Folha de S. Paulo


Relatório que baseou compra de refinaria nos EUA por Petrobras era falho, diz governo

A aquisição pela Petrobras de metade das ações da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, foi autorizada em 2006 pelo Conselho de Administração da companhia com base em um documento "técnica e juridicamente falho", disse nesta quarta-feira a Presidência da República.

Ministra da Casa Civil na época, a presidente da República, Dilma Rousseff, presidia o conselho da Petrobras quando o negócio foi autorizado. Ela votou a favor do negócio.

O caso foi revelado nesta quarta-feira pelo jornal "O Estado de S. Paulo". A reportagem aponta que Dilma afirmou, em sua primeira manifestação pública sobre o tema, que só aprovou a compra da refinaria na época por ter recebido "informações incompletas" do parecer.

O problema com o negócio é que a Petrobras gastou com Pasadena muito mais do que a refinaria valia. Ao todo, a estatal desembolsou US$ 1,18 bilhão. Investigações do Tribunal de Contas da União apontaram que a refinaria chegou a valer cerca de US$ 50 milhões em 2005. Um ano antes da compra pela Petrobras, a mesma refinaria havia sido negociada para a Astra Oil por apenas US$ 42 milhões.

O conselho da estatal autorizou a compra de 50% da refinaria ao custo de US$ 360 milhões. No entanto, cláusulas do contrato que, segundo a Presidência da República, eram desconhecidas pelo conselho obrigaram a Petrobras a arcar com 100% das ações da unidade, o que acabou gerando um gasto total de quase US$ 1,2 bilhão.

Além do alto valor pago, a refinaria era antiga e necessitava de investimentos. Em 2012, quando a Petrobras decidiu colocá-la à venda, recebeu apenas uma proposta, de US$ 180 milhões.

Ou seja, caso decidisse passá-la à frente, a estatal teria um prejuízo de US$ 1 bilhão. A venda foi temporariamente cancelada.

CONSELHO

Faziam parte do conselho da Petrobras na autorização de compra os então ministros Antonio Palocci, à frente da Fazenda, e Jaques Wagner (PT), atual governador da Bahia, ex-Relações Institucionais. Eles seguiram Dilma dando voto favorável, segundo o "Estado".

A posição deles sobre o negócio também era desconhecida até hoje. Sérgio Gabrielli, presidente da Petrobrás na época, é secretário de Planejamento de Jaques Wagner na Bahia. Ele, que ainda defende a compra da refinaria nos EUA.

Procurado hoje para comentar a divulgação das informações, Gabrielli preferiu não tecer comentários.

O CASO

Em 2006, a Petrobras comprou metade da refinaria no Texas por US$ 360 milhões –US$ 190 milhões por 50% das ações e US$ 170 milhões pelos estoques da empresa.

Até 2008 a Petrobras mantinha a refinaria em sociedade com a belga Astra Oil. Porém, devido a um desacordo entre as duas empresas, a estatal brasileira foi obrigada a ficar com toda a planta.

Uma cláusula do contrato, chamada de "Put Option", estabelecia que em caso de desacordo entre os sócios uma das partes deveria comprar a outra. E justamente esta cláusula não era de conhecimento do conselho de administração.

Segundo o "Estado", Dilma também confirmou que não teve acesso à outra cláusula, chamada de "Marlin", que garantia à Astra Oil um lucro de 6,9% ao ano mesmo que as condições de mercado fossem adversas.

O governo afirma, na nota divulgada hoje, que se as cláusulas "Put Option" e "Marlin" fosse conhecidas, o conselho não teria autorizado a primeira compra de parte da refinaria.

Informa, ainda, que a diretoria executiva da estatal levou o problema ao conselho que acabou não aprovando a compra das ações remanescentes e decidiu por abrir um processo arbitral contra o grupo Astra. "O processo arbitral foi aberto em decorrência de previsão contratual e de acordo com as regras da American Arbitration Association", diz a nota.

Em junho de 2012, entretanto, o país perdeu a disputa e teve que cumprir o laudo arbitral da Câmara Internacional de Arbitragem de Nova York, confirmado também por decisão das Cortes Superiores do Texas que determinou a compra das ações remanescentes.

Ou seja, as cláusulas, segundo a Presidência, desconhecidas do negócio acabaram obrigando a estatal brasileira a adquirir 100% das ações.

A Petrobras pagou US$ 820 milhões pela outra metade da refinaria, valor fixado num acordo extrajudicial no qual estavam acrescidos de juros e custos legais.

Richard Carson/Agência Petrobras
Refinaria de Pasadena, adquirida pela Petrobras em 2006
Refinaria de Pasadena, adquirida pela Petrobras em 2006

POLÍCIA FEDERAL

A Polícia Federal investiga suspeitas de evasão de divisas envolvendo a Petrobras no caso Pasadena e no suposto suborno de funcionários da estatal pago pela fornecedora holandesa SBM.

A polícia não descarta visitas às sedes das empresas no exterior.

Como há suspeitas de que funcionários da estatal possam ter feito remessas ou mantido de forma irregular dinheiro fora do país, a polícia decidiu abrir dois inquéritos para averiguar as denúncias.

A apuração da compra da refinaria em Pasadena foi motivada por representação do Ministério Público Federal. Desde o ano passado, procuradores investigam o negócio.

O que mais chama a atenção dos investigadores é o fato de a Petrobras ter desembolsado um total de US$ 1,18 bilhão pela unidade que havia sido comprada por cerca de US$ 42 milhões pela Astra, que tem entre seus executivos um ex-funcionário da estatal brasileira.

GABRIELLI

No ano passado, o ex-presidente da Petrobras José Sérgio Gabrielli defendeu a aquisição de Pasadena. Ele disse que a operação foi correta e não houve "qualquer negócio escuso".

"Não há nenhum equivoco, qualquer problema. Pelo contrário, [a Petrobras] seguiu uma estratégia corretamente definida", afirmou, em audiência pública na Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização do Senado.

O ex-presidente admitiu que a refinaria de Pasadena possui tecnologia "obsoleta", mas defendeu a lógica da operação. Segundo ele, a estatal iria ganhar dinheiro justamente ao recuperá-la. O investimento previsto de US$ 1,5 bilhão só não foi feito porque houve a disputa com o sócio.

"A lógica de quem é produtor de óleo pesado é comprar uma refinaria menos complexa, com menos capacidade de conversão e investir para ganhar a margem entre o petróleo produzido e o derivado leve vendido ao mercado", disse.

De acordo com Gabrielli, a refinaria é bem localizada, na "beira do Golfo do México", e está integrada a oleodutos que alimentam uma parte importante do mercado americano.

Com reportagem de Salvador e agências de notícias


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