Folha de S. Paulo


Banco dos Brics muda equilíbrio mundial, diz economista; leia íntegra

A criação do banco de desenvolvimento dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) é um sinal da mudança no equilíbrio de poder na economia mundial. A avaliação é do economista indiano Deepak Nayyar, professor emérito da Universidade Jawaharlal Nehru, de Nova Déli.

Estudioso dos ciclos de desenvolvimento, ele advoga que o Brasil deve adotar uma política ativa para evitar o aprofundamento da desindustrialização. Na sua visão, o país pode emergir como "um centro irradiador de manufatura" e precisa buscar um modelo próprio de crescimento.

Para ele o atual baixo crescimento não é indicador do potencial brasileiro e "a retomada do crescimento econômico é perfeitamente possível". Nayyar, 67, estará no Brasil na próxima semana para participar do 2º Congresso Internacional do Centro Celso Furtado e para lançar seu livro "A Corrida pelo Crescimento", que traça um panorama histórico da economia dos países.

Nesta entrevista, ele comenta alguns pontos de sua obra, que aborda os consensos desenvolvimentista, que proporcionou a industrialização em muitos países da periferia do capitalismo, e o de Washington, que liberalizou comércio e finanças, promovendo privatizações. Para ele, não haverá um único novo consenso e cada país deve procurar seu próprio modelo.

"Prescrições generalistas para diferentes países, na presunção de que um modelo serve para todos, são enganosas e podem ser perigosas", declara. Ele advoga que "é essencial restaurar o papel do Estado, sem o qual, em mercados liberados, não há freios e contrapesos".

E avalia que "a economia mundial não está no caminho para uma recuperação sustentada". A seguir a entrevista, concedida por email.

Divulgação
O economista indiano Deepak Nayyar em Nova York, nos Estados Unidos
O economista indiano Deepak Nayyar em Nova York, nos Estados Unidos

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Folha - Brasil, China, Índia, Rússia e África do Sul lançaram, no mês passado, o banco dos Brics. Qual é a sua visão sobre a importância dessa iniciativa?
Deepak Nayyar - A decisão é um muito importante, na direção certa. Talvez ainda seja demasiado cedo para qualquer avaliação significativa dessa nova iniciativa. Mesmo assim, algumas coisas podem ser ditas.

É motivo de alegria, porque esse é o primeiro ato concreto de uma verdadeira cooperação e de ação coletiva por parte dos Brics, apesar de alguns potenciais conflitos e de preocupações genuínas. Poderá ser motivo de comemoração se [o banco] evoluir como uma instituição internacional que ofereça aos países pobres, como parceiros, recursos para o desenvolvimento em termos que melhores e diferentes dos oferecidos pelo FMI e Banco Mundial. Seria, então, uma alternativa real e não apenas um substituto ou um complemento. Essa competição pode até mesmo levar a alterações nas instituições de Bretton Woods.

No entanto, a sabedoria reside na reflexão cuidadosa e na avaliação realista dos seus desdobramentos. O bebê nasceu. Mas é uma criança. Temos que ver como ele cresce da infância até a idade adulta. Os anos de formação serão fundamentais. É essencial que os Brics sustentem sua solidariedade com o propósito de preservar a igualdade entre os países fundadores (os credores), nutrindo parcerias com os países a quem fornecerão os recursos (os devedores), de modo que as estruturas e os métodos de governança permaneçam democráticos. Existe o perigo de que ele possa evoluir da mesma maneira como o Banco Mundial, com um déficit democrático e com formas de ajuda financeira baseadas no clientelismo.

Em suma, acho que devemos moderar o entusiasmo dos defensores e amortecer o ceticismo dos críticos sobre o Banco de Desenvolvimento do Brics. É o único caminho a seguir para poder evitar os perigos e ajudar a criar uma instituição internacional de financiamento do desenvolvimento, num espírito de parceria entre iguais, em vez de patrocínio entre parceiros desiguais.

A cooperação entre esses países também envolve a negociação em uma moeda que não o dólar. Como o sr. avalia esse aspecto?
O arranjo de reservas de contingência é uma excelente ideia, pois iria permitir que esses países unissem reservas cambiais, se um deles tivesse um déficit em conta corrente incontrolável ou enfrentasse uma crise financeira. Isto não é apenas sobre a gestão de crises. É também sobre a prevenção de crises. Sua existência é uma barreira para os especuladores nos mercados financeiros. No entanto, comercializar em outras moedas que não o dólar é uma questão completamente diferente.

O sr. pensa que essa iniciativa afeta o poder norte-americano?
Esta iniciativa não afeta o poder dos Estados Unidos. Eu diria que o efeito é marginal e insignificante. Afinal, uma chuva não faz uma monção. Mas é um sinal da mudança no equilíbrio de poder na economia mundial.

O seu livro mostra como a intervenção de governos foi importante para o desenvolvimento dos países. O sr. escreve que não foi a "magia do mercado" que produziu surtos de industrialização. Como o sr. avalia a ação do Estado hoje? Os Estados são tímidos em sua ação? Falta iniciativa e maior planejamento para os países em desenvolvimento?
O papel do Estado na definição de políticas, no desenvolvimento de instituições e na realização de intervenções estratégicas, seja como um catalisador ou como um líder, foi fundamental para os países que estavam atrasados na industrialização e se transformaram em casos de desenvolvimento de sucesso durante o século 20. Assim, a industrialização é mais resultado de ter havido intervenções estatais corretas do que ter havido preços certos.

Entretanto, a ideologia dominante do nosso tempo rejeita esse papel econômico do Estado. É preciso reconhecer que os mercados são bons servos, mas maus senhores. Mercados eficientes precisam de governos eficazes. Assim, existem algumas coisas que devem ser deixadas aos mercados, enquanto há outras que só os governos podem e devem fazer.

Se os governos fazem essas coisas de forma ruim, não podemos substituí-los pelos mercados. Governos devem melhorar o seu desempenho. Isso pode ser feito. Afinal de contas, os governos são responsáveis perante os seus povos. Os mercados não são.

No seu livro, o sr. lembra como a imposição de tarifas de importação foi vital para os hoje países industrializado (os EUA, por exemplo). Hoje, com as regras da economia mundial, como os países podem defender suas indústrias e seus mercados? É desejável que os países tomem medidas protecionistas para obterem crescimento?
A mesma lição emerge da experiência histórica dos hoje países industrializados: proteção industrial e intervenção estatal foram fundamentais nos estágios iniciais do seu desenvolvimento nos séculos 18 e 19, quando eram então retardatários na industrialização.

A proteção industrial por meio de tarifas altas nos EUA, na Alemanha e no Japão é muito conhecida. Mas proteções tarifárias e não tarifárias, combinadas com outras formas de apoio governamental, foram também importantes não apenas para a França e a Holanda mas também para a Grã-Bretanha. Os que eram retardatários na segunda metade do século 20 foram capazes de adotar políticas similares.

De fato, não há retardatário que tenha se industrializado sem um período sustentado de proteção industrial. No século 21, no entanto, as regras do jogo na economia mundial, particularmente na Organização Mundial do Comércio, reduziram consideravelmente o espaço para políticas nos países em desenvolvimento. Mesmo assim, permanecem graus de liberdade. Eles precisam ser usados da máxima forma possível. E o espaço para políticas necessita ser alargado, modificando ou relaxando essas regras para os países pobres.

O sr. trata da história do Consenso Desenvolvimentista e do Consenso de Washington. Ambos parecem ter se esgotado. Qual será o novo consenso?
O grau de abertura vis-à-vis a economia mundial e o grau de intervenção do Estado no Mercado sempre foram, e continuam sendo, questões controversas no debate sobre políticas e estratégias para a industrialização e o desenvolvimento. O Consenso Desenvolvimentista, que salientou a importância de restrições na abertura e o papel de liderança do Estado, foi dominante do começo dos anos 1950 até o início dos anos 1970. O Consenso de Washington, que enfatizou as virtudes do mercado e da abertura, adquiriu praticamente um status hegemônico nas ideias sobre desenvolvimento no início dos anos 1990. O mundo mudou de uma forte crença de que o Estado não poderia fazer nada de errado para uma crescente convicção de que o Estado não poderia fazer nada certo.

Mas essa hegemonia não durou muito tempo. Houve recorrentes crises financeiras. E as expectativas sobre desenvolvimento foram frustradas. Nesse contexto, enfatizo duas proposições. Em primeiro lugar, o Estado e o mercado são mais complementares do que substitutos. Em segundo lugar, a relação entre o Estado e o mercado não pode ser definida definitivamente, mas deve mudar de acordo com o tempo e as circunstâncias. Esse reconhecimento é comum nos países que tem histórias de sucesso em desenvolvimento e deve ser a base de um novo consenso. Além disso, entretanto, é imperativo reconhecer que diferentes países precisam e devem adotar diferentes caminhos para o desenvolvimento.

Prescrições generalistas para diferentes países, na presunção de que um modelo serve para todos, são enganosas e podem ser perigosas. Na verdade, meu recente livro sobre a corrida pelo crescimento, que trata da industrialização desde 1950, mostra uma considerável diversidade entre os países que passaram por esse processo. Para os países que enfatizaram os mercados e a abertura, tratava-se de minimizar falhas do mercado. A tônica estava em ter preços corretos e comprar as habilidades e tecnologias necessárias para a industrialização. Para os países que salientaram a intervenção estatal com moderação, com abertura calibrada ou controlada, tratava-se de minimizar falhas do governo. A ênfase estava em ter instituições adequadas e construir as habilidades e tecnologias necessárias para a industrialização. Acredito que é hora de abandonar a busca evasiva pela definição de um consenso único.

Em seu livro, o sr. descreve como o avanço do capitalismo trouxe assimetrias entre países e dentro dos países. A desigualdade cresceu. É possível que o capitalismo possa reduzir desigualdade e pobreza?
Assimetrias e desigualdades estão na lógica e na natureza do capitalismo. A era da globalização, que começou em torno de 1980, é caracterizada pelo avanço dos mercados e recuo dos Estados. Ela trouxe um forte aumento nas desigualdades econômicas não só entre países ricos e pobres, mas também dentro dos países, entre pessoas. Houve piora na distribuição de renda praticamente em todo o lugar. Esse problema da crescente desigualdade e da pobreza persistente tem sido acentuado pelo avanço do desemprego.

Mas a razão fundamental é o recuo progressivo do Estado, que tem diluído a proteção social e as políticas econômicas, sufocando a criação de empregos. Apenas a ação pública e as políticas governamentais apropriadas poderiam moderar as consequências provocadas por mercados desenfreados no capitalismo. Sabemos por experiência que a idade de ouro do capitalismo nos países industrializados, do final dos anos 1940 até o início dos anos 1970, testemunhou um rápido crescimento e o pleno emprego, associado com o compartilhamento da prosperidade que eliminou a pobreza e reduziu a desigualdade. Por isso, é essencial restaurar o papel do Estado, sem o qual, em mercados liberados, não há freios e contrapesos.

O sr. observa que a globalização e a onda de privatizações trouxeram avanço na desigualdade e a ascensão de uma classe de rentistas em vários países. Como mudar essa situação. Ela é inevitável?
Durante as últimas três décadas, houve uma redistribuição dos rendimentos dos salários para os lucros em quase toda parte e houve uma redistribuição dos lucros, do setor real, manufatura ou serviços, para o setor financeiro, especialmente nos países industrializados, mas também nas economias emergentes. Não são apenas os rentistas. Há uma mudança na renda e riqueza na direção dos super-ricos. Isso não é inevitável. Na verdade, esse problema deve ser abordado se quisermos retomar o crescimento e reduzir a desigualdade na economia mundial contemporânea. Na minha opinião, mais emprego e melhores postos de trabalho são a única solução sustentável. Crescimento pode criar empregos, e empregos podem impulsionar o crescimento, um reforçando o outro.

O sr. afirma que governos se tornaram obsessivos com o controle da inflação. Qual deveria ser a melhor abordagem nessa questão?
A crise econômica mundial tem nos proporcionado uma oportunidade para repensar as políticas macroeconômicas. Uma reformulação deve começar pela redefinição dos objetivos das políticas. No curto prazo, ou em situações de crise, a principal preocupação não deve ser a estabilidade de preços por si só. A estabilidade da produção e do emprego têm a mesma importância. No médio prazo, ou em tempos normais, o objetivo essencial das políticas macroeconômicas não pode ser simplesmente a gestão da inflação e a eliminação dos desequilíbrios macroeconômicos.

Deve ser também, se não mais, a respeito da criação de emprego e da sustentação do crescimento econômico. A reformulação deve ser estendida para os instrumentos de política econômica. A política fiscal não pode ser reduzida a um meio de reduzir os déficits públicos ou restaurar equilíbrios macroeconómicos. É um poderoso instrumento para a busca do pleno emprego e do crescimento econômico.

A política monetária não pode ser reduzida a uma forma de controlar a inflação por meio de taxas de juros. É um instrumento versátil, onde tanto o preço quanto o volume de crédito podem ser mais eficazes na obtenção dos objetivos de desenvolvimento. Em resumo, é essencial retomar uma abordagem desenvolvimentista para políticas macroeconômicas, baseadas em uma integração de políticas fiscais e monetárias anticíclicas de curto prazo com os objetivos de desenvolvimento de longo prazo. Isso deve mudar o foco do setor financeiro para a economia real; do curto prazo para o longo prazo e do equilíbrio para o desenvolvimento. O crescimento econômico com pleno emprego deve ser o objetivo fundamental das políticas macroeconômicas.

O Brasil foi exceção na onda de desenvolvimento que começou nos países desenvolvidos (especialmente China e Índia) no início dos anos 1980, que o sr. retrata em seu livro. Apesar de registrar um bom avanço há alguns anos, o país tem hoje baixas taxas de crescimento baixas. Por quê?
O foco sobre o período desde 1980, é enganador. Uma resposta a esta questão necessita de uma perspectiva histórica de longo prazo. Durante o início do século 19, quando os países da Ásia estavam sendo colonizados, os países da América Latina começavam a conquistar a independência. Por esta razão, talvez, houve ligeiro aumento, em vez de um declínio, na parcela da América Latina no PIB mundial entre 1820-1870. No começo da década de 1870, países latino-americanos invocaram a sua autonomia para usar tarifas para promover a industrialização de suas economias abundantes em recursos. Isso levou a um rápido crescimento e alguma industrialização de suas economias – o que explica o rápido aumento da participação da América Latina no PIB mundial durante o período 1870-1950. Na verdade, a América Latina foi a história de sucesso da época. A Ásia, particularmente a China e a Índia, era a história de desastre entre 1820-1950.

Desde 1950, a industrialização ganhou impulso na América Latina. E o Brasil foi uma parte importante deste processo. De fato, a partir do início dos anos 1960, o "milagre brasileiro" foi visto como uma história de sucesso no mundo em desenvolvimento. Mas isso chegou ao fim em torno de 1980. O Brasil e muitos países latino-americanos enfrentaram as crises de dívida e a turbulência macroeconômica. Os programas de estabilização do FMI e os planos de ajuste estrutural do Banco Mundial impuseram crises a essas economias, o que levou às décadas perdidas de 1980 e 1990.

Uma recuperação substantiva só começou na década de 2000. Mesmo assim, em 2010, o Brasil ficou entre os cinco principais países do mundo em desenvolvimento em termos de tamanho (PIB e população), industrialização (valor industrial agregado e exportações de manufaturados), o engajamento com a economia mundial (comércio e investimento). Na minha opinião, a atual conjuntura não é indicador do potencial do Brasil. A retomada do crescimento econômico é perfeitamente possível. Ele precisa de políticas adequadas. As perspectivas de longo prazo são mais promissoras.

O Brasil vive um processo de desindustrialização. Como essa tendência pode ser revertida?
Sim, há desindustrialização na América Latina, talvez menos no Brasil do que em outros lugares. Essa tendência precisa ser revertida. Na minha opinião, vai ser necessária uma política industrial pró-ativa, com políticas e instituições de apoio. É natural que, no Brasil, a manufatura seja baseada em produtos primários e recursos naturais. O agronegócio, que responde por um quarto do PIB, é uma parte do processo de industrialização e desenvolvimento. A dependência de produtos primários não processados cria mais risco e vulnerabilidade.

Naturalmente, é necessário minimizar a concentração até mesmo nas exportações do agronegócio. Particularmente se há concentração em alguns poucos mercados, como Estados Unidos e China. É necessária e desejável uma industrialização diversificada com base na manufatura. Há potencial e possibilidades promissoras. Afinal, o Brasil desenvolveu aeronaves com a Embraer e tecnologias de exploração de petróleo em profundidade no oceano. Nos dois casos, lidera o mundo em desenvolvimento e compete com os países industrializados.

Alguns economistas argumentam que a desindustrialização é inevitável e que o país não pode competir com a China. Que não há espaço para medidas de desenvolvimento, como a desvalorização da moeda. Qual modelo deve procurar ao Brasil nesse contexto?
Não há nada inevitável sobre a desindustrialização. E a crença de que você não pode competir com a China levanta uma grave questão. Há espaço para o Brasil para emergir como um centro irradiador de manufatura. Com o BNDES, o Brasil é um modelo para o financiamento ao desenvolvimento, tão essencial para promover a industrialização. Acho que o Brasil deve desenvolver o seu próprio modelo, em vez de buscar adotar ou replicar algum outro modelo de desenvolvimento.

No livro, o sr. fala sobre a importância da inclusão de países nas cadeias internacionais de fornecimento internacionais. Agora, o Brasil está ausente de muitas dessas cadeias. É possível e desejável para modificar isso?
Não é como se o Brasil e a Índia não fizessem parte de cadeias globais de valor. Mas, na proporção do comércio internacional de manufaturas, eles são muito menos significativos do que Coreia, China, Taiwan ou mesmo Malásia. As fatias dos países são moldadas pela sua integração nas redes globais de produção, geridas por grandes empresas transnacionais. Para países pequenos, que estão atrasados, ou para iniciantes essa integração pode ser importante como um ponto de entrada no mercado mundial de bens manufaturados.

No entanto, mesmo para esses países as cadeias de valor globais são um complemento útil, mas não constituem uma estratégia de industrialização. Por um lado, a distribuição dos ganhos do comércio é desigual. Por outro, os efeitos de encadeamento e de aprendizagem são fracos. Em minha opinião, o Brasil e a Índia precisam fazer muito mais em termos de políticas e instituições para apoiar a industrialização, em vez de focar no ingresso nas cadeias globais de valor como forma de seguir em frente.

O Brasil tem altas taxas de juros e moeda sobrevalorizada. Como isso afeta o desenvolvimento e o que deve ser feito sobre esses pontos?
Altas taxas de juros pode sufocar o investimento doméstico. Taxas de câmbio sobrevalorizadas pode diminuir o desempenho das exportações. Essas políticas são muitas vezes direcionadas pelo desejo de atrair investimentos ou a entrada de capitais de curto prazo para financiar os déficits em conta corrente. Altas taxas de juros garantem rentabilidade e moeda forte transmite confiança. Este método de gestão do balanço de pagamentos situação não é necessário nem desejável. Machuca a manufatura nacional e torna a economia mais vulnerável a crises financeiras.

Fazer correções não é ciência espacial. A taxa de câmbio é um preço, e a política cambial deve ser utilizada de acordo com o interesse nacional. Da mesma forma, as taxas de juros são um preço e não devem ser mantidas em patamares tão elevados. Esta é uma lição importante que emerge da experiência do Leste Asiático.

Como você vê o futuro da China?
China é uma parte importante da história sobre a mudança de equilíbrio do poder econômico no mundo. Mas não é a história toda. Há outros países do mundo em desenvolvimento, que são jogadores importantes, mesmo que não sejam tão grandes como a China. O futuro é tanto incerto quanto imprevisível. Não é simplesmente a média aritmética das taxas de crescimento composto. Há fatores internos e externos que irão moldar os resultados. A China já é uma potência econômica, mas seu crescimento econômico está sendo abrandado. A resposta sobre o futuro depende de como o seu sistema político vai se formatar.

Qual é a sua opinião sobre a crise que começou em 2008? Nova turbulência deve ocorrer?
Persiste a Grande Recessão que eclodiu no rescaldo da crise financeira. De fato, a recuperação é lenta, desigual e frágil. E as perspectivas são incertas. Parece que o problema foi agravado por um retorno às políticas macroeconômicas ortodoxas. Nos países industrializados, os Estados Unidos e Japão são as exceções. Há alguma recuperação da produção, mas não tanto no emprego. Esse fato se deve, essencialmente, a políticas macroeconômicas anticíclicas em ambos os países, onde afrouxamento monetário continua e não há contenção de orçamento. Nos países da União Europeia, e não apenas nas economias em crise, mas também em países como a Alemanha, o Reino Unido e, agora, a França, as medidas para tentar reduzir os déficits fiscais estão sendo implementadas.

A solução pode se tornar pior do que o problema. É claro que continuam em apuros algumas economias de mercado na União Europeia, nomeadamente Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha, como também algumas economias em transição da Europa Oriental.

Muitos dos grandes países em desenvolvimento, as chamadas economias emergentes, como a Argentina, o Brasil, a Índia, a Indonésia, a Nigéria, a África do Sul, a Turquia e até mesmo a China, têm experimentado uma desaceleração no crescimento distinta. Isto é em parte atribuível à grande recessão que persiste nos países industrializados. Para a China, a lenta recuperação nos Estados Unidos e a recessão persistente na União Europeia é um fator subjacente extremamente importante, já que as exportações para esses mercados são um fator crítico para o seu crescimento.

No entanto, a desaceleração nos outros grandes países em desenvolvimento também é significativamente resultado de seus próprios erros. As políticas macroeconômicas voltaram a ser pró-cíclica. Altas taxas de juros têm sufocado o investimento privado, enquanto as tentativas de reduzir os déficits fiscais têm espremido investimentos públicos, reduzindo a demanda doméstica, o que diminui o crescimento. Taxas de câmbio fortes para sustentar os fluxos de investimento de carteira, como forma de financiar o aumento do déficit em conta corrente, têm afetado negativamente o desempenho das exportações tornando a dependência dessas entradas ainda maior.

Claramente, a economia mundial não está no caminho para uma recuperação sustentada. No entanto, os mercados financeiros estão lenta, mas seguramente, voltando aos negócios de sempre. Muitas economias estão em um estado vulnerável. No entanto, outra crise financeira, que é possível, irá retardar a recuperação e imporá custos sociais muito mais elevados do que da última vez.

O sr. escreve que os países que conseguiram ter cautela em relação à desregulamentação e liberalização financeira foram capazes de limitar os efeitos da crise. Como os países devem agir daqui para frente?
Estou convencido, mais do que nunca, de que os países em desenvolvimento devem abordar a desregulamentação doméstica dos setores financeiros e a liberalização da conta capital. Essa opção pode não estar disponível para as economias que já estão integradas de forma significativa nos mercados financeiros internacionais emergentes, mas é uma escolha que um número muito maior de países em desenvolvimento pode exercer. Economias emergentes ainda precisam reconhecer que a desregulamentação não deve levar a um sub-governo dos sectores financeiros nacionais e devem ter a opção de introduzir controles de capital, se e quando necessário.

O sr. aponta momentos de virada na história: no início do século 19, a ascensão da Grã-Bretanha; no início do século 20, a ascensão dos EUA. E, no início do século 21, a ascensão dos países em desenvolvimento. Não seria mais claro falar da ascensão da China em razão das enormes diferenças nesse grupo? Qual é a sua opinião sobre as mudanças a longo prazo no cenário global?
A história não pode se repetir. Mas seria sábio aprender com a história. O início do século 19 foi um ponto de virada na economia mundial. Era o começo do fim de significância esmagadora da Ásia na economia mundial. E foi o início da ascensão da Europa, em particular da Grã-Bretanha, na dominação do mundo. O início do século 20 foi o próximo ponto de virada. Era o início do fim do domínio da Grã-Bretanha no mundo. E foi o início da ascensão dos Estados Unidos para o domínio do mundo. A corrida e transformação duraram meio século. O início do século 21, talvez, represente um ponto de virada similar. Poderia ser o início do fim do domínio dos Estados Unidos no mundo. O surgimento de países fora da América do Norte e Europa Ocidental, particularmente as potências economias potência na Ásia, mas também em outros continentes do mundo em desenvolvimento, constitui uma transformação impressionante.

Na minha opinião, a história até agora não é simplesmente sobre a ascensão da China, mesmo que ela seja muito maior do que o resto. Há uma série de países, o que eu descrevo como o Next-14, que fazem parte do processo de recuperação do atraso que está começando a mudar o equilíbrio do poder econômico no mundo: Argentina, Brasil, Chile e México na América Latina; China, Índia, Indonésia, Coréia, Malásia, Taiwan, Tailândia e Turquia, na Ásia; e África do Sul e Egito na África. Defendo que há outros países, que denomino Following-10, que têm o potencial de fazer parte do processo de catch up: Colômbia, Honduras, Equador e Venezuela na América Latina; Irã, Filipinas e Vietnã, na Ásia; Quênia, Nigéria e Tunísia, na África. Eu acho que, em 2050, o mundo provavelmente será multipolar, e não apenas composto por duas superpotências: os EUA e a China.

O sr. afirma que a ação imperialista sufocou, no passado, o desenvolvimento da China e da Índia. Como o poder imperial hoje afeta os países?
O imperialismo da era colonial é passado. Mas há diferentes novas manifestações que derivam de um mundo de parceiros desiguais em que as regras assimétricas produzem resultados desiguais. Instituições internacionais e regras internacionais estão reduzindo significativamente o espaço de política disponível para os retardatários, cortando os seus graus de liberdade na busca pelo desenvolvimento. No entanto, as sombras do passado também persistem. Os países da União Europeia estão tentando impor acordos de parceria econômica com os países da África que podem ter graves consequências negativas para o desenvolvimento. O engajamento econômico da China com países da África também é mais desigual e, em alguns aspectos, uma reminiscência do passado colonial.

O que é que a mudança política na Índia, ocorrida das últimas eleições, significa do ponto de vista econômico?
A Índia é um país de enorme potencial econômico que não pode ser realizado. Há uma crise silenciosa na economia. As perspectivas de curto prazo são preocupantes, já que há uma desaceleração acentuada do crescimento e queda do investimento, enquanto a inflação persiste e a situação do balanço de pagamentos é difícil elementos que, juntos, refletem os desequilíbrios macroeconômicos subjacentes. Em uma perspectiva de médio prazo, o crescimento do desemprego, a pobreza persistente e crescente desigualdade são um motivo de preocupação. Em um horizonte de longo prazo, as crises na agricultura, na infraestrutura e na educação são profundas.

Esses problemas, que se acumularam em graves proporções na última década, exigem uma ação corretiva aqui e agora, mesmo que os resultados ocorram em diferentes esferas e diferentes intervalos de tempo. No final de maio de 2014, um novo governo assumiu o poder, com uma clara maioria no parlamento, pela primeira vez em 25 anos. Há expectativas e aspirações do povo em relação a esse momento de uma democracia vibrante. Com toda a franqueza, três meses é um período muito curto para se conseguir fazer até um julgamento preliminar. No entanto, os eventos até agora (como, por exemplo, o Orçamento da União apresentado no parlamento) sugerem mais do mesmo, em vez de uma ação decisiva. Deveria ter sido possível, pelo menos, delinear as intenções e prioridades num horizonte de cinco anos. Os cidadãos da Índia só podem esperar que o novo governo não se torne mais uma oportunidade perdida.

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A CORRIDA PELO CRESCIMENTO - PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO NA ECONOMIA MUNDIAL
AUTOR Deepak Nayyar
TRADUÇÃO Vera Ribeiro
CO-EDIÇÃO Centro Internacional Celso Furtado/Editora Contraponto
PREÇO R$ 70,00 (319 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo

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DEEPAK NAYYAR
Indiano, nasceu em 26/09/1946
Professor emérito de economia a Universidade Jawaharlal Nehru University, de Nova Déli.
Foi professor de economia da New School for Social Research, de Nova York e lecionou na Universidade de Oxford e na de Sussex.
Atuou como assessor econômico do governo indiano nos anos 1980.
Alguns livros:
Macroeconomics and Human Development (Taylor and Francis, Londres, 2013).
Liberalization and Development (Oxford University Press, Nova Déli, 2008).
Trade and Globalization (Oxford University Press, Nova Déli, 2008).

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Agenda de Deepak Nayyar no Brasil
No Rio de Janeiro:
18/8 participa do 2º Congresso Internacional do Centro Celso Furtado: Um novo desenvolvimento para uma nova democracia
19/8, 18h30 lançamento do livro "A Corrida pelo Crescimento" na Livraria Cultura do centro
Em São Paulo:
21/8, 15h30 palestra e sessão de autógrafos na Fundação Getúlio Vargas (Rua Itapeva 474- 6º andar)
22/08, 11h15 palestra e autógrafos na FEA-USP
22/08, 19h palestra e autógrafos na Fundação Escola de Sociologia e Política (Rua General Jardim 522)
23/08, 10h Palestra transmitida on line na Fundação Perseu Abramo (Rua Francisco Cruz 234)


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