Folha de S. Paulo


Argentina pode recorrer a Haia e ONU em crise da dívida, diz ministro

O chefe de Gabinete de Cristina Kirchner, Jorge Capitanich, afirmou que o país pode apelar à Corte de Haia e às Nações Unidas para intervir na crise da dívida argentina.

"Há necessidade de um debate na assembleia da ONU, e eventualmente uma convenção, para regular a obrigatoriedade de acordos de maiorias sobre as minorias", disse ele, em conferência na manhã desta quinta-feira (31).

Nesta quarta (30), venceu o prazo que a Argentina tinha para quitar a dívida de uma parte dos títulos do país em posse de um grupo de credores, mas eles não receberam o pagamento. Ou seja, considera-se que o país entrou em default técnico.

O índice Merval, o principal da Bolsa argentina, despencava 6,98%, às 13h15 (de Brasília), para 8.314 pontos. O calote argentino, porém, não chega a representar peso extra para o mercado de ações brasileiro, segundo analistas.

"Por causa do resultado do encontro da quarta, não estamos negociando quase nada. Oxalá haja um acordo com os bancos ainda nesta quinta", disse Hernan Muñoz, da corretora MAE (Mercado Aberto Eletrônico), especializada em títulos.

A Argentina havia feito um depósito de US$ 539 milhões, mas a Justiça dos EUA impediu os bancos de repassarem o dinheiro porque o juiz Thomas Griesa entendeu que o país só poderia pagar esses credores se acertasse uma outra dívida, que o país não reconhece: US$ 1,3 bilhão, ao fundo NML.

O Bank of New York Mellon confirmou que, seguindo a determinação da Justiça, não vai transferir o dinheiro.

Em 2001, a Argentina decretou um calote total. Os seus títulos não foram honrados até 2005, quando o país propôs voltar a pagar, mas desde que fosse uma quantia menor. A maioria, formada por 92,4% dos detentores da dívida, aceitou.

Os que recusaram entraram na Justiça –caso do NML. No mês passado, a ação foi finalmente decidida, em favor deles. A Justiça americana mandou a Argentina pagar esse grupo minoritário pelo valor integral da dívida.

CALOTE

Na manhã desta quinta (31), Capitanich, assim como outros representantes do governo, afirmou que a Argentina não deu um calote, pois depositou o dinheiro dos credores.

"Os credores devem exigir do juiz o recebimento dos seus fundos que foram depositados pela Argentina. Aos consultores ou agentes financeiros que pretendem dizer que a Argentina está, entre aspas, em um suposto calote técnico, é uma mentira absurda."

O ministro atacou a Justiça dos EUA, que, segundo ele, é dependente dos "fundos abutre", chamados assim pelo governo argentino porque compraram títulos a valores baixos para cobrá-los integralmente depois.

Capitanich disse ainda que o que está em jogo são os recursos naturais da Argentina, que seria "a nova Arábia Saudita" por causa de suas reservas de petróleo.

Ele também criticou o mediador da negociação entre o governo e o fundo NML, Daniel Pollack. "Houve incompetência da parte dele ao não respeitar a Argentina como país soberano."

O chefe de governo disse ainda que "qualquer acordo entre privados não implica em ingerências ou incumbências por parte do Estado; é uma questão de negociações por fora dos canais formais".

BRASIL

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, negou nesta quinta que a Argentina tenha dado um calote, afirmando que a situação é de "impasse" e que ainda há margem para negociações.

Analistas também esperam que se chegue a um acordo.

"Eu não creio que a Argentina esteja num 'default', porque ela está pagando suas dívidas. Ela depositou a parcela dos credores algumas semanas atrás, pagou o Clube de Paris. Ela não está dando calote, é uma situação 'sui generis', excepcional", disse.

"Não chamaria default, é um impasse", completou.

Segundo o ministro, a situação no país vizinho não deve ter impactos diretos no Brasil, e as consequências serão sentidas, nesse momento, pela Argentina. Mas admitiu que pode afetar o comércio exterior, parte que muito interessa ao Brasil.

"As consequências são, num primeiro momento, da Argentina. Dificuldade de captação no mercado internacional, algum prejuízo na atividade econômica", disse.

Na visão do ministro, há interesse em continuar as negociações e existem outras soluções, como instituições financeiras comprarem os títulos dos fundos (chamados pelo governo argentino de "abutres"), que ganharam na Justiça americana o direito de receber o valor total de suas dívidas.

Um grupo de bancos privados argentinos já ofereceu aos litigantes um acordo para comprar os títulos.

"O mercado esta observando, porque as negociações podem continuar. Há outras soluções, instituição financeira comprar os títulos dos abutres, mas com valor menor. Eles [os fundos abutres] estão jogando tudo ou nada, mas para eles, as negociações valem a pena. Ainda tem espaço para isso, não vamos nos precipitar."

Segundo Mantega, o calote técnico argentino afetará futuras reestruturações de dívidas que possam acontecer no mundo.

"Decisão da corte americana pode comprometer futuras reestruturações de dívida. Certamente haverá reação, como já houve, da comunidade internacional. Fundo Monetário criticou essa posição, vai cair no colo dele a dificuldade de fazer outras reestruturações. Não é uma situação circunscrita na Argentina."


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