Folha de S. Paulo


Deputados chineses são obrigados a cortar gastos e prejudicam mercado de luxo

Cercada de fartos banquetes regados a bebidas caríssimas, a sessão anual do Congresso Nacional do Povo, principal data do calendário político chinês, costumava fazer a festa em restaurantes de luxo de Pequim.

Neste ano, porém, o cardápio será bem mais modesto.

Reunidos até a próxima semana na capital chinesa, os deputados do maior Legislativo do mundo terão que seguir o novo lema imposto pelo Partido Comunista: abaixo a ostentação.

Desde que chegou ao poder, há um ano, o governo do presidente Xi Jinping promove uma cruzada contra a corrupção e os abusos e mudou radicalmente os hábitos dos poderosos -pelo
menos em público.

MERCADO DE LUXO

O choque de frugalidade abalou o mercado de luxo na China, que tinha um nicho altamente lucrativo na indústria do suborno. Em 2013, o mercado de luxo chinês cresceu 2%, bem abaixo dos 7% do ano anterior, segundo a consultoria Bain & Company.

Os chineses ainda são os maiores compradores de luxo, responsáveis por 29% do consumo mundial no setor.

Um estudo recente do grupo de mídia Hurun, especializado no mundo dos ricos chineses, estima que a prática de dar presentes a autoridades caiu 25% em 2013.

"O mercado de luxo sofre consequência direta da queda nos mimos e subornos", disse à Folha Rupert Hoogewerf, fundador do Hurun.

Como exemplo, ele cita os ternos da grife italiana Ermenegildo Zegna, um dos presentes mais apreciados pelos deputados. "Zegna costumava ter vendas fantásticas nesta época do ano, quando ocorre a sessão do CNP, mas isso acabou. A mudança forçou a empresa a rever sua estratégia para a China."

Wang Zhao/AFP
Oficial do Exército chinês treina para reger a banda antes da abertura doCongresso Nacional do Povo
Oficial do Exército chinês treina para reger a banda antes da abertura do Congresso Nacional do Povo

O Legislativo chinês é o maior do mundo e também o mais rico: dentre os deputados do CNP, 80 têm patrimônio acima de US$ 1 bilhão.

Outras grandes marcas de luxo sofreram perdas e tiveram que repensar o mercado chinês. A ordem de reduzir os banquetes enxugou os copos, pois já não pega bem manter os brindes com bebidas caras.

A Diageo, maior empresa de bebidas destiladas do mundo, dona de marcas como Johnnie Walker, teve queda de 22% nas vendas no segundo semestre de 2013 ante igual período de 2012.

Para compensar a perda, a empresa decidiu mirar o consumidor de altíssimo poder aquisitivo, que compra uísques exclusivos de US$ 3.000 e US$ 5.000 a garrafa.

"São marcas que vão diretamente para o consumidor e não dependem de presentes ou eventos do governo", disse o presidente global da Diageo, Ivan Menezes, na apresentação de resultados.

JEITINHO CHINÊS

Para escapar do choque de frugalidade, alguns setores, como o hoteleiro, recorreram ao jeitinho chinês.

Em 2013, mais de 50 hotéis de alto padrão pediram para perder uma estrela, para se adaptar à nova cartilha do partido. "Os governos [locais] não permitem mais o uso de hotéis cinco estrelas.

Para sobreviver, muitos estão se livrando de uma delas", disse o bilionário Chen Miaolin, dono de 64 hotéis.

Frequentadores de restaurantes de alto nível de Pequim têm se espantado com o deserto em que se transformou a ala das salas VIP, antes um turbilhão de banquetes a portas fechadas.

No hotel Anhuacheng, tradicional ponto de encontro de deputados durante a sessão anual do CNP, iguarias exóticas, como barbatana de tubarão, saíram do menu.

Um veterano membro do Legislativo lembrou de um jantar para cinco pessoas que custou R$ 17.200, ou um ano de salário médio em Pequim.

"Quando a conta chegou, ninguém acreditou que seria tão caro, nem o anfitrião", disse Jeffrey Lam Kin-fung, deputado de Hong Kong, a um jornal local.


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