Folha de S. Paulo


Juiz nega pedido, e pagamento da Argentina a credor pode ir para fundos

A Justiça dos Estados Unidos negou pedido da Argentina e manteve a decisão que obriga o país a pagar já US$ 1,3 bilhão ao fundo de investimento NML, com o qual está em litígio.

O governo Cristina Kirchner tentava suspender temporariamente a decisão e, assim, evitar que o pagamento a credores que aceitaram negociar os títulos que detêm –92,4% do total– seja confiscado.

Agora, os credores que vêm recebendo em parcelas após acordos feito em 2005 e em 2010 podem ter os próximos pagamentos confiscados.

O país não questionava a decisão, mas pedia para que a Justiça esperasse um novo acordo para começar a executar a sentença.

A decisão foi do juiz Thomas Griesa, o mesmo que obrigou a Argentina a pagar sua dívida com o NML. "Esse pedido [de suspensão] não é apropriado. A suspensão está negada", afirmou Griesa em documento.

O NML faz parte de um grupo de fundos –os chamados "holdouts"– que não aceitaram a proposta argentina para reestruturar os títulos de dívida. Eles detêm cerca de 8% dos títulos, que pelas contas do Ministério da Economia chegam a US$ 15 bilhões. A decisão beneficia os outros fundos "holdouts", e não só o NML.

DEPÓSITO

Nesta quinta (26), o ministro da Economia, Axel Kicillof, anunciou que o país depositou US$ 832 milhões referentes a uma parcela do pagamento ao grupo com o qual tem acordo.

Agora, esse valor –que deveria ser pago até a próxima segunda-feira (30), mas que foi antecipado porque a data será feriado bancário na Argentina– poderá ser confiscado em favor do NML.

Caso o confisco seja realizado, os credores que seriam beneficiados correm o risco de levar um "calote indireto" da Argentina.

A presidente Cristina Kirchner vem caracterizando os fundos "holdouts", que não aceitaram a reestruturação, como "abutres" por se aproveitar da crise de dívida de 2002, que levou milhões de argentinos da classe média à pobreza.

"Eles [fundos abutres] compraram bônus em 'default' a preços obscenamente baixos com o objetivo único de entrar em litígio contra a Argentina e ter lucros enormes", diz anúncio publicado pelo governo Kirchner em jornais europeus na terça-feira (24)

CONTRADIÇÃO

O pagamento efetuado hoje contradiz uma nota publicada na página na web do Ministério da Economia na semana passada, que dizia que o país não iria depositar o valor pois o dinheiro seria embargado.

A mudança de estratégia pode estar ligada a uma cláusula dos títulos reformados que garante a esses credores os mesmos valores das ofertas que forem feitas depois das trocas de títulos.

Se o dinheiro que a Argentina depositou for confiscado, não terá sido uma oferta voluntária do país e, por isso, não irá disparar essa cláusula, que colocaria em risco toda a renegociação da dívida.

Kicillof voltou de uma viagem aos EUA. Na quarta (25) ele participou de um encontro nas Nações Unidas. No discurso desta quinta (26), ele listou uma série de países, incluindo o Brasil, que apoiam a Argentina politicamente.

BRASIL

Na quarta-feira, o governo brasileiro fez uma dura defesa da Argentina na ONU, classificando a decisão do Judiciário americano como "irracional" e que chancela um "comportamento irresponsável, especulativo e moralmente questionável" dos fundos de investimento.

Segundo o embaixador brasileiro na ONU, Antonio Patriota, é preciso acompanhar "com cuidado" os impactos desta situação para a comunidade internacional.

O embaixador reforçou o apoio do Brasil e de grupos da região, como Mercosul e Celac, à Argentina, e pediu um trabalho mais coordenado da comunidade internacional para discutir o tema de reestruturação da dívida.

Outros membros do G77, como Colômbia, Cuba, Índia e Equador, também demonstraram seu apoio ao governo argentino.

Editoria de Arte/Folhapress

ENTENDA O CASO

Em 2001, durante uma grave crise econômica, a Argentina parou de pagar suas dívidas.

Parte delas era na forma de títulos -papéis que o governo oferece aos investidores estrangeiros para se financiar.

Em 2005 e em 2010, a Argentina procurou os detentores dos títulos e ofereceu valores menores e novos prazos de pagamento. A maioria deles -que tinha 92% dos papéis- aceitou os termos, o que significava receber menos.

Houve vários tipos de critérios na negociação, incluindo ajustes que levam em conta o crescimento do PIB e índices de inflação. Na média, quem aceitou a reestruturação ficou com 35% do valor que inicialmente seria pago.

Os que não aceitaram o acordo e detinham 8% dos papéis venderam os títulos a fundos de investimentos conhecidos como "abutres". Eles compram dívidas não honradas por preços baixos, apostando que conseguiriam cobrar o valor integral do devedor.

O fundo "abutre" NML, das Ilhas Cayman, fez justamente isso -comprou títulos de dívida da Argentina após o calote de 2001 e entrou na Justiça dos Estados Unidos para receber o valor original.

O NML argumentou que os títulos foram emitidos com uma cláusula, chamada "pari passu", que garante tratamento igual a todos os credores. Por essa cláusula, o governo Cristina Kirchner precisaria pagar a todos, incluindo quem não aceitou o acordo.

No dia 16, o fundo "abutre" saiu-se vencedor na Suprema Corte americana.

Segundo a decisão, a Argentina tem que pagar o valor integral mais juros e multas: US$ 1,3 bilhão para o NML.

A decisão pode se estender para o restante dos credores que não aceitaram a renegociação, o que pode elevar essa dívida para US$ 15 bilhões. O problema é que o governo só tem US$ 28 bilhões de reservas internacionais.

O governo pode tentar chegar a um acordo com os credores com que está em litígio.

Mas, ao fazer isso, coloca em risco o acerto feito com os detentores de papéis que aceitaram receber menos. Uma cláusula no contrato da dívida reestruturada diz que esses credores podem optar por uma oferta melhor que for oferecida a outros.

Essa cláusula tem validade até o fim do ano.

No dia 30 vence mais uma parcela da dívida já renegociada pelo país. O dinheiro pago agora pode ser confiscado pela Justiça dos EUA para pagar os fundos "abutres".

A Argentina também teme que seus bens no exterior, como navios, sejam apreendidos pela Justiça em prol do fundo NML e de outros credores.


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