Folha de S. Paulo


Empresário conta que obra em orfanato de irmã Dulce foi lição de gestão

Quando ainda estava na universidade, o presidente da Granbio e ex-presidente da Braskem, Bernardo Gradin, teve uma das maiores lições de gestão de sua vida. O professor foi uma religiosa franzina, irmã Dulce, em cujo hospital Gradin trabalhava.

"Por mais que a gente leia na teoria que para cliente não se leva problema, mas solução, foi irmã Dulce quem realmente me ensinou."

Atrair pessoas que compreendam o DNA da empresa é fundamental para evitar que o "pragmatismo por resultados" (a pressão por lucros) contamine o apetite por inovação.

Neste trecho da entrevista, ele fala sobre gestão de pessoas e sobre como teve uma das principais lições de sua vida quando trabalhava numa obra no hospital dirigido pela irmã Dulce, em Salvador.

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O sr. tem executivos ou sócios nas empresas?

Temos sócios. Queremos ampliar a base, ter pelo menos 60 parceiros sócios, e que cada líder de unidade de negócios seja líder empresarial. Eles serão presidentes das empresas, mas também executivos, com participação na holding, opções de ações e participação nos lucros.

Por que isso faz sentido? Porque desde a interface que tem que fazer para não confundir o modelo mental do industrial com o de quem trata com pesquisadores.

Liderar pesquisador significa saber lidar com autonomia de pesquisa, prazos flexíveis.

E como é a tomada de decisão, já que empresas vão depender uma das outras?

Há comitês transversais por assunto, de negócios, de linhas de pesquisa, industrial, e cada líder dessas empresas lidera um desses comitês.

Por uma questão de agilidade ou por uma questão legal?

O legal é periférico. É mais a convicção de que são negócios diferentes.

No nosso modelo original, em vez de ter a Vértice, teria uma grande empresa agrícola, mas tive que construir a empresa para fazer o que ainda não havia no mercado.

Talvez no futuro a gente funda, ache um sócio, venda...

Acho que o principal segredo tenha sido atrair gente. Muita gente que está aqui veio de empresa grande.

A diferença é já construir o DNA na missão da empresa, de que topamos o risco da inovação e temos apetite por ele.

Acredito que tem mágica na ousadia. A ousadia traz um fator agregador. Não queremos um executivo que venha achando que vai ser parecido com o que ele já fez. Um dos nossos desafios maiores é a cultura. Como construir a cultura numa incerteza...

E como se faz?

Pois não tenho resposta. É ainda tentativa e erro.

E o que está tentando hoje?

O que eu gostaria é criar... Sabemos mais o que não queremos que o que queremos. Não queremos uma cultura que engesse, paralise, burocratize, queremos uma cultura que diga mais "por que não" do que "já sabia", "vamos tentar" que "acho que não vai dar".

Parte dessa inquietude só vai ser resolvida no tempo, e espero que seja mantendo esse DNA de empresa jovem e afeita a inovação sempre. Porque há uma hora em que o pragmatismo do resultado chega. Tem que dar lucro em 2015.

Se em 2016 o lucro está baixo, isso se torna sobrevivência e pacto de existência, com acionista, com credor. T tem que dar lucro, tem que dar resultado. E quanto esse pragmatismo do resultado pode contaminar o ambiente...

Você acredita que as pessoas são mais importantes que a estrutura?

Sim. E acho que o maior foco das empresas tem que ser nas pessoas. A instituição pode estar ali pronta, mas, se não tiver a pessoa pra fazer ela andar...

Às vezes uma pessoa muda um país inteiro porque teve uma boa ideia na hora certa.

Quem foi a pessoa com quem você mais aprendeu?

Na vida inteira? Meus pais.

Mas muitos me influenciaram. Norberto Odebrecht, irmã Dulce, com quem eu trabalhei.

O que fez com a irmã Dulce?

Quando eu estava na universidade a Odebrecht tinha um projeto que juntava estagiários e mestres aposentados. Norberto me disse que ia me colocar na obra mais importante que a gente tinha, um hospital e orfanato para crianças. Eu ia às 6h e voltava às 12h. A regra era que não podia usar recursos da empresa tinha que conseguir doações, acordos com madeireiras, fornecedores.

Irmã Dulce não dorme, me chamava pra reunião à 1h, à meia-noite.

Uma das maiores lições quem me deu foi ela. Estava faltando cimento e eu tinha mais medo do dr. Norberto que dela. Fui explicar pra ela. E ela disse "Falta cimento?". Levantou, me pegou pela mão.

Ela batia na minha cintura, apertava minha mão, começamos a andar pelo corredor me levou para a ala de crianças especiais, com problemas mentais.

Havia umas 40 pessoas nessa sala, 20 de um lado, 20 de outra, umas quatro fileiras. Ela entrou na sala, foi fazendo carinho, dando de comer a cada uma das crianças, e eu na porta da sala me sentindo o pior humano.

Ela terminou, me pegou pela mão de novo, não falou nada. Fomos andando de novo no carregador, entrou na capela, ela entrou na terceira fila, ajoelhou e começou a rezar.

E eu só chorava.

Aí ela sentou na cadeira, já tinham se passado duas horas, ela me deu dois tapinhas na mão e disse: "Você viu que Deus me deu muitos problemas para resolver. O cimento você resolve, né?"

E o sr. resolveu?
Atrasou a obra, mas fui a Brasília e resolvi.

E decidi que nunca mais na minha vida ia levar problema para cliente. Por mais que a gente leia na teoria que para cliente não se leva problema, mas solução, foi irmã Dulce quem realmente me ensinou.


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