Folha de S. Paulo


Energia renovável é aposta de índios de Roraima contra crise energética

No alto do mato onde nasceu Macunaíma, herói de sua gente, comunidades indígenas de diversas etnias mediram durante um ano a força dos ventos e do sol com sensores de tecnologia de ponta, instalados em antena de aparência futurista. E agora preparam-se para implantar fontes de energia renovável para abastecer as comunidades da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.

Ali, no extremo norte do país, se desenrola uma disputa entre atraso e modernidade que inverte estereótipos convencionais: índios usam tecnologia de ponta em busca de solução para seu futuro energético, recusando, por considerar destrutivo, o represamento de rios e a construção de hidrelétricas.

NORTE
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Pouco tempo atrás a Raposa Serra do Sol frequentava manchetes da imprensa como palco de conflitos entre índios e produtores de gado e arroz, que tinham ocupado a área ao longo da segunda metade do século 20.

Os últimos fazendeiros foram embora em 2009, depois de uma batalha ganha no Supremo Tribunal Federal. Os índios de etnias Macuxi, Ingaricó e Uapixana, entre outras, passaram a controlar a área de 1,7 milhão de hectares.

DEVOÇÃO

Nem bem a poeira da homologação da terra assentou, começou a discussão sobre o estabelecimento de fontes regulares de energia elétrica para as comunidades locais, como previsto pelo programa federal Luz para Todos. O projeto apresentado pelo Ministério de Minas e Energia propunha represar um dos rios que fluem pela terra indígena, represando a cachoeira da Andorinha, um ponto de devoção, que os índios querem preservar. Além disso, os líderes comunitários temiam que a construção demandasse numerosos trabalhadores não índios. Mal se livraram de uns, não queriam deixar entrar outros tantos.

O CIR (Conselho Indígena de Roraima) decidiu estudar o levantamento do potencial da energia eólica feito pelo Ministério das Minas e Energia em 2001. O mapa dos ventos no país revela a existência de um grande corredor de ventos passando por Roraima, no sentido oeste-leste. Embora produzido com dinheiro público há mais de uma década, o estudo não tinha sido apresentado a eles.

"Como a hidrelétrica é teoricamente considerada energia renovável, o governo não investe em outras formas de geração. A decisão dos índios, que a gente apoia, foi de explorar o vento e o sol, abundantes na área", explica o professor Luiz Antônio Ribeiro Souza, do departamento de Engenharia Elétrica da UFMA (Universidade Federal do Maranhão), que assessora os índios em todo o processo.

LENÇÓIS MARANHENSES

O CIR, em parceria com o Instituto Socioambiental (que em Roraima já trabalhava há várias anos com os ianomâmis), criou o projeto denominado Cruviana (vento forte que sopra na região). Juntos, procuraram a equipe da UFMA, que havia implantado projeto semelhante em vila de pescadores no litoral maranhense.

"Os índios são muito organizados, quiseram conhecer a experiência na Ilha de Lençóis, entrevistaram a comunidade, quiseram saber prós e contras", conta Ribeiro.

Na comunidade de pescadores maranhenses há seis anos funciona um conjunto composto de turbina eólica, painéis solares, baterias e um gerador diesel (que entra em ação quando as outras fontes falham). Segundo Ribeiro, ali, ao longo de todo o ano, 93% da energia consumida é de origem eólica ou solar.

UM ANO DE MEDIÇÃO

O primeiro passo para a implantação da energia renovável foi medir detalhadamente o potencial do sol e dos ventos durante um ano. A UFMA indicou um conjunto de sensores instalados em antenas em três lugares da Raposa Serra do Sol, nas comunidades de Pedra Branca, Tamanduá e Maturuca. A medição foi feita em 12 meses a partir de abril de 2013. Os sensores alimentaram o banco de dados de um computador acoplado à torre. A cada mês, técnicos indígenas em cada comunidade faziam o download dos dados, que eram enviados para a UFMA.

Completado o ciclo de estudos em abril, a equipe da universidade fez o projeto de implantação que prevê seis turbinas eólicas (semelhantes a hélices de aviões em torres), painéis solares e baterias, complementados por um motor diesel para emergências. Esse conjunto deve ser capaz de produzir 110kw/hora/mês para cada família das comunidades –cada uma com cem famílias em média.

A notícia de que os índios estudavam o potencial eólico de sua terra correu no mercado brasileiro de energia. Duas multinacionais procuraram o CIR para propor formas de parceria para implantação de um parque energético de larga escala. A decisão dos líderes indígenas foi cautelosa: primeiro querem ver os quilowatts abastecerem suas famílias antes de pensar em excedentes lucrativos.


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