Folha de S. Paulo


Greve era política e não há ingerência do governo, diz presidente do IBGE

Em sua primeira entrevista após o fim da greve do IBGE na semana passada e o adiamento da Pand Contínua (nova pesquisa de emprego trimestre) para depois das eleições, a presidente da instituição Wasmália Bivar disse à Folha que a paralisação teve motivação "política" e não tinha "uma pauta sindical". Ela refutou ainda interferência do governo na produção e divulgação das pesquisas do órgão.

"Estou muito indignada com esse tipo de conversa e insinuação [de ingerência do Planalto]", disse.

As ilações de ação direta do governo começaram em março, quando a direção do IBGE suspendeu a divulgação da Pnad Contínua neste ano, alegando que não teria como processar dados de rendimento neste ano. Isso ocorreu após a senadora petista e agora candidata ao governo do Paraná Gleisi Hoffmann pedir que informações de renda teriam de estar disponíveis para realizar a repartição do Fundo de Participação dos Estados em janeiro de 2015.

A decisão da diretoria gerou uma crise institucional, com reação do corpo técnico. Duas diretoras deixaram os cargos em protesto. A presidente do IBGE, Wásmalia Bivar, voltou atrás e manteve a divulgação da pesquisa, após os técnicos que temiam a ingerência política no instituto apresentarem um novo cronograma de trabalho.

"Agora, sinceramente vendo tudo o que aconteceu depois me arrependo não ter mantido [a suspensão da pesquisa]", afirmou, ao citar que com a greve são dois meses a menos para realizar a tarefa.

Procurados para rebater as críticas, representantes do sindicato não foram ainda localizados.

Abaixo, trechos da entrevista:

*

Folha - Há intervenção do governo nas decisões do IBGE?
Wasmália Bivar - Estou muito indignada com esse tipo de conversa e insinuação. As decisões que nós tomamos são decisão técnicas. Justamente porque estamos num ano de eleição estamos nos deparando com essa questão de que estão tentando controlar o IBGE. Mas o IBGE não está sob domínio de natureza política, mas sim técnica.

Esse equívoco vem lá do início do ano [março, com a suspensão da Pnad Contínua]. Sinceramente, vendo tudo o que acontece eu me arrependo de não ter mantido [a decisão de parar a divulgação neste ano e só retomar em 2015]. Agora, temos dois meses a menos [dos oito meses para apresentar os dados de renda, um prazo já curto em sua visão].

O que levou a uma greve tão longa e sem resultados práticos, como a equiparação salarial com outros órgãos, o principal pleito da categoria?
A greve não tinha uma pauta sindical. A gente ficou dois meses com questões que mais de 75% do IBGE disse explicitamente que discordava [da pauta], não aderindo à greve. Esse grupo acha que o IBGE tem autonomia técnica, sim, e eles acham que não devemos abrir mão do trabalho temporário [e incorporar os trabalhadores ao quadro efeito] e que o temporário tenha de ganhar o mesmo que o efetivo. Esse grupo não disse 'fora Wásmalia e fora as chefias'. Nem querem que a eleição direta seja uma forma de gestão do IBGE. Técnico não tem de fazer eleição. As pessoas ascendem por competência. A eleição politiza.

O que levou a adiar a Pnad Contínua para 6 de novembro, após as eleições?
Voltar com a história da Pnad Contínua me deixa indignada. Sempre alertamos que dois meses de greve teriam impacto na produção [das pesquisas]. O IBGE correu para garantir as pesquisas essenciais, que são as conjunturais da área econômica. Sem o IPCA [inflação oficial], haveria uma convulsão [o índice corrige contratos e títulos públicos e privados]. Tivemos os atrasos acumulados na coleta dos dados em alguns Estados, que nem fecharam maio.

No período de greve, temos de ter cuidado ainda maior [com os dados coletados]. Temos de olhar com lupa, com mais rigor e cuidado. Muitos dados terão se ser revistos [porque foram levantados fora do período habitual e com equipes deslocadas de outras áreas, não acostumadas com a região e a pesquisa]. A sociedade brasileira vai ter de pagar o preço dessa greve, por isso, recorremos ao STJ para mostrar a necessidade dessas pesquisas. Fazer ilações sobre ingerência política e apontar o trabalho temporário como precário é atacar algo que para o IBGE é essencial: a sua credibilidade.

Mas os dados de rendimento da Pnad Contínua saíram mesmo em janeiro de 2015, apesar da greve e do calendário que já era apertado?
Estamos montando uma estratégia para divulgar em janeiro e atender ao Fundo de Participação dos Estados [e as novas regras de repartição]. É [uma nova] lei e lei se cumpre. Sem isso, os Estados não vão receber seus recursos e irão à Justiça.

Os impactos [da greve] foram muito localizados e em duas pesquisa que têm mais visibilidade e maior demandas dos usuários, a Pesquisa Mensal de Emprego [restrita as seis maiores metrópoles e divulgada parcialmente sem uma taxa média de desemprego por três meses] e a Pnad Contínua [de abrangência nacional]. Alguns Estados como Paraíba, Rio Grande do Norte e Amapá nem 40% dos dados foram coletados.

Voltando à greve, a senhora é crítica, mas apoiou um ponto das reivindicações, a equiparação salarial com outros órgãos.
Era a única coisa que tinha de sindical. A proposta [conjunta de equiparação entre sindicado e direção, que pôs fim a greve] para entregar ao próximo governo saiu da própria direção. Várias outras questões teriam mais mobilização dentro do IBGE, como o vale alimentação, os benefícios em geral e as retribuições [maiores] por gratificação de doutorado e mestrado. Por isso, é sintomático que mais de 75% dos funcionários não aderiram.

E como está a questão da necessidade, já reconhecida pela senhora, de novos concursos para repor aposentados e pessoas que migram para outros órgãos que pagam salários melhores?
Nós precisamos, sim, continuar a fazer concursos. Temos ao governo visibilidade à essa demanda que o IBGE tem. Não acho que somos preteridos [em relação a outros órgãos]. Tivemos a entrada de 210 técnicos de nível superior neste ano. É pouco para a nossas necessidades, mas para quem nos está dando [o governo] representa metade do quadro do Ipea de nível superior.

A senhora tem um canal direto com a ministra Miriam Belchior (Planejamento)?
Tenho o canal aberto e falo diretamente com a ministra sobre nossas demandas. O que imagino e consigo entender é que neste ano teve um grande contingenciamento do orçamento [da União]. Assim, não tinha dinheiro para fazer o planejamento agora da Contagem da População que seria realizada em 2015. Isso já aconteceu em outros anos, mas, claro, que não ficamos satisfeitos.


Endereço da página: