Folha de S. Paulo


Do PT ao próprio governo, Plano Real enfrentou resistência para aprovação

Desde o início de sua concepção, o Plano Real enfrentou toda sorte de resistência. O Brasil havia passado por uma bateria de planos econômicos mal sucedidos nos anos que antecederam a criação da moeda.

E havia um clima de desconfiança em relação a uma nova investida econômica.

O desafio era ainda maior daquela vez porque o plano envolvia uma série de medidas impopulares, como o corte de gastos do governo e a previsão de aumento dos impostos, sem falar na expectativa de alguma perda salarial com a nova moeda.

Não por acaso, a criação do Plano Real costuma ser lembrada como uma das maiores negociações políticas pelas quais o país já passou. Foram necessárias inúmeras reuniões com parlamentares, empresários e dentro do próprio governo até que se conseguisse passar todas as medidas que abriram caminho para a criação do real.

A resistência começou já no primeiro anúncio sobre a formulação do plano de estabilização da economia, feito por Fernando Henrique Cardoso em dezembro de 1993.

Editoria de arte/Folhapress

Todos os grandes partidos rejeitaram o aumento de 5% nos impostos federais e a criação do FSE (Fundo Social de Emergência), que cortava em 15% as transferências e vinculações constitucionais.

O PT era uma das principais frentes de oposição. O então presidente da sigla, Luiz Inácio Lula da Silva, criticou a falta de diálogo e viu interesses eleitorais nas medidas.

Centrais sindicais e a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) também rejeitaram a elevação dos impostos.

Em vários episódios a equipe de Fernando Henrique Cardoso teve de administrar ainda o fogo amigo: resistências dentro do PSDB, na equipe ministerial e incertezas sobre o apoio do próprio presidente Itamar Franco.

As divergências em relação às medidas quase resultaram em diversas demissões. O então ministro do Trabalho, Walter Barelli, ameaçou deixar o cargo repetidas vezes, por não concordar com a regra dos salários da nova moeda.

O próprio Fernando Henrique Cardoso chegou a falar em sua demissão na fase mais aguda de resistência no Congresso, quando os parlamentares custavam em aprovar a Medida Provisória que criava a URV (Unidade Real de Valor), fase essencial do plano.

Parlamentares haviam feito quase 300 emendas ao texto original e o PT e frentes do PDT consideravam a medida favorável a empreiteiras e ruralistas e desfavorável aos trabalhadores.

A dificuldade em conseguir a aprovação já fora prevista pela equipe econômica no dia do lançamento da MP, quando a tramitação foi considerada reservadamente um "voo cego".

Foram necessários mais de dois meses para que a Câmara aprovasse, em maio, por 281 votos a favor, a medida que criou a URV, semanas antes do prazo estipulado para a troca da moeda, em 1 de julho de 1994.

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VEJA FRASES DE RESISTÊNCIA E APOIO AO PLANO:

"Fomos discriminados. Todos os contratos em vigor foram respeitados, menos os trabalhistas"

LUIZ ANTÔNIO MEDEIROS, presidente da Força Sindical (cargo ocupado na data da publicação do artigo)

"Se não há clima para uma greve geral agora, haverá quando os trabalhadores perceberem que estão perdendo com o plano. O programa faz parte de um conjunto de medidas do FMI e dos credores internacionais com o objetivo de estabilizar a moeda. Só é honestamente impossível fazer um plano econômico em que os salários controlados e os preços ficam livres"

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, presidente do PT (cargo ocupado na data da publicação do artigo)

"O PT tem que aprender, também, a negociar"

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, Ministro da Fazenda (cargo ocupado na data da publicação do artigo)

"Outra vez trata-se de soluções artificiais, simplesmente financeiras, que não atingem a essência do processo inflacionário. É um plano para beneficiar as grandes empresas, as multinacionais e os bancos às custas da população trabalhadora"

LEONEL BRIZOLA, governador do Rio (cargo ocupado na data da publicação do artigo)

"Estou otimista com o plano. Tenho certeza de que progressivamente os empresários vão aderir à URV. O importante é que o plano tenha um gerenciamento forte. Ele tem fases que exigem um acompanhamento constante"

LÁZARO DE MELLO BRANDÃO, presidente do Bradesco (cargo ocupado na data da publicação do artigo)

"O problema está na gestão do plano. Ou seja, na permanência do ministro Fernando Henrique Cardoso no cargo. A sua eventual candidatura provocaria um conflito de interesses no Congresso, já que ele passaria a ser visto como um concorrente. Ele deve permanecer no comando geral da economia"

GUILHERME AFIF, presidente da Confederação Nacional das Associações (cargo ocupado na data da publicação do artigo)

"Trabalhei com ele por mais de 15 anos e sei que, além de hábil, é sábio e perseverante"

DOM PAULO EVARISTO ARNS, cardeal-arcebispo de São Paulo sobre FHC e o plano (cargo ocupado na data de publicação do artigo)


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