Folha de S. Paulo


Agricultor de SC perde sítio por não pagar empréstimo de R$ 1.387

A falta de pagamento de um empréstimo de R$ 1.387 fez um agricultor de Santa Catarina perder o sítio em que vivia e tirava seu sustento.

O caso expôs uma sucessão de erros do Judiciário, de um banco e da própria defesa do agricultor, Marcos Winter, 65, que tomou o dinheiro em 1997 no Banco do Brasil para plantar feijão e milho em seu sítio em Matos Costa (394 km de Florianópolis).

Winter deveria ter quitado o valor (hoje, atualizado pela inflação, em R$ 3.528) em 1998, mas não o fez. Disse que a colheita no sítio, de área equivalente a 15 campos de futebol, foi ruim e que os produtos "não tiveram aceitação no mercado".

Em 2009, após a penhora e a venda da chácara em um leilão, Winter foi despejado -carregou o que pôde em uma carroça e se abrigou no galpão de uma igreja.

Hoje ele mora com a mulher e três filhos pequenos em uma casa emprestada. Vive de donativos e diz tentar entender por que perdeu o sítio todo, em vez de apenas uma parte equivalente à dívida.

"Comprei aquele sítio com muito trabalho. Era minha única propriedade. Se quisessem uma parte, eu aceitaria. Mas pegaram tudo", afirma.

EQUÍVOCOS

Para a advogada Danielle Masnik, que representa Winter desde 2008, a perda do sítio foi resultado de "uma série de equívocos" do Judiciário, do primeiro advogado do agricultor e do banco.

Masnik diz que a área não poderia ter sido penhorada porque era o único bem do cliente. Afirma ainda que a dívida estava prescrita quando foi cobrada na Justiça -e que o advogado anterior não notou isso à época.

Joaquim Padilha
O agricultor Marcos Winter, 65, com a família em Matos Costa (SC)
O agricultor Marcos Winter, 65, com a família em Matos Costa (SC)

A defesa considera que o Banco do Brasil provavelmente induziu o Judiciário a erro na autorização da penhora, por ter grafado a cidade errada do sítio na nota de crédito -o que pode ter dado a entender que Winter tivesse mais de uma propriedade.

LEILÃO

O sítio foi vendido em leilão por R$ 14,2 mil em 2007, arrematado pela advogada Sara Ferreira, moradora da região, que diz usá-lo "mais para lazer".

"Arrematei sem ler os autos. Não sabia da história dele [Winter]", afirmou à Folha.

Como advogada, Sara disse ver "uma série de erros jurídicos" no processo. Afirmou que o problema poderia ter sido evitado se o agricultor tivesse renegociado a dívida.

Winter, que tenta retomar a propriedade no STJ (Superior Tribunal de Justiça), diz que a área vale entre R$ 100 mil e R$ 200 mil, considerando benfeitorias e potencial produtivo.

No processo, a propriedade foi avaliada em R$ 11,2 mil, valor estimado em 2005 pelo oficial de Justiça Antônio Clayton Makiolki.

"A avaliação que fizemos é técnica, baseada em valor de mercado", afirmou Makiolki.

A nova dona preferiu não citar o valor do sítio. Disse apenas ser "bem menos" do que a estimativa do agricultor -isso porque, segundo ela, a área fica a quase 20 quilômetros do centro da cidade e tem terra "irregular", só permitindo hortas de subsistência.

OUTRO LADO

Procurado para comentar possíveis erros no processo de penhora do sítio em Matos Costa (SC), o Banco do Brasil informou que "o caso está sob acompanhamento da área jurídica, que executará as determinações da Justiça".

O juiz que tratou do processo no fórum de Porto União, cidade vizinha a Matos Costa, estava em férias e não foi localizado. O juiz substituto preferiu não falar.

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina declarou, via assessoria, que informações sobre a ação estão disponíveis na internet e que nenhum desembargador comentaria o caso porque ele ainda está em andamento.

A Folha procurou o primeiro advogado do agricultor, sem sucesso –dois ex-colegas afirmaram que ele está preso. O advogado tem condenações recentes por uso de documento falso e apropriação de bens alheios.

DIFICULDADES

O caso de Marcos Winter mostra como é difícil para muitos pequenos produtores lidar com regras e prazos de empréstimos, avalia a Fetaesc (Federação dos Trabalhadores na Agricultora de Santa Catarina).

"Por passar muito tempo na lavoura, muitas vezes o agricultor tem escolaridade baixa e assina contrato sem entender direito. Muita gente já perdeu terra por causa disso", disse José Dresch, presidente da federação de agricultores de Santa Catarina.

No caso de Winter, o agricultor não tentou renegociar a dívida com o banco quando o débito venceu, em 1998. Contratou advogado só depois do pedido de cobrança judicial, em 2003.

Para o dirigente, o poder público deveria oferecer consultoria aos agricultores na contratação de crédito.


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