Folha de S. Paulo


Autora marxista aponta papel vital do Estado para globalização

A globalização foi uma resposta aos fracassos do capitalismo, não a seus êxitos. Os Estados Unidos usaram seu controle das redes comerciais e financeiras para adiar o acerto de contas do seu próprio capital interno.

Passaram o peso a outros, movendo os capitais pelo mundo para buscar lucros e promovendo uma orgia de especulação financeira. A análise é da cientista política Ellen Meiksins Wood em "Império do Capital".

Para ela, a globalização "não tem nada a ver com liberdade de comércio", e o Estado "é hoje mais essencial do que nunca para o capital", pois fornece estabilidade e previsibilidade. A tese se choca com a visão muito difundida de que o capital transnacional é difuso, perpassando fronteiras nacionais.

Wood considera essa uma ideia enganosa. Defende que o Estado é "ponto vital de concentração do poder capitalista", especialmente hoje, quando depende de um sistema de Estados múltiplos.

Desde os primórdios do capitalismo, ela nota que a intervenção estatal "foi necessária para criar e manter não somente o sistema de propriedade mas também o de não propriedade".

A socióloga advoga que hoje vigora "o primeiro imperialismo em que o poder militar foi criado não para conquistar território nem para derrotar rivais". Com sua capacidade militar sem precedentes, os Estados Unidos alardeiam a necessidade de uma guerra infinita.

"É dessa possibilidade da guerra sem fim que o capital tem necessidade para sustentar sua hegemonia sobre o sistema global de múltiplos Estados", afirma Wood.

Para ela, a principal característica do imperialismo atual é "operar o máximo possível por meio de imperativos econômicos, e não pelo domínio colonial direto". Diz que o Brasil sabe o que isso significa:

"Em anos recentes, os líderes brasileiros falaram com prazer sobre sua independência ou seu desligamento da economia global. Mas, na verdade, mesmo com Lula e agora com Dilma no poder, eles se tornaram ainda mais dependentes do capital internacional ao aceitar a dominância do neoliberalismo".

Segundo a autora, as realizações progressistas alcançadas foram limitadas e até revertidas pela "submissão da economia brasileira às pressões do capital internacional, o que explica bem as condições que acabaram por levar à agitação atual".

IMPÉRIOS

Nascida em Nova York em 1942, Wood estudou na Universidade da Califórnia (EUA) e foi professora de ciência política na Universidade de York (Canadá). Marxista, atuou em publicações de esquerda, como na britânica "New Left Review" e na norte-americana "Monthly Review".

Seu livro faz um recorte na história de impérios, partindo de Roma e China. Mostra como o poderio romano tinha um forte sistema de propriedade privada e uma enorme força militar, com o camponês sendo a base da expansão territorial.

A seguir, Wood percorre os impérios da Espanha, o Árabe-Muçulmano, o de Veneza e o de Florença.

Lembra que os venezianos tiveram um papel central no início do comércio de escravos, no século 8. Enfatiza que o sucesso comercial das cidades-Estado se baseava na força militar, ocorrendo uma simbiose entre comércio e guerra.

Mas foi na Inglaterra onde surgiu a forma de imperialismo movida pela lógica capitalista, afirma. O império britânico não deve ser visto simplesmente como "um meio de subjugação de populações para fins de impostos ou extração de recursos".

Assegurou supremacia comercial, nutrindo o lucro capitalista derivado do aumento da produtividade. O campo de testes para esse novo tipo de império foi a Irlanda, defende. Da Irlanda, o livro salta para a Índia e os EUA.

É possível levantar muitas questões sobre os conceitos trabalhados por Wood. No final do livro, ela própria expõe as críticas que recebeu, também de marxistas. Enriquece o debate, sem buscar unanimidade.

IMPÉRIO DO CAPITAL
AUTORA Ellen Meiksins Wood
EDITORA Boitempo
QUANTO R$ 34 (152 págs.; lançamento no dia 14)
Classificação Bom


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