Folha de S. Paulo


Geração pós-estabilização tem mais possibilidades de planejar carreira

Geraldo Santos, 54, viveu dias difíceis nos corredores do supermercado Casa Santa Luzia, nos Jardins, em São Paulo. Remarcador de preços nos anos 1980, ele trocava etiquetas dos produtos várias vezes ao dia, enquanto se esquivava de clientes furiosos.

A cena era comum em mercados durante o período da hiperinflação, que fazia os preços variarem a toda hora.

Hoje, um dos filhos de Geraldo, Anderson, 29, é analista de importação na mesma loja e nunca precisou explicar a um cliente por que a comida estava mais cara.

Entre esses dois cenários está o lançamento do real, que ocorreu em 1º de julho de 1994, e conduziu a economia brasileira à estabilidade.

Anderson faz parte de uma geração que era criança nos anos 1980 e tem poucas lembranças das várias moedas que o país teve (cruzeiro, cruzado, cruzado novo).

No dia 1º, outra geração, que não teve contato com essa realidade, faz 20 anos.

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GERAÇÃO 'REAL'

Diferentemente de seus pais, esse jovens entram no mercado de trabalho em um ambiente econômico mais favorável. Não é preciso gastar o dinheiro imediatamente para evitar que ele desvalorize, e a renda aumentou. "Do ponto de vista econômico, o real foi um mundo novo. Havia períodos, no começo dos anos 1990, de 4% de inflação ao dia. Ficar com o dinheiro parado era perder", diz o professor de economia da UFRJ André Modenesi.

Com a necessidade de viver no curto prazo, era difícil planejar o orçamento doméstico, ainda mais a carreira ou a compra de um imóvel. As trajetórias de Geraldo e Anderson expressam essa diferenças. O primeiro não fez faculdade, teve quatro filhos e ainda pagava a casa própria quando a caçula nasceu. Já Anderson se formou, ainda mora com os pais e paga o apartamento onde vai viver depois de se casar.

Nos anos 1980, além de lidar com clientes irritados, Geraldo tinha que preencher a vitrine do açougue com abóboras, já que faltava carne. Em casa, a situação também era preocupante. As contas apertavam o orçamento, enquanto a família crescia.

"Perdi noites de sono por causa das prestações. As crianças pediam coisas e não podia comprar. Era uma dor no coração", lembra Geraldo, hoje gerente da Santa Luzia.

Com 20 anos, o estudante Danilo Cardoso lembra do descontrole econômico apenas pelos registros na carteira de trabalho de sua avó. Ao ver o reajuste do salário para compensar a inflação, ele achava que o valor dobrava.

Do armário usado para estocar alimentos em casa, ficaram só as histórias. "Na minha infância tinha sumido."

De Mogi das Cruzes, Cardoso veio estudar em São Paulo bancado pela família. Em julho, fará intercâmbio na Colômbia. O estudante considera que tem mais liberdade para ousar em seus planos.

"Pude me mudar, estudar inglês, tive acesso a oportunidades que meus pais não tiveram. Me sinto tranquilo, mais do que imagino que eles se sentiam na minha idade." Para o professor do departamento de Economia da PUC-Rio, Luiz Cunha, o Plano Real foi a condição fundamental para os jovens saírem da "corrida infindável" de viver em função da inflação. "O ambiente no qual toma decisões é muito mais tranquilo. Ele tem mais informação, o amparo financeiro dos pais, pode escolher melhor."

Marcela Pacífico, 19, é a primeira em três gerações de sua família que pôde definir o começo de sua carreira. Neta de Lúcia Pacífico, presidente do Movimento das Donas de Casa e Consumidores de Minas Gerais, que fiscaliza preços, ela cresceu ouvindo as dificuldades da época.

"Minha mãe foi trabalhar aos 17 anos. Só depois fez graduação. Ela se arrepende."


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