Folha de S. Paulo


IBGE evita falar em recessão técnica; analistas veem processo recessivo

O IBGE evitou considerar as duas quedas consecutivas do PIB, no primeiro e segundo trimestres deste ano, em recessão técnica. Já uma parte dos economistas avalia que o país vive, sim, um processo recessivo.

O PIB brasileiro caiu 0,6% no segundo trimestre na comparação com os três primeiros meses deste ano. O resultado do primeiro trimestre foi revisado para queda de 0,2% (contra alta de 0,2% informado anteriormente).

De acordo com a gerente de Contas Nacionais do IBGE, Rebecca Pallis, quando o percentual é inferior a 0,5%, para cima ou para baixo, o instituto considera como estabilidade.

Economistas dizem que dois trimestres consecutivos de queda do PIB configuram recessão. A definição, no entanto, não é consenso. Outros especialistas acreditam que essas quedas têm de ser com percentuais mais altos e com cenário de desemprego, o que não é verificado no país.

Editoria de Arte/Folhapress

AJUSTE SAZONAL

Pallis lembrou que o instituto faz o chamado ajuste sazonal dos números já divulgados a cada nova verificação trimestral.

De acordo com a técnica, é possível que a queda de 0,2% do primeiro trimestre seja revista no próximo trimestre, e o percentual volte a ficar positivo.

"Variações muito grandes, tanto para cima quanto para baixo, são revistas mas não costumam mudar de sinal [positivo ou negativo]. Já variações muito pequenas, próximas do zero, podem se modificar no trimestre seguinte", disse ela.

"Esse último trimestre, que o dado deu 0,6%, nós consideramos queda, mas a revisão do trimestre anterior, nós consideramos estabilidade".

RECESSÃO SEM DÚVIDA

Para Alexandre Alexandre de Ázara, economista-chefe do banco Modal, "não há dúvida" que o país vive uma recessão. "Não é profunda nem intensa como em 2009, mas é, sim, um processo recessivo."

Tal tendência se reforça diante da previsão de uma nova queda do PIB no terceiro trimestre, segundo ele. Sua projeção para a economia brasileira em 2014 foi revista para baixo e o crescimento previsto é de apenas 0,4% –pior desempenho desde 2009, se confirmado.

O determinante para a queda do PIB por dois trimestres seguidos foi a menor confiança de todos os setores (comércio, indústria, serviços, construção, pesquisados pela FGV) e dos consumidores. Tal cenário rebateu em menos investimento e uma desaceleração do consumo.

Silvia Matos, da FGV, discorda. Para se falar em recessão, diz, seria necessárias quedas mais intensas e um mercado de trabalho pior, com desemprego alto e rendimento em queda.

ESTAGFLAÇÃO E POLÍTICA ECONÔMICA

Ambos os economistas não enxergam um cenário de "estagflação", pois os preços refluíram nos últimos meses e a trajetória do IPCA em 12 meses não é mais ascendente.

"Essa cenário de estagnação e inflação elevada se avalia num período mais longo e contínuo", diz Ázara, do Modal.

Para André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos, o resultado do PIB mostra que o governo não consegue ancorar junto aos empresários uma visão melhor do país.

"O governo perdeu a batalha das expectativas [de empresários e consumidores]. A tendência é que o investimento continue baixo. O governo, apesar dos esforços no sentido de mostrar o 'copo meio cheio', não teve êxito junto aos empresários".

Segundo o economista, o resultado do terceiro trimestre deve ser melhor. "Não teremos feriado e temos mais dias úteis. Deve ser positivo por conta da base de comparação muito baixa –o segundo trimestre teve Copa do Mundo e muitos feriados".

INVESTIMENTOS

Mesmo assim a queda dos investimentos preocupa o economista-chefe da Gradual Investimentos.

"O empresário brasileiro parou de acreditar no futuro do brasil. Por mais que o governo não tenha culpa, a percepção geral dos empresários está bastante deteriorada".

Ázara diz que o resultado das quedas do PIB nos dois primeiros trimestres decorre de "políticas econômicas erradas" adotadas pelo governo Dilma. "O consumo e o investimento foram muito estimulados, com as desonerações de tributos e crédito barato."

Houve ainda um descuidos, segundo analistas, no campo fiscal. O governo injetou recursos para estimular a economia e agora vive uma deterioração de suas contas –o que gera desconfiança de investidores e, num cenário de longo prazo, uma possibilidade de redução da nota de risco de crédito do país.

"O governo interviu muito e agora paga a conta do baixo crescimento e das suas escolhas", diz Ázara, do Modal.


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