Folha de S. Paulo


Defensor do empresariado nacional, Ermírio criticou a ditadura e tentou carreira política

Nacionalista ferrenho, Antônio Ermírio de Moraes, que morreu na noite deste domingo (24) aos 86 anos, construiu um dos maiores impérios econômicos do país e foi uma liderança empresarial ímpar em mais de 50 anos de história brasileira. Sem receio de gerar desafetos, criticou a ditadura militar e a atuação de multinacionais.

Na redemocratização, viu frustrada sua tentativa de governar São Paulo. Na privatização dos anos 1990, perdeu a disputa pela Vale do Rio Doce, porém se orgulhava em dizer que "saiu limpo" do processo. Investiu em saúde e virou dramaturgo.

Atacou os bancos, mas acabou se tornando banqueiro. Chegou a ser o homem mais rico da América Latina, contudo tinha ojeriza à ostentação. Vestia ternos simples e não se preocupava com o ajuste das gravatas. Passou quase toda a vida sem guarda-costas. Considerava a elite local muito egoísta.

Foi em 1962 que Ermírio assumiu o controle do grupo Votorantim. A história empresarial da família tinha começado com o avô, um imigrante português que chegou ao Brasil com 13 anos tendo só feito alguns anos do ensino primário.

Instalou uma banca de sapatos (depois teria uma fábrica de tecidos) em Sorocaba, no interior de São Paulo. Na região, no início do século 20, também nascia o império do imigrante Matarazzo, que chegou deter o maior complexo industrial da América do Sul. Ao contrário dos Matarazzo, os Ermírio de Moraes não sucumbiram às mudanças da economia.

O pai de Antônio, José, foi senador por Pernambuco e ministro da Agricultura do governo João Goulart em 1963. Formou-se em engenharia metalúrgica na Colorado Scholl of Mines, nos Estados Unidos.

Antônio foi fazer o mesmo curso lá. Vivia numa pensão e, para economizar, comia muitos sanduíches. Para comemorar a melhor nota da turma, tomou uísque pela primeira vez. Foi parar no hospital e ficou sabendo que tinha só um rim. Nunca mais bebeu.

À frente da companhia, percorreu o interior do país buscando jazidas de níquel e de cobre. Nessa toada, ficou uma semana nas entranhas do Piauí comendo exclusivamente frutas do agreste.

Quando o grupo já se estendia por 17 Estados pelas áreas de cimento, aço, tecidos e papel, Antônio Ermírio passou a se destacar como líder empresarial. Ao receber uma premiação em 1977, em plena ditadura, declarou não acreditar no "milagre econômico" e disse nunca ter lido os planos de desenvolvimento dos militares.

Num discurso para seus pares, conclamou os empresários a resistir contra o avanço do capital externo: "Estabeleçam-se, lutem com honestidade e não pensem na chamada economia de escala. E, quando alguma multinacional os procurar, resistam".

Em entrevista no mesmo ano, Ermírio disse que as empresas estrangeiras não passavam de parasitas: "Se aproveitam de todas as facilidades que o governo brasileiro oferece, de mão de obra barata que encontram aqui, sugam o que podem e nada fica no Brasil. Acho que Kurt Mirow colocou muito bem a questão em seu livro 'A Ditadura dos Cartéis'".

Para Ermírio, o Brasil estava "entregando ouro aos bandidos". Criticava o aumento da dependência econômica e empresários que queriam ficar ricos e não se incomodavam em "serem usados pelas multinacionais".
Naquela época, a ditadura começava a se ver pressionada. O Congresso tinha sido fechado, e os militares tentavam sufocar protestos. As fissuras no poder se tornavam mais claras.

POLÍTICA

Com Jorge Gerdau, José Mindlin, Severo Gomes, Paulo Villares, Cláudio Bardella, Laerte Setúbal Filho e Paulo Vellinho, Ermírio lançou, em 1978, um manifesto histórico que ficou conhecido como "Documento dos Oito". No texto, os empresários pediam mudanças na política econômica e a volta da democracia.

Em 1981, quando atentados terroristas visaram a Ordem dos Advogados do Brasil, bancas de jornais e o show no Riocentro, Ermírio afirmou: "Os mesmos empresários que financiaram a repressão política em 1968 e 1969 são os homens que querem fechar hoje o regime".

Na visão de Ermírio, havia empresários "que tinham outras finalidades, que não a produção" e que achavam mais fácil "agir em um país fechado, porque toda a sua ação corrupta fica protegida".

"Naquela época sabia-se alguma coisa de participação de empresários financiando a repressão. Havia pressão do governo. Sinceramente nunca participei disso, mas sabia que existiam alas ponderáveis que participavam", agregou.

Apoiador do movimento pelas Diretas-Já, Ermírio disputou as eleições de 1986 para o governo do Estado de São Paulo pelo PTB, a mesma sigla pela qual seu pai tinha sido senador e a quem prometera jamais entrar na política.

Na campanha, negou acusações sobre más condições de trabalho em suas empresas, emprego de trabalho infantil e poluição. Sindicalistas o classificaram como "autoritário". Em meio ao tiroteio político, trocou acusações com o adversário Paulo Maluf, a quem chamou de "corrupto, sem-vergonha e cara de pau".

Perdeu para Orestes Quércia. Contou que foi ao cemitério pedir perdão por ter quebrado a promessa ao pai, para quem a política seria nefasta à saúde de Ermírio e aos negócios da família.

Na primeira eleição direta à Presidência após a ditadura, apoiou Fernando Collor. Mas se desiludiu com o governo, passando a criticá-lo por empurrar o empresariado para a ilegalidade.

Quando estourou o escândalo PC Farias, Ermírio declarou que a Votorantim tinha pago ao tesoureiro de Collor por um serviço não realizado. Disse que a transação tinha sido um erro praticado pelo grupo.

"Não aceito lobismo", afirmou à CPI do Collorgate. Com os olhos marejados, encarou os parlamentares: "O dia em que eu investir dinheiro lá fora, eu me considero um não brasileiro".

Votou em Fernando Henrique Cardoso, mas criticou a política econômica do seu governo por "ficar refém do capital estrangeiro especulativo", atraído pelas altas taxas de juros.

DISPUTA

Quando as privatizações deslancharam, quis comprar a Vale do Rio Doce em 1997. Fez um consórcio com a mineradora sul-africana Anglo American, que acabou derrotado por Benjamin Steinbruch.

Ao final do leilão, usou Machado de Assis (1839-1908), seu autor preferido, para comentar a perda. "Aos perdedores, as batatas", declarou Ermírio, fazendo uma paródia com uma frase de "Quincas Borba" (1881). No sexto capítulo do livro está escrito: "Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas".

No ano seguinte, grampos telefônicos revelaram que o governo agiu para transferir de Ermírio para Steinbruch o apoio do fundo de pensão do Banco Brasil (Previ), interferindo na disputa. "Talvez não tenhamos oferecido o que eles queriam. O importante é que perdemos, mas saímos limpos. Caímos em pé", disse Ermírio em 2002.

Feroz inimigo da "agiotagem" do sistema bancário, Ermírio acabou criando o Banco Votorantim. Em 2005 explicou: "Formamos um banco exatamente para evitar pagar aquilo que pagávamos aos bancos para nossas operações. Só que o negócio é tão bom que cresceu demais. O lucro do banco é quase igual ao da Companhia Brasileira de Alumínio. Fico triste em ver que uma coisa tão fácil ganha mais do que um negócio que me tomou a vida inteira para trabalhar; um trabalhão de 50 anos. É uma distorção".

VIDA PESSOAL

Ermírio nasceu em São Paulo em 4 de junho de 1928. Estudou no Colégio Rio Branco. Casou-se com Maria Regina Costa de Moraes. A lua de mel foi na Europa visitando fábricas. Tiveram nove filhos. Dois morreram de câncer: Mario, em 2009, aos 51, e Carlos, em 2011, aos 55 anos.

A família grande almoçava em cantina barulhenta na rua Augusta. Em finais de semana, passeava pela praia de Bertioga e cantarolava o "Chico Barrigudo", lembra a filha Rosa Helena no livro comemorativo aos 80 anos de Ermírio.

Trabalhador obsessivo no seu escritório na praça Ramos de Azevedo, desde 1963 também se dedicava à administração da Beneficência Portuguesa, fazendo o hospital crescer.

Em meados dos anos 90 passou a escrever peças de teatro. É autor de três: "Brasil S/A" (1994), sobre a saga de um empresário, "SOS Brasil" (1999), que trata do descalabro na saúde, e "Acorda Brasil" (2006), enfocando o problema da educação.

Escreveu a coluna vertical da página A-2 da Folha de 1991 a 2009. Foram 868 textos. Alguns estão na coletânea "Educação Pelo Amor de Deus!" (Editora Gente, 2006). Em 2007 publicou "Somos Todos Responsáveis" (Gente).


Endereço da página:

Links no texto: