador

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Maior e mais antigo centro de pesquisas do Brasil, fundado há 115 anos, o IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) teve um papel fundamental no desenvolvimento do parque industrial do Estado de São Paulo.

Transformado em Sociedade Anônima em 1976, o instituto fatura cerca de R$ 100 milhões com a prestação de serviços de análises, laudos, ensaios e assessoria.

INOVAÇÃO INDUSTRIAL
Incentivo à criação começa a se difundir

Apenas um terço de seu faturamento vem de repasses do governo do Estado. Nos institutos de pesquisas mais badalados dos países desenvolvidos, como o alemão Fraunhofer, o setor público entra com dois terços do orçamento, seja por meio de repasses diretos, seja por meio da contratação de pesquisas.

Mas o sucesso empresarial do instituto, que viu seu faturamento dobrar na última década, impõe desafios à sua capacidade de inovação e renovação, por sua vez de grande importância para a competitividade da indústria.

O faturamento com inovação vem crescendo -saiu de 10% há quatro anos para 20% este ano-, e o plano é atingir 40% até 2018. Leia e entrevista com o presidente do IPT, o engenheiro Fernando Landgraf.

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Folha - Este ano o IPT deve atingir a marca de 65% de receita própria, com R$ 105 milhões, o dobro de uma década atrás. O que explica esse sucesso?

Fernando Landgraf - A marca de 65% é recorde desde que o IPT virou empresa e passou a ter de gerar receita, em 1976.

Mas consideramos que há nisso um certo exagero. Ter que faturar tanto como a gente tem que faturar para pagar salário prejudica nossa capacidade de preparação para o futuro.

Os centros de pesquisa mais badalados, como o Fraunhofer, na Alemanha, têm dois terços de seus custos bancados pelo setor público.

Em nenhum lugar do mundo um instituto de pesquisa sobrevive sem recursos do Estado. Investimos apenas 10% do orçamento em projetos que preparem nossas equipes para o futuro, enquanto o razoável seria 20%.

Mas, de qualquer forma, a crise que afeta a indústria parece passar ao largo do IPT. Vocês devem crescer quase 6% este ano enquanto a economia, e principalmente a indústria, patina.

A gente conversa muito com os empresários, com quem está comprando. E tem ouvido muito essa frase: em momento de crise, temos que investir em inovação.

Não dá pra dizer que todas as companhias estão fazendo isso e que vai continuar ano que vem se a crise piorar muito. Investimento em inovação tem limite.

É inegável que um ambiente mais competitivo favorece investimentos em inovação.

As barreiras que o Brasil sempre colocou [ao comércio] protegiam o mercado interno e afastavam a competição. Mas a China alterou profundamente isso e muitas empresas sumiram. As que ficaram estão investindo mais em P&D.

Será que o investimento total está diminuindo ou na verdade o que está diminuindo é a indústria e as sobreviventes estão investindo mais?

Talvez seja isto que esteja acontecendo. Hoje no Brasil há empresas de grande porte com uma postura de inovação muito diferenciada.

Gerdau, Braskem, CBMM, InterCement. Hoje a Gerdau é um player internacional em uma coisa superespecífica que é rolo de laminação, porque há mais de dez anos fez um planejamento estratégico envolvendo o IPT e a USP.

Outro motor de investimento em inovação é a questão ambiental, que até pouco tempo atrás era visto como frescura. Hoje as empresas estão colocando dinheiro de verdade na questão ambiental.

Quais são as apostas de futuro que o IPT está fazendo?

Estamos conduzindo 40 projetos muito variados. Da alta tecnologia, buscando identificar oportunidades de negócios para daqui a cinco anos no assunto da manufatura aditiva (impressora 3D) e como isso vai se dar em larga escala na indústria, até, no outro extremo, pensar em uma solução para conter a poluição difusa que vai para o córrego do Jaguaré quando cai a primeira chuva. Será que tem alguma maneira tecnológica para recolher a primeira água que lava a rua e leva toda a imundice contaminada (pó de pneu, pó de freio de automóvel e de garrafa pet), que vai para o Jaguaré?

São extremos de exemplos de pesquisas em que a gente investe recursos próprios para mais para frente tentar oferecer negócios para alguém.

Quais as principais fontes de faturamento para o IPT hoje?

Metade das receitas próprias, cerca de R$ 50 milhões, é venda de serviços metrológicos: análises, laudos, certificados, ensaios.

São 3.500 empresas que compram esses serviços anualmente. Vai desde a análise de carbono em aço até análise de qualidade de combustíveis que a gente vende para a ANP.

Uma fração disso, que a gente ignora quanto é, corresponde a coisas que serão inovação no cliente. A empresa compra um ensaio para controlar a qualidade de algo que ela está desenvolvendo. Faz parte do nosso plano para 2015 identificar quanto do que a gente vende de laudos está relacionado com inovação na indústria.

A receita com serviços de pesquisa em inovação saiu de R$ 1,5 milhão em 2007 para R$ 20,7 milhões no ano passado. A que o sr. atribuiu esse crescimento? Algum esforço interno ou as empresas estão demandando mais serviços de inovação?

Há alguns anos identificou-se que o instituto estava investindo muito pouco em inovação e foi feito um esforço nessa direção.

Foi criada uma diretoria de inovação para trabalhar nessa ampliação.

De outro lado, surgiram novos mecanismos de apoio à inovação no país que se adaptam às características do IPT.

Um deles é uma linha do BNDES, o Funtec, que admite o uso dos recursos para pagamento da mão de obra.

O IPT é experimento de gestão. Nossa mão de obra não está paga. Tenho que vender projeto para pagar salário. E o governo brasileiro não está preparado para trabalhar com uma instituição assim. Ele está acostumado a financiar pesquisa para a universidade, onde o salário está pago.

Em geral, está proibido quase que pela Constituição pagar mão de obra. O BNDES autorizou isso e nós pudemos entrar. Mas é capaz de ter alguém que ache que é ilegal fazer isso.

Há ainda um outro mecanismo criado pelo governo federal que tem alavancado as receitas com inovação: o Embrapii, que agilizou muito os investimentos em pesquisa. O dinheiro é pré-aprovado para o IPT e temos liberdade de decisão para fechar contratos com as empresas. As empresas gostam muito disso, mesmo que tenham que dar uma contrapartida maior para os projetos. Então o IPT está surfando nessa boa onda.

Nos últimos quatro anos, o percentual de inovação nas nossas receitas saiu de 10% (2009) para 20%. Nosso plano é, chegar em 40% em 2018.

É um enorme desafio. É mudar muito a estrutura do IPT. O que vamos diminuir se quiser aumentar inovação? Estamos discutindo isso aqui dentro da casa.

O baixo nível histórico de investimento das empresas em inovação no Brasil se explica pela falta de modelos adequados de financiamento ou falta de cultura e interação entre academia e setor privado?

Aparentemente, pelos números que acompanho, o investimento industrial em P&D não está aumentando. E no entanto a gente não vê isso.

Ou a nossa experiência é muito particular ou as estatísticas não estão medindo direito. Porque essas estimativas de investimento em P&D do IBGE são construídas a partir de extrapolações e um viés de retrovisor.

Digamos que a auditabilidade do número é fraca. Tendo a apostar que nós não somos um caso isolado.

E não são só empresas grandes que estão investindo. O BNDES tem o viés de empresa grande. Mas a Embrapii está sendo muito procurada por empresas menores. A Embrapii não quer saber quem está pedindo o recurso pra inovação. Temos empresas da área farmacêutica, que não são grandes, mas que estão investindo.

O sr. diria que esses são os melhores modelos de financiamento existentes no Brasil?

De que nós participemos, são. O IPT tem um "problema". Tem que gerar recurso próprio. Não só temos o desafio de gerar recurso próprio, como somos penalizados pelo sistema por fazer assim. Há os programas da Fapesp, do Finep. O IPT pode se candidatar e se candidata. Mas não pode usar esses recursos pra pagar mão de obra. E numa pesquisa, o que custa mais caro é mão de obra: 80% das nossas despesas é com pessoal.

E os recursos que vão para pesquisas nas universidades não chegam às empresas.

É verdade. Mas há outras causas para a falta de interação entre universidades e empresas.

Aqui nós temos um departamento jurídico próprio onde negociamos contratos de propriedade intelectual. As universidades são mais amarradas, ligadas às procuradorias gerais.

O outro lado da história é que se criou um mito de que as instituições de ensino vão ganhar muito dinheiro com inovação e propriedade intelectual. Existe uma certa tendência de adotarem uma posição muito leonina, de quererem 5% de royalty.

Se olhar o mundo, não é assim.

Mas claro que também tem o lado das empresas, que também são leoninas. O que acontece quando você põe dois leões frente a frente? Dois anos de negociação.

As grandes empresas brasileiras estão aprendendo a aceitar a ideia de compartilhar a propriedade intelectual. Mas é difícil. Você pega empresas do tamanho da Petrobras e da Embraer, elas jogam pesado. Dá pra entender. Quando uma empresa como essa traz uma questão para ser desenvolvida, tem um enorme conhecimento que ela está trazendo.

Não é assim: o IPT inventou um negócio e está oferecendo para a Petrobras. São elas que trazem um problema, com toda a sua experiência e vêm negociar com a gente. Quanto é que vale isso? O padrão é: a propriedade intelectual é proporcional ao investimento. Mas espera aí. E todo o enorme conhecimento que a empresa está trazendo para o jogo?

É diferente de quando é uma ideia que o instituto que leva para a empresa.

Como o sr. vê o estado da propriedade intelectual no Brasil?

A grande critica é o prazo. Demora oito anos para conceder uma patente.

Qual é o motivo? Quantos funcionários tem o Inpi? A gente vive esse dilema. Todo mundo diz que o Estado é grande, mas depois reclama que as coisas demoram para sair.

Se não botar mais gente para analisar patente, como é que eu quero que tenha resultado rápido? Mas a Fazenda não libera verba para fazer concurso. Como fazer?

Esse tema não é prioridade no país.

A discussão do orçamento não passa por essa questão de prioridade. Não sabemos fazer essa discussão.

A prioridade é educação, saúde ou propriedade intelectual? Se ficar nessa discussão nunca vamos chegar na propriedade intelectual.

Se a gente não tiver quadros técnicos nos ministérios e secretarias, que possam discutir essas coisas, fica difícil. É irritantemente vagaroso. Mas está mudando.

Por que geramos pouca patente? Falta gente para analisar ou propomos pouca patente?

É chocante, mas propomos pouca patente. É uma questão cultural. Será que Weber [Max Weber, autor de "A Ética Protestante"], pode explicar porque somos poucos inovadores?

O país é pouco inovador e o pequeno número de patentes reflete isso irritantemente. O fato é que não estamos acostumados a fazer isso.

Também não estávamos acostumados a publicar artigos, mas bastou o CNPq avisar que a bolsa de produtividade iria depender do número de artigos publicados que a gente conseguiu aumentar enormemente.

Será que se houver incentivos vai aumentar o número de patentes? Se os artigos publicados são bons é outra discussão. Mas se a gente estimular patentes, será que vamos começar a gerar um monte de patente que não serve para nada?

Quantas patentes vocês produzem por ano? Há metas?

Uma média de oito, número que não cresce. Temos metas, sim. E são as que a gente mais fura.

É uma questão cultural?

Acredito que sim. Escrever patente não é como escrever artigo.

A gente dá treinamento. Mas é a pedreira. Tem que ler as patentes que outros fizeram para poder escrever a sua e poder argumentar. Mas ler patente é muito chato.

A patente é escrita para não contar o que o cara inventou. Tem que proteger e não contar a sua receita. É preciso ter um departamento e dar incentivos.

Não adianta montar uma equipe e colocar pessoas para ajudar. Tem um trabalho que é do pesquisador, só ele é capaz de ler as outras patentes e enxergar onde está a sua invenção. Creio que o melhor incentivo é o bolso.


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