Folha de S. Paulo


Denúncia de violência financeira contra idosos cresce mais de 300%

As denúncias de abuso financeiro contra idosos quadruplicaram no país entre 2011 e 2013, passando de 4.052 para 16,8 mil.

Os dados são compilados pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência com base nas ligações recebidas pelo serviço Disque 100.

O crescimento dos casos da chamada violência financeira —assim como os de negligência e violência psicológica— contra idosos tem preocupado os especialistas e foi um dos temas do último congresso brasileiro de geriatria.

As denúncias geralmente são anônimas porque os idosos relutam em pedir ajuda.

O promotor público cearense Alexandre de Oliveira Alcântara, do Conselho Nacional do Direito do Idoso, diz que atende muitos casos de familiares "brigando" para tomar conta do idoso.

"Na verdade, muitos querem é ficar com o cartão [bancário] dele", afirma.

Alcântara relata ter atendido um caso de uma idosa que tinha contraído cinco empréstimos para a filha.

"Uma das irmãs veio denunciá-la e queria ficar com a mãe. Quando eu afirmei que podia ficar, mas que estariam proibidos novos empréstimos, ela disse: 'mas, doutor, justamente na minha vez?'."

Segundo ele, mesmo sabendo que está sendo explorada, a maioria dos idosos prefere não denunciar os familiares por medo de punição, por vergonha ou por dó.

É o caso da aposentada M.R.B., 73, de São Paulo, que teme contar sua história por receio da reação da filha.

"Ela pegou o meu dinheiro que estava na poupança. Eram R$ 3.000, economizados com muito custo. Disse que precisava pagar uma dívida. Pedi o dinheiro de volta, mas já desisti."

M. é viúva, ganha R$ 1.500 de pensão por mês, e mora com a filha na zona norte da capital. Quase metade do que recebe é para pagar um empréstimo no banco e o "carnê" de uma TV nova comprada em seu nome.

A filha, de 50 anos, não trabalha. O neto, de 22 anos, vive de bicos. A única renda certa na casa é de M. Ela se sente explorada financeiramente, mas "nem em sonho" pensa em denunciar a filha.

Situação semelhante vive o aposentado João, 78. O genro é quem recebe o seu pagamento e fica com seu cartão bancário. "Ele diz que é perigoso eu ir ao banco buscar minha aposentadoria."

João diz não ter "coragem" de pedir o cartão de volta porque não quer "arrumar confusão" com o genro.

Segundo João, parte da aposentadoria, de R$ 1.850, já está comprometida com a compra de uma geladeira, parcelada em 12 vezes, e com um empréstimo contraído para a reforma da casa onde mora com a filha: "No final do mês, não sobra nada."

Segundo a assistente social Marília Berzins, doutora em saúde pública pela USP, pesquisas mostram que os idosos geralmente não obtêm empréstimo consignado para eles, e sim para familiares. "Muitas vezes o idoso não percebe que está sendo violentado nesse sentido."

Outros, porém, têm consciência da exploração que sofrem, mas não conseguem reagir. "Em geral, esses idosos moram com filhos ou netos que os exploram. Não têm mais ninguém a quem recorrer. É muito difícil romper essa cadeia."


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