Folha de S. Paulo


Cresce investimento que busca impacto no Brasil

O trauma da crise financeira global de 2008 tem ajudado a impulsionar uma nova classe de investimento que combina a busca simultânea por lucro e impacto social ou ambiental positivo.

Traduzida em números, a tendência ainda é modesta, mas vem ganhando fôlego.

Desde 2010, o J.P. Morgan publica um relatório anual sobre investimento de impacto no mundo. O Fórum Econômico Mundial tem tentado disseminar informações sobre o assunto.

O primeiro raio-X do mercado no Brasil será divulgado na próxima semana. Mostra que, em 2014, os investimentos somarão entre US$ 89 milhões e US$ 127 milhões.

As cifras ultrapassam os US$ 76 milhões aplicados no país em negócios de impacto entre 2003 e 2013.

Os montantes são pequenos se comparados aos US$ 46 bilhões sob gestão de administradores financeiros em todo o mundo, segundo o J.P. Morgan, mas apontam forte tendência de expansão.

Segundo a pesquisa, os investidores esperam fechar 136 negócios no país em 2014, o dobro dos 68 celebrados nos últimos dez anos somados.

Fabio Braga/Folhapress
Renan Cândido, oftalmologista do dr. consulta, atende a cuidadora de idosos Hormesindia Machado Neta
Renan Cândido, oftalmologista do dr. consulta, atende a cuidadora de idosos Hormesindia Machado Neta

O estudo ouviu 22 investidores nacionais e de fora e foi conduzido em parceria pelo fundo LGT Venture Philanthropy, pela consultoria Quintessa Partners, pela University of St. Gallen e pela The Aspen Network of Development Entrepreneurs (ANDE).

Os números indicam que a crise financeira global acentuou a busca por investimentos de impacto.

"As pessoas se tornaram mais céticas sobre as aplicações que oferecem retornos excepcionalmente altos", diz Abigail Noble, diretora do Fórum Econômico Mundial.

A tendência tem sido impulsionada pelos valores da chamada geração do milênio (nascida entre 1982 e 2000).

Uma pesquisa de 2012 da Deloitte com esses jovens mostrou que, quando questionados sobre qual deve ser o principal objetivo de um negócio, 36% mencionaram "melhorar a sociedade". O percentual ultrapassou por pouco "gerar lucro" (35%).

As dificuldades orçamentárias dos governos também impulsionam os investimentos de impacto.

No Brasil, quem desenvolve ou busca colocar dinheiro nesse tipo de negócio mira as lacunas de serviços como educação, saúde e finanças.

"Existem poucos negócios voltados para atender as necessidades da população de baixa renda no Brasil", afirma Maria Cavalcanti, sócia-administradora do FIRST (Fundo de Investimentos com Riqueza Social para Todos).

CONSULTA A R$ 80

A possibilidade de ganhar escala diferencia os investimentos de impacto da filantropia e das ações de organizações não governamentais: "Gerar lucro e reinvesti-lo é fundamental para fazer nosso negócio crescer", diz Thomaz Srougi.

Ele é um dos fundadores do dr. consulta, rede de clínicas que se propõe a oferecer serviços de saúde com qualidade a preços menores para a população de baixa renda.

As consultas (a R$ 80) e exames diversos atraem pacientes frustrados com o SUS.

"Tentei marcar exames em janeiro pelo SUS, só tinha vaga para dezembro. Aqui consegui rápido, uma bênção", diz a cuidadora de idosos Hormesindia Machado Neta.

O dr. consulta tem duas clínicas em São Paulo (Sacomã e São Bernardo) e vai inaugurar outra no Jabaquara. Até meados de 2016, segundo Srougi, serão 20.

A expansão é impulsionada por uma injeção de recursos de R$ 20 milhões. Uma das contrapartidas foi submeter o negócio à avaliação de seu impacto na comunidade.

A análise está sendo feita pelo centro da University of St. Gallen (Suíça) em São Paulo, que incentiva a expansão de investimentos de impacto.

"Mensurar o impacto social do negócio é crucial. No caso das empresas, por exemplo, é o que permite transferir valor para a marca", diz Angélica Rotondaro, diretora do "hub" da St. Gallen para América Latina.

Claudio Sassaki, co-fundador da Geekie, afirma que alunos que usaram uma plataforma gratuita da empresa com plano personalizado de estudos para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) tiveram desempenho quase 30% melhor no simulado final do que os demais.

A mensuração do resultado tem atraído investidores.

Rebeca Rocha, coordenadora da ANDE, ressalta que o Brasil carece de mais estrutura para que negócios de impacto embrionários cresçam.

"Falta mais envolvimento de instituições de fomento, universidades. Os investidores têm receio de investir na fase inicial dos negócios."


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