Folha de S. Paulo


Belo Monte deve atrasar geração de energia em pelo menos um ano

A geração de energia pela usina hidrelétrica de Belo Monte deve atrasar pelo menos um ano. O pedido de adiamento consta de ofício enviado em 22 de maio à Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) pela Norte Energia S.A. (Nesa).

A usina fica no rio Xingu, em Altamira e Vitória do Xingu (PA). Quando estiver pronta, levará energia a 17 Estados e até 60 milhões de pessoas, segundo a concessionária.

A hidrelétrica se compõe de duas barragens. Pimental sediará a casa de força auxiliar, para gerar 233 megawatts (MW). Em Belo Monte do Pontal, a casa de força principal, ficarão 18 turbinas para produzir 11.000 MW. O ofício CE 036/2014 PR da Nesa solicita mudança do cronograma de geração nas duas instalações.

A primeira turbina de Pimental deveria produzir energia em fevereiro de 2015. Pelo pedido, ainda em exame pela Aneel, o prazo se estenderia para abril de 2016. A sexta e última máquina de Pimental entraria em operação só em janeiro de 2017.

No caso de Belo Monte do Pontal, a geração comercial da primeira turbina iria de março de 2016 para março de 2017. A 18ª máquina, que completa os 11.233 MW (8,7% do potencial de geração hoje instalado no Brasil), deve funcionar em janeiro de 2020.

O ofício afirma que o atraso se deveu a "fatos resultantes de atos do poder público, casos fortuitos e de força maior, excludentes de responsabilidade por parte da Norte Energia".

Os "atos do poder público" se referem à postergação do processo de licenciamento ambiental e às sucessivas ações do Ministério Público Federal contra o empreendimento, por descumprir as chamadas condicionantes ambientais. Houve várias liminares da Justiça derrubadas em instâncias superiores.

Lalo de Almeida - 6.dez.2013/Folhapress
Estrutura que abriga turbina da casa de força auxiliar da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, em Altamira (PA)
Estrutura que abriga turbina da casa de força auxiliar de Belo Monte, no rio Xingu, em Altamira, no Pará

DESVIO DO XINGU

"Durante dois anos, 2011 e 2012, houve perda da janela hidrológica do período de seca", diz Delorgel Valdir Kaiser, gerente de Comunicação da Nesa. "Como consequência, a primeira fase do desvio do Xingu, programada para dezembro de 2011, só pôde ser realizada em janeiro de 2013."

A Nesa alega que enfrentou 441 dias de atraso na implantação das obras no sítio Pimental. Ali fica a barragem que formará o chamado reservatório principal (com 370 km², a maior parte deles no leito alagável do Xingu), cujo enchimento deveria começar na próxima virada de ano.

A empresa também aponta 124 dias perdidos no sítio Belo Monte, alvo de bloqueios de grupos indígenas e organizações sociais. Isso teria atrasado a implantação do canal de derivação (de 20 km) e de 28 diques para formar o reservatório intermediário (130 km²), que vai alimentar as 18 turbinas mais potentes.

MAIS PROBLEMAS

O ofício da Norte Energia S.A. (Nesa) à Aneel propondo novo cronograma para Belo Monte não faz referência a algumas dificuldades técnicas enfrentadas pelo Consórcio Construtor de Belo Monte (CCBM), grupo de grandes empreiteiras -como Andrade Gutierrez, Odebrecht e Camargo Corrêa- formado para tocar a obra.

Uma das mais graves foi nas fundações dos diques 8A e 8B. Debaixo deles se encontrou um tipo de rocha porosa (arenito), e não o esperado migmatito (semelhante ao granito e, como ele, impermeável).

Os diques são barreiras de terra (argila) e rocha que fecham as partes baixas do terreno onde se formará o lago, portanto não pode haver vazamentos por baixo deles. Foi preciso alterar o projeto das fundações, mas os engenheiros do CCBM afirmam que a modificação não implica riscos para os diques nem para o reservatório.

Outra dificuldade da Nesa se encontra no Ibama (Instituto Brasileiros do Meio Ambiente). Para encher os reservatórios nos prazos originais, a empresa necessitaria de uma licença de operação do órgão até o final deste ano.

Como várias obras e compensações previstas no processo de licenciamento atrasaram, é forte a pressão entre técnicos do Ibama e organizações sociais para que a licença não seja concedida antes do cumprimento das condicionantes. Não se descartava, contudo, que a agência tomasse uma decisão política e autorizasse o enchimento.

OUTRO LADO

A Norte Energia S.A. (Nesa), empresa que ganhou o leilão de Belo Monte e é controlada por empresas estatais e fundos de pensão, ressalva que o atraso implícito no novo cronograma proposto à Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) não configura "um fato consumado".

Segundo esclarecimento encaminhado pela Nesa à Folha, o ofício CE 036/2014 PR, que oficializou o atraso, "teve a intenção de motivar uma discussão em tempo hábil, ainda durante a fase de construção e muito antes da geração prevista".

A primeira turbina deveria gerar eletricidade em fevereiro de 2015, mas o ofício propõe que isso ocorra em abril de 2016 –um atraso de 14 meses, portanto.

"A Norte Energia está absolutamente empenhada em minimizar o máximo possível o impacto das ocorrências sobre o cronograma e já o fez com medidas diversas, como o incremento de equipamentos e mão de obra e a adoção de novas tecnologias", diz a nota. "Qualquer novo cronograma está em discussão com o poder concedente."

Ou seja, a decisão final sobre o novo prazo para geração cabe à Aneel. Não parece provável, contudo, que a agência exija da Nesa o cumprimento de prazos inexequíveis.

A parte mais importante da correspondência à Aneel é o pedido de exclusão de responsabilidade. Ele significa que a empresa não pretende arcar com o prejuízo pela energia que deixará de ser gerada no período. No documento, a Nesa afirma que isso traria "irreparáveis prejuízos para o empreendedor e para a sociedade".

Questionada sobre o valor projetado da eletricidade que deixará de ser produzida em razão do atraso, a empresa concessionária não informou nenhuma estimativa. "É prematura qualquer avaliação nesse sentido, tendo em vista que o assunto está em análise pela Aneel."

A Norte Energia também negou que os problemas com as fundações dos diques 8A e 8B tenham exercido algum papel no atraso das obras.

"A geologia do canal de derivação sempre apresentou um nível técnico adequado de conhecimento. As obras de fundação dos diques e do canal são realizadas com a qualidade técnica exigida", afirma a Gerência de Comunicação da Nesa.

"No canal e nos diques, cujos volumes de obras de terra e rocha são imensos, a perda da janela hidrológica teve repercussão maior."

Segundo a Norte Energia, na área da casa de força auxiliar (sítio Pimental) os impactos maiores ocorreram por conta de invasões, paralisações e, principalmente, liminares que impediram acesso ao rio Xingu.

No sítio Belo Monte do Pontal (casa de força principal), os atrasos decorreram mais dos bloqueios do acesso ao canteiro de obras.


Endereço da página:

Links no texto: