Folha de S. Paulo


Copa amplifica incompetência e prejudica a marca Brasil, diz publicitário

A Copa do Mundo trouxe um holofote para as deficiências de infraestrutura e para a desigualdade social no país, a ponto de acentuar o mau humor e de prejudicar a chamada marca Brasil –que representa como a nação se vende no cenário internacional.

A afirmação é do publicitário Marcello Serpa, sócio da agência AlmapBBDO, um dos profissionais mais premiados do país, que viaja no final desta semana para participar do Festival Internacional de Criatividade, em Cannes, na França. A agência fez 266 inscrições para prêmios em 2014.

"Prêmio bom é aquele que você ganha constantemente. Ganhamos vários prêmios, mas a constância é importante. Fomos por três anos a agência mais premiada em um ranking mundial. Cada Leão [prêmio do festival de Cannes] ganho é muito sofrido", disse.

Além da importância da premiação para os profissionais e as agências, a marca Brasil foi o tema mais debatido na última edição do Arena do Marketing, evento promovido pela Folha em parceria com a faculdade ESPM nesta segunda-feira (9).

Mediado pela jornalista Thais Bilenky, coordenadora de artigos e eventos do jornal, o debate também teve a participação do diretor-geral da graduação da ESPM de São Paulo, Luiz Fernando Garcia.

Raquel Cunha/Folhapress
O publicitário Marcello Serpa (centro) e o diretor da ESPM Luiz Fernando Garcia durante o Arena do Marketing
O publicitário Marcello Serpa (centro) e o diretor da ESPM Luiz Fernando Garcia no Arena do Marketing

"Não acho que a marca 'Brasil' está ameaçada. Está passando por um momento muito difícil", disse Serpa. "Há dez anos, mudou a forma como o Brasil se apresentava, houve crescimento econômico, viramos capa da [revista britânica] 'Economist', a nossa auto estima aumentou. Lembro-me de clientes dizendo que se tratava de um novo Brasil. Eu pedia calma e dizia que havia uma certa inflação do ego nacional."

"Mas temos problemas de infraestrutura. E a Copa amplificou também a nossa incompetência. Se isso ficasse só entre nós, poderíamos discutir em que melhorar, mas tem bilhões de pessoas assistindo. A gente quis se expor, mas não soube se expor. Vamos pagar um preço por isso", disse.

Segundo o publicitário, daqui cinco anos essa visão pessimista sobre o Brasil passará. "Se há cinco anos nossa imagem não era 100% real, hoje a imagem negativa lá fora também não é", disse.

"Somos um país que deixou a desculpa da adolescência para trás. Deixamos de ser o Orfeu Negro [produção franco-brasileira que ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro de 1959], em que somos pobres, mas felizes. Temos muita desigualdade social, racismo velado, uma dificuldade enorme [de eficiência na infraestrutura]. [Reconhecer isso] É um sinal de maturidade", afirmou.

GOVERNO

O publicitário criticou o elevado gasto do governo com propaganda que, segundo ele, é incompatível com o resultado obtido pela comunicação.

"Não trabalhamos para governo, então não me sinto à vontade para criticar. Mas a quantidade de gasto com propaganda oficial é tão grande que, mesmo errando muito, eles poderiam ter comunicado alguma coisa melhor", afirmou.

"O governo está fazendo uma comunicação absurda sobre Copa. Mas se não tem 'aderência' na rua, a comunicação falha."

Segundo Serpa, o horário de comunicação da Petrobras, por exemplo, é enorme, mas ineficiente por tentar falar "tão bem" dos esforços da companhia.

"As pessoas não são mais tão influenciáveis. É preciso ter um fundo de verdade [na comunicação]. Isso vale não só para a Petrobras, mas para o Banco do Brasil, a Visa, a Volkswagen. Não dá para você criar uma campanha que seja totalmente ilusória. Hoje, as pessoas estão ligadas na internet, estão muito mais antenadas e questionam. Tudo é questionável", disse.

DIVERSIDADE

O publicitário afirmou ainda que alguns anunciantes querem fazer uma propaganda politicamente correta ao extremo, que ninguém reclame e que seja o mais neutra possível. O risco, afirmou, é se tornar um material insosso e perder eficiência.

"Se você acha que vai agradar 100% da população, você vai criar uma campanha absolutamente amorfa. É sorvete de baunilha. Ninguém odeia baunilha, mas também não empolga muito. Não emociona."

"Todo mundo pede para você sair da caixa. Aí você sai e está sozinho. Cadê todo mundo? Esses clichês a gente cansa de ver todos os dias", afirmou.

Segundo ele, nunca se falou tanto em diversidade, mas nunca se praticou tão pouco. "A diversidade implica respeitar uma pessoa que seja, pense e aja como ela é. As pessoas tendem a levar sua opinião [politicamente correta] sem respeitar que o outro tenha uma opinião divergente."


Endereço da página: