Folha de S. Paulo


Defasada, indústria de SP vive um 'Fla-Flu' com Dilma, diz presidente da Vale

O presidente da Vale, Murilo Ferreira, acha que o mau humor do empresariado com a presidente Dilma Rousseff está concentrado nos industriais de São Paulo e compara esse relacionamento pouco amistoso a um "Fla-Flu" –Flamengo X Fluminense, clássico do futebol carioca que virou sinônimo de rivalidade acirrada.

Na visão do executivo, a indústria paulista abriga setores defasados tecnologicamente, que sentem mais os efeitos da crise global.

"Esse Fla-Flu é estimulado pela política rancorosa de São Paulo, do PT e do PSDB. É irradiado da Faria Lima [endereço dos principais bancos de investimento do país]".

Alinhado ao governo, que tem forte influência na Vale por meio do BNDES e de fundos de pensão estatais, Ferreira faz coro com assessores do Planalto, que enxergam má vontade nas críticas dos empresários de São Paulo.

Mineiro típico, que gosta de enfatizar seus hábitos simples e a falta de vaidade, o presidente da Vale costuma ser discreto em público. Desta vez, foi incisivo nas críticas, principalmente aos políticos. Diz que os brasileiros cansaram deles, estão impacientes com sua incapacidade de entender seus problemas e não os respeitam mais.

Cecilia Acioli/Folhapress
Para presidente da Vale, mau humor do empresariado com Dilma está concentrado nos industriais de SP
Para presidente da Vale, mau humor do empresariado com Dilma está concentrado nos industriais de SP

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Folha - O Brasil está crescendo pouco por falta de investimentos. Por que as empresas não investem?
Murilo Ferreira - Não concordo com essa afirmação. A Vale está fazendo o projeto mais intensivo em capital de sua história, em Carajás. São US$ 19,5 bilhões.

Os números da Vale são sempre superlativos. No geral, as empresas brasileiras não estão investindo.
No Brasil, não prestamos atenção ao mercado internacional. O crescimento mundial está muito abaixo do esperado. O problema se tornou mais agudo depois da crise europeia de 2011.

O México e o Chile vêm avançando menos. Até 2016, não haverá mais indústria automobilística na Austrália. Mesmo na Ásia, só sinto um certo ânimo no Japão.

Vivemos um período muito diferente daquele em que a economia mundial crescia 4,4% e todos comiam o mamão com açúcar da globalização. Agora chegou a vez das frutas amargas. No Brasil, as pessoas não querem enxergar isso por conta da disputa eleitoral.

O sr. acha que a disputa eleitoral aumenta o pessimismo?
Claramente. Graças a Deus ainda estamos quase no pleno emprego e não vemos, como em outros países, uma juventude desesperançada.

O agronegócio é show de bola e tem uma produtividade superior à americana. Mineração e serviços são pontos fora da curva.

A amargura está concentrada no setor industrial. Lamento muito, mas é São Paulo que está pagando uma conta mais alta do que outros lugares do Brasil.

Mas os empresários não reclamam da crise global. Eles dizem que a culpa é do governo.
Certamente eles são capazes de justificar suas queixas do governo e devem ter razão em muitos pontos. Mas existem alguns setores –não gostaria de polemizar citando um ou outro– em que falta tecnologia e inovação.

Por que a indústria perdeu competitividade?
Temos que fazer uma análise rigorosa.

Será que o empresariado de São Paulo tem o mesmo entusiasmo do pessoal do cerrado? Será que a nova geração tem o mesmo entusiasmo para investir em tecnologia e inovação?

Quando chego ao Japão e à Coreia, fico preocupado porque se estabeleceu um gap muito grande em relação ao Brasil.

Não sei se os empresários não se atualizaram ou não estão motivados, mas essa é a realidade.

O relacionamento entre Dilma e o empresariado hoje é ruim. Se ela for reeleita, como refazer essa ponte?
Os dois lados precisam procurar o interesse do Brasil. Não podemos continuar esse Fla-Flu político, que é estimulado por São Paulo, de onde vem os partidos que disputam a eleição, PT e PSDB.

A política em São Paulo está muito rancorosa.

É importante restabelecer as pontes para governar depois. Adversários têm ideias diferentes, mas não são inimigos.

O PT diz que o mercado financeiro faz terrorismo ao derrubar a Bolsa quando a presidente sobe nas pesquisas. O que o senhor acha?
De novo, isso é fruto da cultura política de São Paulo. Esse Fla-Flu permanente é irradiado da Faria Lima (avenida da capital paulista onde estão os grandes bancos de investimento).

O que o sr. acha de Marina Silva? A suposta intransigência dela nas questões ambientais poderia atrapalhar os projetos de infraestrutura?
Marina, Aécio ou Dilma –todos pensarão na nossa maior conquista, que é o pleno emprego. Nenhum deles será intransigente a ponto de elevar o desemprego.

Quais deveriam ser as prioridades do próximo governo?
A reforma política é a mãe de todas as reformas. Não deveríamos ter mais do que três partidos: oposição, situação e um fiel da balança.

O sistema partidário brasileiro hoje torna impossível qualquer definição. Como negociar programa de governo com essa geleia política?

Todo mundo fala das reformas tributária e previdenciária, mas será necessário um consenso que é impossível obter. Com 83% de aprovação, o presidente Lula não conseguiu fazer a reforma tributária. Que outro presidente vai conseguir?

Naturalmente os políticos não têm interesse em mudar isso. Eles se sentem mais importantes quando é preciso negociar um a um. Mas é preciso entender que a população está cansada.

Como fazer a reforma política contra os interesses dos políticos?
A classe política precisa perceber que está chamando uma crise sobre si mesma. As pessoas estão impacientes com a incapacidade dos políticos de entender sua insatisfação. E estão se tornando desrespeitosas com a classe política. Cabe aos políticos fazer a sua opção: querem ou não esticar essa corda?

Dos três candidatos mais bem colocados para a Presidência, quem teria o melhor perfil para executar essa agenda?
A reforma política é algo que os três candidatos almejam, porque querem governar. Resta saber se haverá uma conjugação de estrelas nesse sentido. Vai chegar o momento em que as pessoas vão achar que não vale a pena esse sistema político. Como em junho de 2013.

As manifestações foram um sinal desse descontentamento com a política?
Foram um forte sinal de apodrecimento do sistema político. Vamos ver até quando vão ignorar esse sinal.

Os economistas projetam um ajuste duro em 2015, com alta de juros e cortes de gastos. É necessário?
Até na Alemanha essa receita está sendo revista. Não dá para achar que funciona tomar os mesmos remédios utilizados no passado. Uma receita clássica pode levar infelicidade para os brasileiros.

Não é preciso reajustar os preços da energia e da gasolina?
Não vou discutir situações individuais, mas não é preciso fazer nada para amanhã. Temos que ter prudência. Não adianta nos prender a modelos da década de 90, quando o índice de desemprego estava acima de 10%.

Que política econômica maravilhosa é essa que só aumenta a disparidade?

Os políticos não podem trabalhar focados em PIB, inflação, deficit público ou câmbio. Os políticos devem trabalhar para que a população viva melhor.


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